sexta-feira, outubro 31, 2008

Na Casa Da Mãe Joana

Hugo Caldas

Recém saído de uma forte gripe, fui este último fim de semana ao cinema, coisa que não acontecia desde pelo menos a Era Mesozóica. Devo, no entanto confessar, que gosto muito de cinema, mas prefiro não ir. Explico. Na hora em que se apagam as luzes aquela sala escura se transforma em uma caixa mágica com ares de realidade. É como a quebra da quarta parede no teatro. Nunca entendi muito bem o porquê de evitar ir ao cinema. Acho que é isso mesmo. Gosto tanto que dificilmente suporto o sujeito mal educado sentado atrás de mim conversando, falando ao celular, se empanturrando das gulodices venenosas de um Mac qualquer coisa, esse tipo de sucesso. Quando não metem os pés no encosto da minha cadeira. Para evitar confusão, prefiro o recesso do meu terraço.

Desta vez fui praticamente arrastado assistir ao filme, "A Casa Da Mãe Joana".

Sempre gostei muito dos trabalhos do Hugo Carvana, razão pela qual acho até que não foi assim tão difícil me arrancar da rede. Carvana talvez seja um dos poucos cineastas que eu conheço a retratar com a devida verossimilhança o espírito carioca. Sou fã dos seus filmes desde "Vai trabalhar Vagabundo", "Bar Esperança, o último que fecha", "Se Segura, Malandro", "O homem nu" etc. Todos no mais puro, digamos, neo-realismo carioca onde não se usam praticamente cenários e filmagens de estúdio. É tudo real. Cenas de hotel são feitas em um hotel, cenas de escritório, idem, apartamento e assim vai.

Mas, vamos ao filme que é o que interessa. Aviso logo aos navegantes que não me arvoro em crítico cinematográfico. Vão aqui apenas algumas mal traçadas de alguém que iniciou sua carreira de cinéfilo nas matinées do velho Plaza, de saudosa memória, alí no antigo Ponto de Cem Réis. Mas o filme, em verdade vos digo: Estava mais para novela da Globo.

Vejam pois o elenco: Pedro Cardoso, o Agostinho de "A Grande Família", o belo ator de sempre. Paulo Betti, que tempos atrás fez "Mauá”, “Lamarca", o mesmo "scholar" que proferiu a brilhante frase na defesa dos desmandos e mensalões do PT: "Pra fazer política tem mais é que meter a mão na merda". Estava lá, mais apagado do que o estádio do Santa Cruz Futebol Clube. O sujeito desaprendeu tudo. Virou atorzinho de fancaria. Não convenceu e foi realmente o ponto fraco da película. Perfeitamente dispensável. Também um indivíduo que deixa uma mulher como a Eliane Giardini só deve entender mesmo é de m....! Agildo Ribeiro, Claudio Marzo, Roberto Maia e Miele, em pontas que não comprometeriam o bom andamento da odisséia. Laura Cardoso, (sempre muito bem em qualquer cena), Juliana Paes fazendo o papel de Jeannie é um Gênio tupiniquim. Fernanda de Freitas alter-ego de Debora Secco, menos exuberante, porém dando canja ao desfilar sua beleza peladona pelo set. Malu Mader, representando todas as suas personagens vividas na TV Globo e, em aparições relâmpago, Arlete Salles e Beth Goulart que também não convenceram nem disseram a que vieram. Antonio Pedro o correto ator de sempre e José Wilker muito à vontade, no papel de... José Wilker.

Forçoso é admitir a hiper exposição da cara de todo o elenco na telona bem como na telinha. Não existem outros atores e atrizes nesta Terra de Santa Cruz? Passamos uma semana inteira nos fartando dos frontispícios de artistas globais em suas respectivas novelas de encheção de saco e chega no domingo novamente nos é imposto o mesmo sacrifício, dessa vez na tela grande e ainda por cima, pagando! Mas, fazer o que? Será que vale a pena sair de casa, enfrentar um trânsito desvairado e ainda se expor a um belo de um assalto, por exemplo?

Fiquei, entretanto ressabiado, quando dei de cara com um retrato de Che Guevara candidamente dependurado em uma das paredes do escritório do personagem de Antonio Pedro. Citação absolutamente dispensável na minha opinião. A essas alturas, qual a razão da homenagem? E principalmente em uma comédia? Não estou criticando, mas constatando que ainda há pessoas que não abdicaram dos seus ídolos falsos. Eu já fiz o meu mea-culpa há muito tempo. Todos aqueles ícones que povoaram a minha alma foram uma farsa monumental. Infelizmente uma grande decepção, devo acrescentar.

O roteiro foi baseado em uma história real e conta as aventuras de três malandros que fazem de tudo para manter o apartamento em que vivem e que está hipotecado. E tome golpes e tome expedientes. Realmente não chega a ser bolorento por evocar o "espírito cafajeste" dos anos 50. Carvana, Roberto Maia e Miele dizem, foram os reais personagens que inspiraram o filme pois viveram situações semelhantes às mostradas na história. O filme, entretanto não me fez rir. Em se tratando do Hugo Carvana, a gente sempre procura uma maneira de passar a mão pela cabeça dele. Tendo perpetrado coisas muito boas, não seria agora um deslize bobo que iria comprometê-lo. O filme não o compromete evidentemente e chega a ser engraçado em certas ocasiões. Mas ficou faltando algo que não sei explicar bem o que seja. Contudo reconheço, o Xará Carvana já fez coisas bem melhores. Confiram.

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terça-feira, outubro 28, 2008

UM GIRO PELO VELHO MUNDO

Luiz Gonzaga Lopes

Acabei de regressar de breve giro pelo Velho Mundo. Embora breve, o passeio foi suficiente para me ensinar muitas coisas. Não só a mim, mas a todos os componentes de nosso grupo, numa troca concomitante de conhecimentos. Nas conversas, informações iam e vinham, de lado a lado, enriquecendo os nossos saberes. Especialmente pelo sentido da visão, aprendi muito sobre a Antiguidade Grega, sobre a Renascença Romana, sobre os costumes de algumas nações pós-socialistas. Pela audição, nos bate-papos descontraídos com nossos irmãos brasileiros — todos simpáticos, alegres, brincalhões e tagarelas iguais a mim — muito aprendi sobre o linguajar de nosso povo. Acho que eles, em troca, devem ter aprendido alguma coisa comigo.

Nosso grupo compunha-se de cerca de 20 brasileiros, gente oriunda dos mais distantes rincões deste Brasil gigante, de dimensões continentais e de costumes diferentes. Havia gente de todos os níveis e atividades. No transcorrer das conversas, descobrimos ser predominante a participação de médicos (nove), em contraposição a dois ou três engenheiros, duas psicólogas, três professoras de nível médio, além de um ex-economista.

Certa manhã, quando grande era nossa animação à beira da piscina do navio, alguém, certamente por ter se excedido na bebida, suou frio, empalideceu, sentiu aquela tontura comum que dá em bêbado, as pernas enfraqueceram. Para recuperá-lo bastaria uma ducha fria e um café quente. Mesmo assim, um companheiro dele se dirigiu ao nosso grupo, perguntou se havia algum medico que pudesse prestar socorro ao beberrão. Quem primeiro se manifestou foi uma médica do Recife: “sou oftalmologista, e oftalmologista não é médico”. No mesmo instante, falou um amazonense com nome de índio. Praticamente repetiu as palavras da recifense: “sou ortopedista, e ortopedista também não é médico”. Logo ouviu-se uma gaúcha de Veranopolis: “não tenho o que fazer, sou apenas proctologista”. E, em tom gaiato, dirigiu-se aos demais: “alguém já ouviu falar que proctologista seja médico?”. Desse modo, um a um, todos tiveram voz, desde o dermatologista ate o psiquiatra. Chegou-se, por fim, a uma conclusão: de norte a sul e de leste a oeste do Brasil, não havia um médico. Felizmente, o portador da bebedeira, depois de vomitar, por si próprio sentiu-se curado. Para contentamento geral.

Nosso Brasil, de dimensões continentais, se não é capaz de produzir um médico, também sente dificuldade de unificar o idioma. Com os meus patrícios, cuja característica geral era a simpatia, aprendi muito. Aprendi sem a preocupação de querer aprender. Do mesmo modo, sem a preocupação de querer ensinar, devo ter-lhes ensinado muito. Não sei o quê. Contudo, foi-me possível registrar na memória alguma coisa do que aprendi.

Certa tarde, quando estávamos reunidos na mais alegre das conversas, uma de nossas patrícias, nascida em Santa Catarina, soltou um “UI” dos mais escandalosos. Seguiu-se um silêncio de expectativa sobre o que motivara tão estridente “UI”. Cheguei a pensar em barata, coisa passível de provocar “chiliques” em mulheres. Nada disso, entretanto, aconteceu. A nossa amiga, ofegante, segurando os seios para controlar a respiração, logo explicou: “foi um JACAREZINHO DE PAREDE que caiu perto de mim, passou por cima do meu pé e correu para debaixo de minha cadeira”.

Fiquei então sabendo que o tal “JACAREZINHO DE PAREDE” nada mais, nada menos era que uma pequena lagartixa doméstica.

No dia seguinte, depois de curtir dois ou três whiskies com um companheiro paranaense, presenciei a esposa dele aproximar-se e pedir-lhe que fosse comprar algumas PASTILHAS DE PROSA. Fiquei curioso, sobretudo quando ouvi a mulher dizer que precisava saber notícias da irmã, convalescente de uma cirurgia. Atento a tudo, acompanhei todos os passos do meu amigo, inclusive quando ele entrou em uma loja de celulares, dirigiu-se ao caixa e, após efetuar o pagamento, recebeu algumas fichas telefônicas. Quase caí para trás: descobri que a tradução de “PASTILHAS DE PROSA” era fichas telefônicas.

Enquanto isso, minha mulher fez amizade com uma companheira, também professora. A diferença entre elas é que minha mulher nasceu nos cafundós-do-judas, nas brenhas do norte, no Acre, enquanto a amiga pertence ao mundo civilizado da capital do Espírito Santo. A linguagem delas, portanto, difere muito, por isso mesmo dá gosto vê-las conversar. Numa troca de idéias sobre culinária, a vitoriense entregou a minha mulher uma receita de bolonhesa que envolvia um pacote de talharim, um queijo parmesão, molho de tomate, e DOIS MEIOS-QUILOS DE BOI RALADO.

Minha mulher leu e entendeu tudo da receita, inclusive o modo de preparar. Entendeu tudo. Menos os DOIS MEIOS-QUILOS DE BOI RALADO. Ante nossa curiosidade, procuramos pessoas das terras capixabas, que logo nos deram a tradução: “DOIS MEIOS-QUILOS DE BOI RALADO” é um quilo de carne moída.

Diariamente, à noite, depois do jantar, íamos ao teatro do navio e, de lá, ao piano-bar, que ficava no convés. Para se chegar ao piano-bar, passava-se, obrigatoriamente, por dentro do cassino, talvez como uma espécie de tentador convite ao jogo, sobretudo aos que sentiam alguma atração por apostas. Eu estava isento da tentação.

Ao conversar sobre isso com um companheiro, ele me revelou gostar de fazer uma fezinha e, mais de uma vez havia sido contemplado pela sorte com agradáveis prêmios. O último aconteceu ao ser sorteado para desfrutar um tour aéreo sobre a cidade onde residia. “Foi ótimo, ele disse, minha mulher e eu achamos uma delícia. O piloto sobrevoava a cidade lentamente, parava de vez em quando para observarmos melhor os monumentos, deu uma volta bem vagarosa em torno da torre da catedral, um colosso”.

Imediatamente compreendi, o meio de transporte utilizado foi o helicóptero. O entusiasmo do meu amigo era grande, sobretudo ao revelar ter sido aquela a primeira vez que ele e a esposa voavam em AVIÃO DE ROSCA.

No momento em que eu aprendia sobre as desigualdades no nosso idioma falado, o Governo assinava o decreto estabelecendo a reforma para a unificação do idioma escrito.

A IMAGEM DO DIA

Vejam só a pose de um dos Neonazistas que planejavam matar Obama

Um paraibano bem paraibano


Elpídio Navarro

Lendo Luiz Augusto Crispim, fico sabendo que Roberto Rabelo (Bob Rabel) já é falecido a coisa de um ano. Há muito tempo não ouvia sequer falar sobre ele. O conheci aqui em João Pessoa bem antes dele ter emigrado para o Rio de Janeiro buscando um lugar ao sol na música, como cantor.

A última vez que nos encontramos foi num dos anos sessenta, quando dirigindo o "Auto de Maria Mestra" , fui ao Rio apresentar a peça de Altimar Pimentel, no Teatro Nacional de Comédia. Lá, recebemos a inesperada visita de Roberto Rabelo, que após o espetáculo, exigiu a nossa presença no show que apresentava numa boate, pros lados de Copacabana. Adotara o nome artístico de Bob Rábel e encontrava-se no Rio tentando a sua carreira de cantor e já era crooner de um conjunto que tocava na boate Hecatombe, na Galeria Alasca, em Copacabana. Foi assistir ao nosso espetáculo, principalmente para rever o pessoal da terrinha.

Fomos recebidos com aplausos e elogios dele, ao microfone da casa. Uma grande mesa estava reservada para nós e lá fomos acomodados. Cervejas, petiscos e dança, e assim estávamos a participar da noite carioca. Ele dividia o tempo entre a nossa mesa e o palco e a cada momento fazia um elogio a alguém do grupo ou a alguma coisa importante relacionada com a Paraíba. No início até que ficamos lisonjeados e felizes, sem quaisquer constrangimentos, bem à vontade, mesmo porque éramos praticamente os únicos fregueses da boate, pois havíamos chegado bastante cedo. No entanto, uma meia hora depois a Hecatombe começa a receber o seu público habitual e foi ficando cheia, com quase todas as mesas sendo ocupadas. Não bastasse o fato de estarmos numa posição de destaque no salão, o que já poderia provocar algum tipo de reação dos freqüentadores, Roberto não parava de falar sobre nós durante os breves intervalos entre uma música e outra que cantava, o que já começava a causar algum vexame. O pior era que não tínhamos a menor condição de pedir para que ele parasse, pois seria, no mínimo, uma indelicadeza da nossa parte. Fomos salvos, momentaneamente, pelo intervalo feito pelo conjunto musical, quando ele veio á mesa pedir a nossa opinião sobre o que estava fazendo, recebendo, naturalmente, agradecimentos e elogios de todos, pois ninguém tinha a coragem de dizer que ele não estava agradando aos outros freqüentadores...

Foi então que alguém teve a idéia de pedir que, quando reiniciasse a apresentação, ele cantasse uns tangos, pois gostávamos muito. Na verdade, o que se queria era não dar oportunidade para ele fazer citações sobre a Paraíba, pois com samba dava Paraíba, com baião também, com marcha e frevo aí era que dava mesmo, e até com bolero ele fez referência as noitadas dos clubes sociais de João Pessoa, conseqüentemente, Paraíba! Agora, com tango julgamos ser impossível. Apenas ele poderia dizer que estava atendendo algum pedido nosso, o que não era nada, comparando com o que estava acontecendo. O nosso Roberto Rabelo sobe ao palco, pega o microfone e lasca um discurso:

- Para começar, vamos atender a um pedido do pessoal da Paraíba cantando tangos. Como vocês sabem, o nosso querido Estado faz fronteira com a Argentina, por isso, há uma grande influência da música portenha em toda a região. Maestro! “Corrientes, três, quatro, oito...”

Por fim, a orquestra ataca de samba canção e arrisco-me ir até ao salão para dançar. Durante a dança ouço uma jovem dizendo para o seu parceiro:

- Esse pessoal da Paraíba é metido a coisa... Eu já fui lá, não tem nada demais! Só dois clubes, um chamado Astrea e outro chamado Cabo Branco... Querem ser importantes só porque moram perto da Argentina...

Tenho certeza de que ela falava alto, propositadamente, para que eu ouvisse!(20-10-2008)

Elpídio Navarro é professor universitário, dramaturgo e diretor teatral, além de editor do www.eltheatro.com

segunda-feira, outubro 27, 2008

A IMAGEM DO DIA

NOVA DUPLA SERTANEJA NA PRAÇA - TSUNAMI & MAROLINHA

A SILHUETA

Celso Japiassu

A silhueta transpõe
os limites do muro:
é um desenho de sombras.

Os braços revolvem os traços
e ampliam imagens
impregnadas de chuva.

As portas se abrem
e as retinas de um velho se fecham
em solilóquio mudo.

A cidade desperta pelos ventos,
murmúrio
no vazio dos espaços.

Sem origem ou nome,
acompanha uma palavra,
inania verba, seus íntimos ruídos.

Ruas desaguam como rios
e canalizam os ventos, sopram
memórias em oceanos represados

no estuário das distâncias,
à margem das arquiteturas
num gesto construídas.

Um cão mistura-se à poeira,
gane, rasteja para as sombras,
perscruta o enigma, corre e some.

Na fronteira da noite, surge o dia,
a tarde ensolarada, e um gemido
libera o sentimento que o prendia.

Os sons reproduzem vidas primitivas,
existências afogadas,
mares antigos.

Testemunha de ausências,
êste é o mar que acompanha
o vento chegar a seu destino.

"Uma Coisa e Outra" é o site de Celso Japiassu e poderá ser acessado bem ali na lista de LINKS à direita de quem sobe. H.C

terça-feira, outubro 21, 2008

UMA VISÃO SOMBRIA DO RECIFE


Plínio Palhano

Imaginemos o centro do Recife sendo preservado desde a segunda metade do século XIX, e os bairros circunvizinhos, ampliando a cidade num crescimento horizontal, respeitando e dando ênfase à sua história urbanística inicial, com seus edifícios, ruas, pontes, cais e outros recantos: seria pensar uma cidade que apontasse uma beleza tropical incomparável.

Mas o nosso caminho foi o inverso: começamos a destruir grande parte da cidade que poderia lembrar um Recife como vemos em fotografias antigas. Com a ânsia da modernidade desorganizada, entendemos que aquelas velharias de edificações teriam que ser destruídas para surgir um novo Recife e construímos estruturas que são verdadeiros aleijões, hoje, na paisagem urbana no centro de nossa cidade. Deixamos, apenas — e ainda damos graças! —, significativas obras, talvez porque não pudemos arrancá-las facilmente, como os fortes, as igrejas mais importantes e o Bairro do Recife, que ainda estava ativo no início e na metade do século XX.

O que segura o impacto da beleza da nossa cidade é, principalmente, a sua paisagem vista por cima, aérea, que nos dá a oportunidade de contemplar os rios e as suas pontes, as ilhas e o imenso mar que banha o seu litoral. Porque, na hipótese de aterrissar ali, na Av. Guararapes, e caminhar pelo centro, teremos uma decepção! As suas calçadas tristemente malconservadas; os edifícios sem uma fiscalização eficaz — se quiserem constatar, entrem em um deles e verifiquem as instalações elétricas —; a sujeira nas ruas, com plásticos e papéis de toda espécie; e a poeira característica da falta de limpeza urbana. O centro do Recife está numa aparência que nos sensibiliza como artista. Não sabemos se está a caminho para se tornar um só entulho. Basta olhar a Av. Dantas Barreto, que não sabemos exatamente para que veio, porque é uma obra dantesca que ficou para sempre instalada no coração da cidade. Para realizar aquilo, destruímos quase toda uma memória, com a sua igreja, a dos Martírios, e a tradição natural do bairro de São José. Lastimável.

A impressão que temos é que empurramos essa paisagem urbana com a barriga, sem nenhum planejamento. É como se a cidade estivesse em estado quase terminal, nesse aspecto. Como se não tivesse um jeito, nem político nem científico, para consertar as coisas. Os urbanistas franceses estiveram aqui e tentaram ajudar com a experiência deles, lá em Paris, num convênio com a Prefeitura, que não sabemos no que deu. Mas preferem, os daqui, dizer: “Vamos emendar!”. Essa é a ordem, presumimos. Às vezes, podemos — porque se supõe que há emergências para certos assuntos — até consertar nessas tentativas, porém muito raramente, claro, porque a chance é de não resolver da melhor maneira. Como, por exemplo, o calçadão de Boa Viagem. Tiraram as pedras portuguesas, quando antes existia o desenho tão poeticamente pensado de barcos sobre as ondas, e colocaram as ridículas lajotas intertravadas, de cimento, com as cores inexpressivas, e uma ciclovia interceptada como por dentes numa engrenagem, na absurda idéia arquitetônica, que destoa da paisagem marinha. Aliás, pobre na concepção: bastava ampliar o que já tinha sido feito; mas uma das coisas necessárias para os políticos é mostrar que está quebrando, para dizer que está fazendo, e tome gasto!

Plinio Palhano, pertence ao grupo de artistas da Geração 70, é recifense da gema e adora a sua cidade. De vez em quando se dá ao desfrute de um artigo ou outro sobre sobre o seu campo específico, a pintura e os artistas pernambucanos. Hoje, anda meio furioso com a degradação que vem ocorrendo com a Mauricéia. Você poderá visitar o Site de Plinio clicando na lista de links, bem alí à direita de quem sobe. Plinio é meu amigo e aluno. H.C.

segunda-feira, outubro 20, 2008

A IMAGEM DO DIA

O SEQÜESTRO DA ADOLESCENTE DE SÃO PAULO


José Virgulino de Alencar


O desfecho do seqüestro da adolescente, em Santo André, no ABC paulista, foi trágico, com o gesto tresloucado do jovem e desequilibrado Lindemberg tentando matar a namorada e uma amiga seqüestradas, provavelmente querendo suicidar-se, mas a nebulosidade das explicações sobre o caso não nos assegura uma conclusão objetiva.

Infelizmente, para nós paraibanos, um lamentável envolvimento de um conterrâneo sertanejo, que certamente buscara na capital paulista uma forma de melhorar sua vida. A megalópole e seu rosário de tragédias engoliram os sonhos do jovem, perdido e desorientado na cidade grande.

Embora pouco esclarecedor, o final do triste episódio deixa na sociedade um sabor amargo, pela vulnerabilidade em que as pessoas vivem, com a criminalidade se alastrando perigosamente, entrando no vácuo da omissão dos governos no cuidado com a segurança pública. Esse caso de São Paulo pode ocorrer aqui na nossa capital, em alguma cidade do interior paraibano e nordestino, porque o mundo ligado em tempo real pela virtualidade das comunicações instantâneas coloca de forma imediata à nossa frente tudo o que há de bom, quanto o que há de ruim.

Não é simples apontar um culpado pela tragédia, porque para ela recorreram e convergiram uma série de fatores que botaram na mão de Lindemberg a arma que atirou na garota. Até o que lhe passou pela cabeça é resultado de muitas circunstâncias que antecedem ao fato, seus neurônios devem ter chegado ao ponto de explosão como resultado da carga de problemas vividos por ele, inclusive um amor irresolvido, uma paixão doentia.

Quem sai do atrasado interior nordestino e parte para São Paulo em busca de nova vida, ao lá mal se aclimatar, encontra uma jovem adolescente da grande cidade que lhe promete amor e vê esse amor frustrado, muito provavelmente, pelas diferenças culturais, embora não justifique a ação criminosa, tenha somado mais um dos tantos fatores que levaram ao desfecho doloroso do seqüestro.

Muitas outras indagações podem ser feitas na busca da raiz da culpa pelo fato. A mídia tem sua parcela de comprometimento no episódio, porque muitos órgãos de comunicação ficaram entrevistando e conversando amistosamente com Lindemberg, que, pela situação em que vive, de repente se sentiu estrela, ficou impressionado com os minutos de fama.

Para conseguir a entrevista, repórteres açodados em busca de furo de reportagem trataram Lindemberg com a amistosidade que se dedica às entrevistas de personalidades, esquecendo que ali estava uma pessoa desesperada, emocionalmente desequilibrada.

Ao acordar e perceber que, pela exposição, estaria na mira da polícia, veio o desespero maior de não se entregar, em confronto com a impossibilidade de escapar. É aí que acende o estopim da tragédia, porque a cabeça não mais raciocina, perde o senso da realidade, ou perde totalmente o senso.

Juntando a situação de cão acuado com todas as circunstâncias antecedentes que conduziram o desajustado Lindemberg àquele apartamento da namorada, o final não desejado aconteceu e ninguém pode dizer que foi inesperado.

Em meio aos equívocos da imprensa, da própria polícia, inclusive digladiando-se nas ruas de São Paulo enquanto o seqüestro ocorria, dos governos, da sociedade que, pela indiferença às questões sociais, cria alguns monstros, enfim, engolfado por tudo isso, Lindemberg, que até pode ter tendência congênita para a violência, disparou mais do que uma bala. Disparou uma carga de desespero em uma jovem inocente e desprevenida.

E, pior, será julgado pelos culpados.

sábado, outubro 18, 2008

A IMAGEM DO DIA

AGRURAS DE UM CORAÇÃO IDOSO NA SELVA DE PEDRA DE PINDORAMA


Hugo Caldas

Velho, velhote, pé na cova, idoso. Há muito que desejava tocar no assunto. Pego então uma carona no interessante artigo de Marcus Aranha publicado um domingo desses no "O Correio da Paraíba" e postado aqui, neste mesmo Blog. Diz o caro amigo, entre outras coisas o que se segue:

"No Brasil temos Estatuto do Idoso, Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Conselho Estadual do Idoso, Dia Nacional do Idoso, Semana do Idoso, Secretarias de Saúde cadastrando idosos e fornecendo Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Olhando a coisa no papel o idoso está super protegido, sob a assistência integral do Estado. Ledo engano... Aqui, idoso tem sofrido mais que couro de bater fumo".

Não sei, meu caro, como as coisas funcionam aí em Jotapê. Aqui vai a minha opinião exclusiva de velhote, usuário de transporte coletivo. Sendo o trânsito na Mauricéia uma coisa de louco, mais parecendo a Casa da Mãe Joana, me obrigo a deixar o Jipe em casa.

Temos por estas plagas, tudo isso listado acima. No entanto é no item "Carteira da Pessoa Idosa" que a porca torce o rabinho. Pois bem, aqui você tem que mostrar é a "Carteira de Velho".

Convenhamos que isso é uma avacalhação. Um desrespeito para com o idoso. Não já está na cara que a pessoa tem mais de sessenta? Ou seria talvez um elogio de corpo presente? Será que estão me achando com aparência de mais novo? É, infelizmente nada dá certo na terra Pindorama. Nada funciona. Ao contrario, as pessoas (ir)responsáveis ficam inventando moda para desandar o angu.

Dê 200 réis de autoridade a quem quer que seja "neste país" e o fulano vira, de uma hora para outra, a maior autoridade. Os exemplos vão desde síndico de prédio (moro em casa) até o mais insignificante inspetor de quarteirão.

Passam pela minha calçada pelo menos umas 38 linhas de ônibus trazendo todos os efeitos colaterais possíveis e imagináveis, desde poluição sonora à fumaceira preta expelida pelos escapamentos. No entanto, a pior poluição se concentra realmente no motorista do coletivo, junto com o cobrador, muito especialmente dos ônibus oriundos da periferia, especialistas em achacar os velhotes (nos quais me incluo), quer um exemplo?

Se eu estiver só na parada eles passam direto. Dia desses um garoto de uns 11 anos, vestindo um uniforme escolar sentiu o drama atravessou a rua, ficou em minha companhia e fez o ônibus parar. Quer outro exemplo?

Agora acharam de ordenar aos idosos mostrar a carteira para uma câmera instalada no teto e os pobres velhinhos coitados, ficam a maioria, se equilibrando com a carteira na mão mostrando para a maldita câmera, na medida em que o motorista arranca o ônibus na maior desfaçatez. O cúmulo! O bom é que brasileiro não envelhece e a mãe do motorista vai muito bem, obrigado.

Todo mundo neste país quer ser chefe de alguma coisa. Todo mundo adora burocracia. Um ministro da ditadura, Beltrão era o seu nome, acabou com 90 % da papelada existente à época mas não adiantou muita coisa pois as pessoas insistem em acumular papel, mesmo na era da informática. Então inventam essa onda de carteiras. Aí tem!

Aparece de tudo para boicotar os nossos direitos. São na realidade conquistas mas eu não pedi, nós não pedimos, ninguém pediu, nem foi às ruas reivindicar passagens grátis. Nos deram. Temos direito por lei. Para que usar câmeras, carteiras especiais quando a lei diz que qualquer documento poderá ser apresentado, se solicitado. Vou ter que portar carteira para provar que sou idoso?

O fato é que se rouba tudo em qualquer lugar neste país. Tem mais...

Ficam o motorista e o cobrador na maior farra recebendo a passagem das pessoas que não passam pela catraca e saem pela porta da frente. É claro que as passagens foram pagas, mas à "dupla dinâmica". São seis os lugares nos ônibus destinados à idosos, mulheres grávidas, deficientes físicos, etc. É só fazer os cálculos e descobrir que o desvio é uma soma respeitável. Salario indireto?!

Aí mesmo em JP tive uma experiência bastante desagradável em um ônibus da linha do Cabo Branco. O motorista cismou e não queria me deixar saltar. Eu reivindicava uma lei nacional. Uma estudante, bastante solícita, se compadeceu da minha situação e se propôs a pagar. Recusei. Não era o caso. Tudo terminou no maior escândalo já no terminal. Não paguei coisa alguma.

E sabem do que mais? Vem chumbo grosso por aí. Tenho visto novidades no noticiário que já começam a me tirar o sono e o apetite. Tais como, cartões magnéticos que dão direito a apenas 4 passagens por dia e otras cositas más. Vão agora monitorar as vezes em que eu saio ou deixo de sair de casa? Bem se vê que é uma manobra cavilosa. Gente obtusa!

Existe ainda a empulhação da passagem interestadual. Você tem que ir antes do dia da viagem ao terminal e fazer uma reserva mediante a apresentação de uns documentos perfeitamente dispensáveis. Vocês aí sabem onde fica ou qual a distância do Terminal Integrado de Passageiros aqui? Nem queiram saber. Onde o vento faz a curva! E não existe nenhum bispo por perto que é para a gente reclamar.

Pessoas sentadas nos assentos reservados e fingindo dormir para não dar o lugar, me parecem à essa altura apenas uma demonstração de falta de educação. É isso, o que acontece neste país. Em Moscou, na era da comunistada, existia transporte grátis para os velhos. E ninguém, que eu saiba, vivia a desrespeitar os velhos "tovariches".

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quarta-feira, outubro 15, 2008

Feijão Guandu - Um Injustiçado

Guy Joseph

Tendo nascido na Capital, eu conheci o Feijão Guandu, quando tinha cerca de dez anos de idade. Acontece que, um empregado da casa de meu pai, plantou sementes de Guandu no nosso quintal e passamos a colher e consumir a deliciosa leguminosa. De lá pra cá, nunca mais tinha tido notícias do Guandu. Agora, residindo em Bananeiras, reencontrei o feijão, que não faz lá muito sucesso entre a população. A má querência em relação ao Guandu se dá, pela forma errada com que as pessoas fazem o cozimento do feijãozinho. O amargor (de que a maioria das pessoas se queixa), se deve ao fato de que o feijão Guandu (assim como a fava), deve ser cozido em água e sal e logo em seguida, a água (que fica amarga), desse cozimento deve ser jogada fora. Na segunda fervura, aí sim, entram os temperos preferidos. O Guandu não deve ser servido com muito caldo e deve ser acompanhado de arroz, costelinhas de porco e farofa.

Existem, ainda, inúmeras outras formas de servir o feijão Guandu, como por exemplo em saladas frias ou à moda do feijão Tropeiro. O feijão Guandu pertence à familia das leguminosas, sendo uma das culturas mais antigas no mundo, sendo considerada em quinto lugar na ordem de importancia entre as leguminosas no mundo. Segundo alguns autores é originária da África, para outros, seria originária da Índia e teria chegado há milenios à África, onde diversas variedades são cultivadas. Deste modo chegaram na Ámérica através do trafico de escravos. Atualmente é cultivado em todas as áreas tropicais, sub-tropicais e temperadas, como a parte norte do estado da Carolina - USA.

O Guandu é uma rica fonte de nutrientes para a alimentação humana. O uso mais comum na Índia e outros paises do Oriente, é uma forma de "dhal", que consiste em retirar a pele das sementes secas e parti-las pela metade. Com este processo, as sementes podem ser guardadas por mais tempo, sua digestibilidade melhora, além de ter um perfil de aminoácidos semelhante aos da soja. Em paises da America Central, as sementes verdes são usadas substituindo as ervilhas e enlatadas em forma de conserva. No Brasil o guandu é muito pouco utilizado. Em muitas áreas rurais, é considerado alimento de pobre, usado em substituição ao feijão, nos casos de extrema necessidade. É uma pena, pois pela sua riqueza em nutrientes, sua resistencia a sêcas e a possibilidade de produzir várias safras, é uma cultura que deveria ser plantada em todas as propriedades rurais do país.

O preconceito relativo ao Guandú, tem suas orígens em equívocos da nossa cultura culinária. O mesmo preconceito, da classe mais abastada, que já considerou a feijoada, a fava e o bacalhau, como comida da "ralé".




Guandu Com Carne de Porco

Existem inúmeras formas de preparar e servir o feijão Guandu. Uma delas, é o Guandu com carne de porco. Confira: debulhar o feijão e levar ao fogo para ferver; Em outra panela ferver a mesma quantidade de água; Quando as duas águas estiverem fervendo escorrer o feijão e juntar a água da outra panela. A primeira água em que o Guandu ferveu ficou amarga e por isso não serve mais. Deixar em fogo brando até cozinhar. O feijão Guandu, fresco, cozinha rapidinho. Quando puser a segunda água pode juntar, também, ½ quilo de carne de porco defumada, a qual, se deve dar uma fervura à parte. Se não quiser juntar a carne de porco, deixar cozinhar sozinho. Momentos antes de servir, quebrar uns ovos dentro. Estes serão tantos quantos forem as pessoas. O feijão Guandu não deve ficar com muito caldo.


Guy Joseph é editor da Revista Virtual - Sim, Paraíba

que está listada nos LINKS, à direita de quem vai. H.C.

terça-feira, outubro 14, 2008

"Sarapatel de lombriga"


Elpídio Navarro

Quando Paulo Pontes preparava aqui em João Pessoa o texto da peça "Paraí-Be-A-Bá", perguntei que título ele daria ao trabalho. Ele respondeu que o título de uma peça é a última coisa a se pensar. Geralmente surge do próprio texto, de algum fato narrado ou ação contida. Um tempo depois disse-me pensar em "Paraí-Bê-A-Bá" porque o que estava tentando mostrar era um "be-a-bá" da Paraíba, desde a sua fundação até aos dias atuais. Isso sem envolver a "quartelada" de 1964, pois sabia que se o fizesse o espetáculo não seria apresentado. Ainda lembro da sua esperança de que um dia, num tempo melhor, pudesse escrever o "Paraí-Bê-A-Bá II", quando evocaria os nossos heróis camponeses assassinados por fazendeiros, usineiros e militares. Naquele momento só poderia chegar até à "Revolução de 30". E mesmo assim, ainda fomos atacados pela censura oficial. (Vide Sucedido 45) Mas a denominação pegou e posteriormente aproveitada até por veículo de comunicação.

Fomos à cidade de Rio Tinto apresentar, pela Juteca, a peça de Altimar Pimentel "Cemitério das Juremas". Ao término do espetáculo ficamos à porta de saída do teatro a ouvir os comentários, quando um chamou mais atenção: "Pior que isso só preá com melancia". Eu que não tolerava melancia (até hoje) e já havia experimentado preá e não gostado, concordei inteiramente. Não que o espetáculo fosse aquilo, mas que aquilo só podia ser um ajuntamento muito ruim. Mas Mirócene Amorim rebateu afirmando que existia um casamento pior: fruta-pão com bofe. "Preá com melancia" e "Fruta-pão com bofe" bem que poderiam ter sido denominações de alguma banda de forró ou de rock.

Depois apareceu uma banda não sei de que bandas que denominou-se "Mastruz Com Leite". Aí eu vomitei! Bateu com a minha infância quando eu era obrigado a tomar aquele "purgante" para logo em seguida vomitá-lo e ato contínuo apanhar da minha santa mãe. Toda mãe é santa até que se prove ao contrário...

Agora vai acontecer aqui, em João Pessoa, um festival de rock. "Com treze anos de carreira o insano quarteto capixaba desembarca no III Festival Aumenta que é Rock cercado de expectativas. Apesar da longa estrada e da numerosa quantidade de adeptos em João Pessoa, o poderoso arsenal sonoro do Mukeka di Rato nunca subiu aos palcos da capital paraibana."

Os senhores podem imaginar uns ratinhos fatiados, cozidos ao leite de coco, com azeite de dendê, pimenta e todo o tempero que é usado numa moqueca bem baiana? Degustarias?!... Caso sim, vai lá ouvir o som (?) desses jovens da banda "Mukeka di Rato".

E ainda tem gente que acha as posições de Ariano Suassuna ultrapassadas!

Mas querendo colaborar, que tal uma nova banda de alguma coisa com a denominação de "Sarapatel de lombriga"? Ou "Ensopadinho de baratas"? Ficam as sugestões.

PS - No mesmo festival vai se apresentar uma outra banda com uma denominação enganosa: CERVA GRÁTIS, título que é destacada nos cartazes. O cara vai lá pra tomar cerveja de graça e o que toma é no... deixa pra lá.

Elpídio Navarro é professor universitário,
dramaturgo e diretor teatral, além de editor
do www.eltheatro.com

segunda-feira, outubro 13, 2008

NICHO DE MERCADO


MARCUS ARANHA

De algumas décadas pra cá, a expectativa de vida no Brasil aumentou. Nos últimos dez anos saímos de 69,3 para 72,7 anos de vida. É claro que passamos a ter mais velhos, idosos, com é politicamente correto dizer.

Idoso é um ser que tem problemas que os jovens não têm. Todo idoso tem uma doença, pois a própria longevidade faz com que máquina perfeita que é o corpo humano comece a apresentar defeitos e limitações. A força física diminui, os reflexos tornam-se mais lentos, a visão e a audição também sofrem com a idade avançada.

A Paraíba tem, proporcionalmente, a segunda maior população de idosos do país.

No Brasil temos Estatuto do Idoso, Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Conselho Estadual do Idoso, Dia Nacional do Idoso, Semana do Idoso, Secretarias de Saúde cadastrando idosos e fornecendo Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Olhando a coisa no papel o idoso está super protegido, sob a assistência integral do Estado. Ledo engano... Aqui, idoso tem sofrido mais que couro de bater fumo.

Não se trata de desqualificar aqueles que vêm lutando muito em prol dos idosos e, não fazem mais, por falta de ações efetivas por parte do Governo.

Não! É só lembrar algumas coisas ao Conselho Estadual de Idosos da Paraíba.

O pedaço maior é a falta de assistência médica. Faltam consultas especializadas, pois, geriatras no SUS, praticamente inexistem. A medicina de ponta, com tecnologia médica, exames como densitômetria óssea, cintilografia, tomografia, ressonância magnética e outros, às vezes essenciais na orientação a ser dada ao tratamento das doenças dos idosos, também não estão disponíveis para eles.

Mas, o maior problema dos idosos é o abandono em que muitos se encontram. Nas categorias de população de menos educação, os idosos são considerados um peso morto e rejeitados. Muitos deles sem filhos, são esquecidos pelos outros parentes.

Pra remendar isso aí existem umas poucas Casas de Longa Permanência, abrigos onde idosos podem levar um resto vida mais ou menos condigno. Sei bem das ações do Lar da Providência, Vila Vicentina e do “hospital” de Fabiano Vilar, mais abrigo de velhos que nosocômio. Há o “Nosso Lar”, Centro Espírita com albergue para idosos, ali no Castelo Branco. O Hospital Padre Zé, movido à fé, faz um magnífico trabalho em termos de internação de idosos carentes.

Mas ainda há muito que fazer pelos idosos. Imagine que até idosos abonados têm problemas existenciais de moradia. Uma amiga minha, já inserida na categoria idosa, mandou um e mail motivador desta coluna:

“Advogue a criação de uma pousada para pessoas da terceira idade abonadas (aqui tem uma turma em ótimas condições financeiras), para custear sua vivência, uma hospedaria chique e confortável. Muitos numa faixa avançada não desejam morar com filhos e netos para preservar a harmonia familiar. Moram sozinhos sem contar com uma assistência permanente. As domésticas não pernoitam onde trabalham; algumas são casadas, outras estudam a noite. E esses idosos, coitados, não contam com a assistência de terceiros quando mais carecem. Uma amiga minha ficou no chão das 22 de um dia, às 7hs do dia seguinte, com uma fratura no colo do fêmur, sem ter para quem apelar. É triste... Quem sabe, ao ler sua coluna os donos das Construtoras vão pensar no assunto”.

Taí... Minha amiga está sugerindo um flat para idosos endinheirados, com aparatos especiais, toda uma gama de serviços em 24 horas, a eles dirigidos.

Para atende-la não há necessidade de ação do Conselho de idosos. Basta empresários, empreiteiras e construtoras, começar a pensar nesse nicho de mercado.

sábado, outubro 11, 2008

Tsunamis, Marolinhas & Quejandos


Hugo Caldas

Em 1508 o Papa Julio II autorizou, quase obrigando, Michelangelo a pintar os afrescos do forro da Capela Sistina. O grande mestre evidentemente relutou o que pôde, por se considerar mais escultor que pintor. De qualquer modo ordens são ordens e o trabalho se iniciou no mesmo ano de 1508, completando-se a primeira metade em 1510 e finalmente concluído em 1512. Por essa época, Roma era a capital do mundo, e a Europa vivia o esplendor do Renascimento com todas as suas pompas e circunstâncias. O Brasil, tadinho, tinha então apenas 12 aninhos de idade e nós, botocudos e tupiniquins, andávamos pelados, pelas praias, frequentávamos a Mata Atlântica ainda intacta, felizes da vida na maior vagabundagem, caçando, coçando e pescando. Felicidade total sem essa politicagem, sem esses políticos, apedeutas e venais da República, que tanto nos infernizam a vida nos dias de hoje. Oh, os bons tempos!

Dessa época, conta Millor Fernandes, edificante historinha mais ou menos assim:

No dia 22 de abril de 1500, três meses depois do carnaval, tarde modorrenta de escaldante verão, o morubixaba da Tribo dos Paranacuiú-nã-nã, tomava um deforete à beira mar, recostado a uma enorme pedra, enquanto coçava uma frieira no dedo mindinho do pé esquerdo. Após traçar um peixinho assado na brasa, regado à uma boa cachacinha feita da fermentação de mandioca, tomou o silvícola-mor o maior susto. Teve, como num desvario fantasmagórico, sua atenção voltada para a frota de Cabral que desembarcava, bem alí na sua frente, homens, cavalos, munição, armas e víveres. Gente muito estranha aquela. Todos vestidos - roupa pesadíssima - dos pés à cabeça. Uma loucura para o nosso clima tropical. O Chefe balançou a cabeça, estalou os lábios em sinal do mais profundo desagrado e melancolicamente comentou lá com seus botões, se botões ele os tivesse. "Isso não vai dar certo!”

Evidentemente não deu!

Atravessamos cinco séculos levando ferro e tentando aprender. Verdade que passamos o que o diabo enjeitou porém continuamos estoicamente às voltas com a hereditária e costumeira avacalhação onde a esperteza é o padrão maior a ser alcançado por todos nós, afortunados que somos, povo em geral, motoristas, torneiros, mecânicos, bondosos e maldosos professores, barnabés, milicos e mais todo o resto dos paisanos.

Tsunami e marolinha.

Dizem os doutos bacharéis em ciências econômicas que não se vê crise assim desde a depressão na década de vinte do século passado. E tem deles falando desrespeitosamente em Tsunamis e marolinhas. O nosso homem do Planalto, qual um Sócrates (o filósofo grego, não o ex-jogador do Corinthians) ressuscitado, não tinha conhecimento do que se passava na sua sala de jantar, estivesse ele às voltas na elaboração de uma boa panelada na sua cozinha. Subitamente, não mais que de repente, agora virou o sabe-tudo. O pior é que quando acorda invocado pega o telefone liga pro Bush e aplica-lhe uma descompostura em regra:

"Ô Bush, meu filho, segura as pontas aí que é para a crise não atravessar o Atlântico".

Deu também de baixar o sarrafo nos gringos e no FMI. Desconfio que ele, deitado eternamente em palanque esplendido ou em uma porta qualquer de uma fábrica qualquer, ele que tudo pode, esteja pensando seriamente em se candidatar a presidente dos EUA. Será? Antes de qualquer coisa, alguém por lá, diga ao ignorante, que o país América se situa do lado de cá do Atlântico. Não precisa atravessar coisa alguma, nada. A crise virá de bandinha mesmo. Os EUA não ficam na Europa. Haja Deus!

Lá vem mais!

Não satisfeito, após demonstrar seus profundos conhecimentos de geografia e economia, o apedeuta cometeu esta semana sua mais desbragada diatribe filosófica: "A internet é o extravasamento da liberalidade do ser humano”. Profundo, não? Ele, que passou apenas 30 dias na cadeia! Logo, logo o Greenhalgh o tirou de lá. Mas isso é outra história. Espeeera!

Vamos dar tempo ao tempo de um segundo turno.

Até a apuração do último voto em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte, além de outras plagas de somenos importância o governo (sic) continuará negando de pés juntos que a crise possa vir a colocar água no nosso chope. Depois do segundo turno é "em tempo de murici, cada um cuide de si”. Quer apostar?

Ululei (epa) com aplausos mais do que vibrantes quando lí:

"Presidente diz que poderá cortar gastos."

Será verdade Deus meu? Não estarei ficando maluco? "O presidente afirmou hoje, em sua primeira entrevista exclusiva aos portais da Internet, que o governo poderá cortar gastos se a crise financeira internacional se tornar mais grave". Mas, porém, contudo, entretanto, voltou a descartar a adoção de um pacote para enfrentar as conseqüências da crise. Disse ainda Sua Excelência que não haverá restrições aos programas sociais do governo (claro, ele não é doido de cortar os Bolsa-Tudo que existem de norte à sul para lhe garantir votos a si e seus apaniguados), e que o Brasil terá um Natal “extraordinário”. É, forçoso ter que acreditar em Papai Noel fajuto. Jingou-bel, acabou o papel!

Desde já, Feliz Natal a todos.

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

sexta-feira, outubro 10, 2008

POESIAS


Cláudio Mattos

Escrito

Números, regras e restrições
Horários, bombas e explosões
Tudo ligado, um corpo só
Garganta presa, a força e o nó

A vida atual é estress na certa
Correria, atropelo visando uma meta
O tiro ao alvo, chegadas partidas
Pegadas nas nuvens, cansaço, fadiga

Mergulho

Mergulhei no som e ouvi uma flor
Cheirosa, tem cheiro e também tem sabor
Sabor de lavanda, aloe vera, amor
O som, o mergulho, o cheiro da cor

Imagens crescentes que emanam do nada
Viagens dementes, poças cheias d'água
Que molham no mundo os sapatos dos pobres
Os pobres coitados, calados e sóbrios

IMAGEM DO DIA

quinta-feira, outubro 09, 2008

O ÚLTIMO DIA DO ANO EM FIESOLE


Celso Japiassu

Fiesole é uma cidadezinha simpática que avista Florença do alto da montanha. Domina todo o grande vale florentino e mais as coxias que vão além e se perdem no horizonte da sua aristocrática vizinha. Trezentos metros acima no nível do mar lhe garantem no inverno um clima mais frio e mais seco, com pouca neve e com dias claros de céu às vezes azul. É uma combinação que conduz invariavelmente à tentação da boa comida e, mais ainda, a generosas taças do vinho toscano, onde a qualidade e o preço mostram-se no melhor do seu equilíbrio, o que vem a significar alta qualidade por um preço que nem o mais fanático dos sovinas seria capaz de reclamar.

Em Fiesole, ou melhor, no Hotel Villa Fiesole, na noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro de 2002, alcancei um pequeno récorde - bater 10 pratos numa única ceia, e mais comeria, não fosse para tão grande ardor tão curta a noite.

Um lugar para a noite de ano novo

Antiga vila etrusca dominada pelos romanos e pelo menos uma vez destruida pela cobiça e pelos exércitos dos nobres florentinos, Fiesole apareceu no meu caminho por recomendação de Inocêncio Perez, artista e diretor de arte argentino-brasileiro-italiano, quando ele me disse, em fins de dezembro de 2001, que Veneza estava lotada. E mais: alem de lotada, quase submersa pelas águas que de tempos em tempos expulsam os turistas e ameaçam a própria existência da cidade.

Florença pareceu ser a alternativa lógica. Mas todos os hotéis também estavam lotados. Foi quando Fiesole surgiu. Inocêncio é um artista gráfico acostumado a encontrar soluções para problemas intrincados, menos para a crise argentina, que estava no seu pior momento e para a qual ele não via solução.

Passamos dois dias em Voghera, nas cercanias de Milão. Cacho Perez, como é conhecido, me levou a conhecer a cozinha do lugar e a entender as razões que o fizeram deixar a America do Sul e voar para a Italia. Tanto a cozinha dos apeninos quanto os motivos de Cacho, nenhum deles merece retoques.

Partí de Voghera na companhia de Brigitte, que me faz companhia por terra, mar e ar, na busca não sabemos bem de que, mas certamente de algo que nos conduza a momentos que valham a pena ser lembrados. O destino era Fiesole e uma noite de ano novo estrelada pelo "Cenone".

"Cena" você pode traduzir por ceia. Cenone vem a ser, portanto, uma ceia grande. Mas não imaginávamos que fosse tanto.

Florença e a ceia

Um dia na agitada Florença, nas vésperas do ano novo. Turistas de toda parte na Piazza della Signoria, flashes, grupos, vendedores e compradores, japoneses, filas para visitar o museu, filas para entrar no Duomo, e mais japoneses.

O ônibus número 7 faz a linha Fiesole-Florença-Fiesole. Tinha descido vazio quando embarcamos para passar o dia em Florença e subia lotado para nos deixar de volta na porta do hotel, onde já estavamos inscritos para o "cenone".

Às nove da noite em ponto, somos chamados com urgência porque estavam nos esperando para começar a grande ceia, que só teria início com todos os convidados presentes. Na companhia de uns 40 florentinos, em grupos ou casais, alem de um alemão solitário que comeu lendo "Der Spiegel" e se retirou antes da hora, demos início a um curso de dez pratos que iria terminar à meia-noite em ponto, com uma taça de prosecco. No exato momento de brindar o novo ano e assistir à queima de fogos que se iniciaria lá embaixo, na distante Florença, iluminada pelas explosões faiscantes, chuvas de luzes, lírios de fogo, estrelinhas candentes, rosas incendiadas.

O cardápio

O "cenone", com o nome oficial de "Il Menú di Capodanno 2001", começou desprentensiosamente com um pratinho de "Amore Louche", biscoitinhos apropriados para o espumante aperitivo e logo em seguida foi servido o anti-pasti, levíssima mousse de presunto ao lado de um vol-au-vent de camarões. O primeiro prato, um risotto ao queijo groviera, trouxe ao paladar os sabores do Piemonte e veio acompanhado por um vinho frisante toscano que ampliou o espectro do gosto acentuado do prato.

O Crespelle alla Fiorentina veio para recordar que estávamos no país toscano e que algo de especial seus criativos chefs tinham para oferecer ao ano novo.

A tradição italiana diz que, para ter sorte no ano que começa, é preciso servir cotechino com lentilha no jantar da última noite e assim foi feito no "cenone" de Fiesole: um cotechino fresco e saboroso veio depositado sobre um leito de lentilhas para dar a todos boa sorte no ano que dali a pouco iria começar.

Imaginavamos que a ceia havia finalmente chegado ao fim quando nos vimos em frente a uma bisteca à florentina, que merecera três meses antes um concerto em homenagem ao seu retorno com a presença de Sting, Elton John e Mike Jagger, na Marina de Carrrara. Para tristeza dos florentinos e, como se vê, também dos "rock stars" ingleses, a bisteca havia sido banida das mesas italianas pela ameaça da vaca louca. Batatas assadas e espinafre na manteiga lhe faziam companhia.

Numa demonstração do talento organizacional dos italianos, algo em que os estrangeiros não costumam acreditar, quando faltavam exatamente cinco minutos para a meia noite, serviu-se um panettone e mais uma taça de prosecco a todos os convivas. Ouviram-se os primeiros fogos. Lá longe, Florença saudava o ano novo em salvas de fogos e girandas espalhadas pela cidade inteira.

Naquela sala em Fiesole, pessoas estranhas umas às outras cumprimentavam-se desejando-se mùtuamente felicidade no ano que começava. Mas também comemoravam o fim de 2001, sobre o qual Eugenio Scalfari escrevera, no jornal La Republicca, naquela mesma manhã: "questo anno terribilis che sta per andarsene col suo fardello di sangue, di pianto, di aggravata miseria, di incertezze economiche e di piu intense paure esistenziali" - este ano terrível que está para ir embora com seu fardo de sangue, de pranto, de agravada miséria, de incerteza econômica e do mais intenso medo existencial.

sexta-feira, outubro 03, 2008

SÓ RINDO


Riobaldo Tatarana

Quando escreveram e publicaram As farpas, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão tinham por objetivo declarado cravar, no touro da imbecilidade nacional, pequenos ferrões em forma de piadas, e assim a levar ao ridículo o velho e carunchoso edifício do poder. Queriam desnudar esse circo, com seus “gênios”, seus ministros-poetas, seus deputados corruptos, enfim, “toda a malta constitucional, dos contínuos de secretaria aos pares do Reino”. Ainda hoje, relendo essas páginas, escritas na mocidade daqueles autores, a gente se torce de rir; e ao mesmo tempo se espanta com sua incrível atualidade, se transferirmos as mesmas piadas para o cenário da política brasileira, que Deus haja!

A descrição de uma sessão típica da Câmara dos Deputados pode dar uma idéia clara do que afirmo. Primeiro, os deputados começam a xingar-se descaradamente; depois, passam às ameaças de desforço físico; para então, aí já por conta da verve queirosiana, perder de vez a vergonha. Uns miam de gato, outros pedem vinho aos berros, outros ainda distribuem bengaladas. Até que o presidente, depois de exigir silêncio, pergunta ingenuamente “se estamos em uma feira?” E responde Eça: é claro que não. Em uma praça pública, esse comportamento seria imediatamente coibido pela polícia, por atentar contra a ordem. Tal bagunça só pode se dar dessa forma ao abrigo constitucional.

Andei pensando nessas coisas ao analisar alguns exemplos de propaganda política dos candidatos à vereança, e de assistir a debates dos candidatos a prefeito, no Rio e em S. Paulo. Realmente, se já descemos tanto, se já chegamos ao fundo do poço, não vejo por que a inibição dos senhores parlamentares em, por exemplo, irem às sessões de terno e gravata. Por que não a cômoda bermuda, ou a democrática tanga? E por que cargas d’água não se pode tomar uma cervejinha durante os acalorados e bizantinos debates? Que razões se podem alegar contra o uso de chinelos e pijamas dentro do recinto parlamentar? Donde procede a exigência de que os senhores deputados não possam acender um baseado durante a sessão?

Outra coisa fantástica, que nos deixa de queixo caído: o acervo da biblioteca da Câmara Federal. É um dos maiores do país, comparável talvez, em volume, ao da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Na última vez que lá estive, fiquei com pena dos bibliotecários, que bocejavam sentados em suas mesas. Quando entrei, dois deles acorreram pressurosos, com um olhar cheio de gratidão, como se dissessem: “finalmente, alguém vem justificar nossa existência”. É claro que não vai em mim a mais leve veleidade de desejar que os senhores deputados leiam. Meu senso de realidade impede-me uma fantasia tão alucinada assim. Mas então, que razões obrigam ao sepultamento de tão precioso acervo na solidão do planalto? Não seria muito melhor para todo mundo que esses livros fossem repartidos pelas várias bibliotecas públicas estaduais?

Sim, eu sei, é preciso guardar as aparências. Às vezes chegam visitantes ilustres, tem-se de deixar uma boa impressão. Mas então, por que não usar o bom-senso do Dudu da Loteca? Lembram-se desse personagem? Era um pobre rapaz do subúrbio carioca, que um dia acertou um grande prêmio na falecida loteria esportiva. De posse daquela bolada, comprou logo um senhor apartamento na Vieira Souto, “o metro quadrado mais valorizado do Brasil” (haja vulgaridade!) e contratou um decorador. Em algum recanto do seu cérebro repousava a idéia de que livro significa cultura, e a posse de uma biblioteca particular constitui um ótimo símbolo de status. Mas aí, para que gastar dinheiro com tamanha inutilidade? Ele simplesmente contratou um exímio encadernador, que fabricou fieiras de belas lombadas, com títulos eruditos, filosofia, sociologia, psicologia, antropologia.

Não é uma idéia prática? Sancho Pança não teria sugestão melhor. A coisa é fácil e simples: encomendam-se tantos volumes quantos forem os do acervo atual e os próprios encadernadores criam os títulos que houverem por bem. Esse pessoal de encadernação costuma ser muito lido, e tem boa memória. Pronto o novo “acervo”, faz-se a troca. E assim fica todo mundo feliz. Os bibliotecários da Câmara podem fazer em paz suas palavras cruzadas, as bibliotecas estaduais enriquecem seus acervos, e ainda se poupam crises de alergia que bem podem acometer nosso presidente, que trabalha ali pertinho, e é muito sensível à poeira acumulada em estantes de livros. Que acham os amigos da idéia?

quinta-feira, outubro 02, 2008

Fala, Moreno!


Carlos Mello

Hugázio, antigamente v. era mais velho do que eu e suas reflexões me orientavam para a vida prática. Mas depois que v. ficou em idade estacionária, e eu te passei, fico curioso em saber como você está vendo as coisas. A totalidade dos amigos que restaram ou não responde minhas mensagens ou o faz por monossílabos. Devem achar-me chatíssimo com minhas preocupações anacrônicas. De repente, começo a achar que a loucura invadiu o mundo e o Brasil de tal forma que não há mais possibilidade de diálogo. Quando externo minhas preocupações, as pessoas respondem com certo tédio, como se eu estivesse exagerando, ou falando de coisas desimportantes. Pode até ser. Mas cada vez que leio um comentário do Lula, e em seguida vejo que sua popularidade chegou a um patamar nunca alcançado antes, nem por Getúlio, ou JK, acho que a coisa gangrenou mesmo. Percebo também uma tendência imperiosa à alienação. Basta olhar à volta: há centenas de formas de desligar-se da realidade - igrejas, jogos (de azar ou esportivos), sexo, discussões tolas, moda, e sobretudo drogas. O velho Ortega, no prefácio à História da filosofia do Bréhier, dizia, ao falar de crise, que "nunca houve uma época em que a humanidade se tenha suicidado". Será que chegou essa hora? Examinando as estatísticas de fome, doenças incuráveis e lutas genocidas ou espirais de homicídio (ocorrem no Rio, por ano, mais assassinatos do que no Iraque), a par com a multiplicação de suicídios (sobretudo no primeiro mundo) não dá pra ter uma idéia muito otimista. Ou eu estou ficando definitivamente gagá? Os autores que li nesses últimos meses, pertencentes a diversas épocas e culturas - Anatole France, Tolstói, Machado, Goethe, Erasmo - todos falam, de uma forma ou de outra, na incurável loucura humana. Mas até o fim do modernismo, havia a muleta psicológica dos grandes sistemas explicadores da realidade - a gente pegou as ondas sucessivas de marxismo, psicanálise, existencialismo, contracultura, nova era... As explicações foram ficando cada vez mais contraditórias, tolas, superficiais. Sei não, amigo, acho que, como diria Bandeira, "só tocando um tango argentino". Não precisa responder, não quero obrigá-lo a esse trabalho chato. Se eu tivesse aquela fé que move montanhas, talvez me retirasse, para o monte Athos, ou para algum mosteiro da Índia. Mas em "países jovens e cálidos" (a expressão é do Machado) é bem difícil essa opção. Aqui tudo é carnaval, sacanagem, evoé Baco! Abraço forte do velho amigo velho, C.....

N.R. O texto acima, de autoria do meu querido amigo Carlinhos Cordeiro de Mello, me chegou talvez para comentar algum texto perpretado por minha humilíssima pessoa. Achei o texto tão significativo, que resolvi postá-lo fora dos comentários. Quero compartilhar com todos esse saboroso vinho. H.C.

quarta-feira, outubro 01, 2008

VOTO NULO OU EM BRANCO: MOTIVOS NÃO FALTAM


Breno Grisi

Várias sociedades, algumas tidas como civilizadas, viveram ou amargaram no
passado, o que hoje visualizo no Brasil do século XXI, ao transcrever aqui frases,
afirmações críticas, provérbios e apreciações de fatos, escritas ou ditas por autores ou
personagens famosos e que resistiram ao tempo, graças a países como o nosso.

Assim vejamos:

Tacitus (senador e historiador romano; entre os anos 56 e 117 d.C.): Corruptissima republica, plurimae leges (Quanto mais corrupta é a nação, mais leis ela tem). Assim, temos no Brasil, por exemplo, a mais completa legislação ambiental do planeta. Eis um exemplo de resultado prático:

o “holocausto” da Amazônia continua.

O governo vive enganando a opinião pública dizendo que “as queimadas diminuíram”.

Em 26 de agosto de 2008 o INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais registrou 258 focos de queimadas; a maioria em Mato Grosso. E assim sendo, quando terá o governo coragem de mostrar a somatória da destruição?

George Bernard Shaw (dramaturgo irlandês; 1856 – 1950):

“Ele não sabe nada e pensa que sabe tudo. Isso aponta claramente para uma carreira política”. E ainda deste mesmo autor, o diálogo de personagens de sua peça teatral “Man and Superman”:

─ Mendoza: “Eu sou um bandido. Eu vivo roubando o rico”.
─ Tanner: “Eu sou um cavalheiro. Eu vivo roubando o pobre”.

Seria Mendoza do PCC? E Tanner, qual seria seu partido? Quantas quadrilhas existem no comando do Brasil? Quem são seus verdadeiros chefes? Quem realmente apóia Daniel Dantas?

Provérbio do início do século XIII:

“A ocasião faz o ladrão”. E o provérbio de meados do século XVI: “A oportunidade nunca bate duas vezes na mesma porta”. Em termos práticos, resolveríamos nossos problemas na área governamental fiscalizando melhor as “ocasiões” e as “oportunidades”? Quem seriam os fiscais? Os nobres companheiros dos atuais componentes da câmara e senado?

Provérbio de meados do século XIX: “Melhor o diabo conhecido do que o desconhecido”. Ou seja: vou ter novamente que votar num candidato só para não ver outro pior ser eleito!?

Bertrand Russell (filósofo e matemático inglês, prêmio Nobel da Paz; 1872-1970):

“O homem é um animal crédulo e precisa acreditar em alguma coisa; na ausência de bons motivos ele se satisfará com os maus motivos”.

Devo continuar acreditando nos motivos correntes? E ainda deste mesmo filósofo:

“Mudança é uma questão científica, enquanto progresso é uma questão ética; assim a mudança é incontestável e o progresso é controverso”. O Brasil atual mudou e progrediu?

Ainda a respeito dos motivos para se crer no homem político, Protágoras (filósofo grego, o mais famoso dos sofistas; cerca de 485-410 a.C.) defendia o relativismo cultural, em que não há princípios morais válidos universalmente; as regras morais diferem de sociedade para sociedade.

Seria esta uma justificativa à expressão bem brasileira do “político que rouba mas faz”? (marca registrada do “saudoso” Ademar de Barros). O oposto deste princípio, o objetivismo ético é o meu guia: embora as culturas possam diferir em seus princípios morais, alguns princípios morais têm validade universal; como por exemplo: roubar, mentir, quebrar promessas ... Este tipo de político deve ser execrado na China, Suíça, Coréia, Inglaterra, Japão ... mas no Brasil ele se candidata, é reeleito, toma posse e continua saqueando e enganando os eleitores!

H.G. Wells (novelista inglês; 1866-1946): “A história da humanidade torna-se cada vez mais uma corrida da disputa entre a educação e a catástrofe”. No Brasil, a catástrofe continua à frente, na reta final. Se continuarmos sem priorizar educação teremos chance de vivenciar mudanças? Apesar da queda do analfabetismo, segundo o IBGE divulgou no dia 18 do corrente, o Nordeste tem 19,9% de analfabetos.

Observação complementar à importância da educação e cultura nos foi dada por Mahatma Gandhi (líder nacionalista indiano; 1869-1948):

“Uma sociedade tecnológica tem duas alternativas:

1 - Ela pode esperar, até que falhas catastróficas exponham deficiências sistêmicas, distorções e auto-decepções ...

2 - A cultura pode fornecer checagens sociais e balanceamentos para corrigir distorções sistêmicas, antes de ocorrer falhas catastróficas”.

Estou cansado e decepcionado em viver a primeira alternativa. Quem sabe se não poderemos alcançar a segunda alternativa apagando das páginas atuais da nossa história esta leva maldita dos políticos que ora devemos eleger!

Eadem, sed aliter (Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas).

É triste, mas é verdade.

Calor do Bute, Greves, Demissões e Esferas Siderais


Este pequeno relato estava pronto enquanto o Blog hibernava por obras e graças da Velox. H.C.

Hugo Caldas

Setembro nos chega e já nos deixa com o seu calor acachapante. Com as suas mazelas que tanto nos afligem a cada fim de ano. Evidentemente que me refiro à cidade do Recife transformada nessa época em sucursal do inferno onde mal se consegue respirar. No entanto, para todos os efeitos, estamos surfando em céu de brigadeiro.

"Nunca antes na história deste país a medicina beirou o alto grau de perfeição".

Já sabem, pela verborragia quem andou deitando a falação inconseqüente. Pois é, andamos tão bem assistidos nos hospitais e clínicas do aparelho estatal que greves e pedidos de demissão em massa de médicos e servidores são meros acidentes de percurso. Ultimamente, só no Hospital da Restauração, dos mais importantes e solicitados de Pernambuco, duzentos pediram demissão e mais trezentos se preparam para também requisitar o boné. Não se trata apenas de reinvidicações salariais, mas principalmente de condições de trabalho dignas. Como por exemplo, poder usar mercurocromo, gaze e esparadrapo, etc. O novo Presidente do Tribunal de Justiça, empossado recentemente, talvez querendo mostrar serviço, do alto da sua cátedra acionou a justiça e ameaçou os esculápios rebeldes bem como os outros barnabés com o xilindró, que é lugar quentinho, se não voltarem ao trabalho, imediatamente, ora onde já se viu tamanha audácia! A resposta foi que o restante dos médicos e funcionários entrarão em greve com pedidos de demissão em massa na próxima semana. Comovente, não? A aeronáutica montou, à exemplo do sul maravilha, um hospital de campanha na praça em frente ao antigo aeroporto, para tentar aliviar o movimento nos hospitais. De uma inocuidade monumental. Não deu em nada. Mesma coisa que enxugar gelo.

No meio de toda essa canseira, talvez a grande novidade seja a visita inesperada de conhecida figura dos altos espíritos e entidades siderais. Trata-se do Herr Doktor Fritz. Pois é, o Doutor Fritz, aquele mesmo que morreu durante a Primeira Guerra Mundial, e que agora, recém-chegado do além, aportou à cidade em momento crucial mas bastante apropriado. E, logo em seguida, ele que não é bobo nem nada tratou de faturar o seu marketing pessoal deslocando-se para o Ginásio da Imbiribeira onde já o esperava colossal fila para as suas consultas e "operações". O homem gosta mesmo é de público. É tão chegado a um aplauso como qualquer Silvio Santos da vida. Atualmente ele "vem" na pele de um mineiro com cara de come-quieto.

O acaso me fez conhecer uma dessas versões com que o falecido curandeiro costuma se apresentar para nós, pobres mortais. Conheci o Doutor Fritz, ou melhor, o Dr. Edson Queirós, em casa de um ex-aluno, político e empresário no ramo da compra e venda de cavalos de raça. Confesso que sua aparência não me foi das mais agradáveis. O homem mais parecia uma arvore de natal com o tanto de penduricalhos pelo corpo. Pulseiras, anéis, colares, tudo do mais espalhafatoso ouro amarelo que chegavam a ofuscar a vista. Falava o tempo todo em cavalos de raça e dólares, muitos dólares. Barba por fazer, olhos injetados como se estivesse drogado. Falava alto e roucamente, o capadócio. Eternamente suado, cabelos desgrenhados, na realidade o homem me inspirou um certo asco. Gratuito, é bem verdade pois acabara de o conhecer. Eis que, pouco tempo depois, ele termina a sua vida de modo trágico. Por tratar na ponta do pé um dos serviçais do seu haras, levou um tiro de espingarda 12 bem no focinho. Morreu com o peito em festa e o coração a gargalhar. Pergunto: como é que uma pessoa, que "recebe" o espírito de um caritativo médico falecido durante a Primeira Grande Guerra, useiro e vezeiro em praticar o bem, chega a ponto de levar um tiro por humilhar um pobre e ignorante empregado? Coisas sem explicação.

Já esse Dr Fritz de agora, (todo alemão é Fritz, pois não?) quando "manifestado”, vi pela TV, fala com sotaque alemão ou o que ele acredita ser um sotaque alemão. Conhece lingüística porventura, fala alemão? Palhaçada! Coisa de fazer rir a um José Genoíno da vida. Em que se baseia o feiticeiro para engabelar todos aqueles incautos que acreditam no engodo e que formam piedosa fila para uma consulta seguida de operação, onde se usa, à guisa de bisturi, uma faca velha e rombuda?

A Triste Sina...

Por coincidência ou não, os outros "aparelhos", ou cavalos-de-santo do Dr Fritz tiveram morte trágica. Arigó e Edson Queiros. Será que tem lingüiça por debaixo desse angu? Seria porventura uma terrível maldição por ter o primeiro médico sido alemão? Nazista! Não creio. O nazismo, como forma de governo e meio de extermínio ainda estava no ovo da serpente. Latente. Esperando acontecer. Preciso muitíssimo de um piedoso esclarecimento.
Cartas à Redação.

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