segunda-feira, agosto 28, 2006

INUSITADOS CASOS DE AMOR

Valdez Juval

Não conhecia Moacir Scliar pessoalmente nem sequer literariamente até quando fomos apresentados por Simone Goldberg pelas folhas de uma revista de bordo, sobrevoando a Argentina. Scliar é um brasileiro nascido em Porto Alegre há 69 anos, imortal da Academia Brasileira de Letras desde 2003, autor de quase oitenta livros, editados em vários paises do mundo, com inúmeros prêmios literários nacionais e internacionais.

Adaptando as palavras do imortal ao contexto, ele diz que escrever é uma necessidade, uma forma de expressão que lhe fascinou muito cedo na vida e quando está sentado à sua cadeira de trabalho entrega-se a esta tarefa, o que não quer dizer publicar tudo o que se produz.
Reescreve muito e também “deleta” muita coisa. Reescrever é uma tentação constante,porque o potencial de aperfeiçoamento de um texto é praticamente infinito. Evita esta tentação não relendo os seus livros.

Moacir Scliar nos ensina mais dizendo que aprendeu muito lendo a Bíblia, que é uma coleção de narrativas, capaz de entusiasmar até mesmo aqueles que, como ele, não são religiosos. Os livros podem mudar o mundo e as pessoas.

Entre suas obras, somente para ilustração, lembramos “Vendilhões do Templo”, “A mulher que escreveu a Bíblia” e “O Centauro no Jardim”. Agora, especialmente para mim, como para redimir do desconhecimento, fico aguardando “Paixões Insólitas” (está sendo escrito) que abordarão inusitados casos de amor.

(Especial para os sites“ElTheatro,” “Alfarrábio” e o Blog Unlimited”)

*Valdez Juval estava mesmo fazendo falta neste Blog. Seja bem vindo, "Meu Capitão".
Hugo

De Strip-Tease Macabro A Um Defloramento Festivo

Elpidio Navarro

Se minha avó fosse viva e soubesse das notícias de hoje, certamente repetiria: "É o fim do mundo!" E, ato contínuo, alcançaria o santuário do quarto para rezar. Que notícias de hoje não escandalizaria a religiosa anciã? Talvez a visita do Papa ou a cura do câncer. Mas as denúncias de corrupção e as ações violentas dos bandidos em todo canto, deixariam Dona Elizabete aperreada e recolhida à proteção de Santa Isabel e do seu terço de prata. Já para mim, nada mais espanta e até reajo com a indiferença, apesar da idade avançada. Mas é tanta coisa ruim acontecendo que o que chega a me espantar são as notícias boas. Acho que já estou calejado, dormente, acostumado com tudo.

Já tentei escrever uma peça de teatro romântica, uma história de amor plena de poesia, e até começo. Mas do meio pro fim vejo-me criando personagens ruins, transformando mocinhos em bandidos, felicidade em desgraça, fidelidade em adultério, vivos em assassinados. Quando resolvo partir para a comédia, o humor vira sacanagem e o palhaço vira vilão. Culpa do momento que vivemos ou mesmo falta de talento e imaginação? Ou ainda as duas coisas juntas?

Buscar, como Brecht, inspiração na cultura popular, Ariano Suassuna e Altimar Pimentel já fizeram isso muito bem e outros dramaturgos também. Não é minha praia. Adaptação de romances, contos e outros escritos é uma forma difícil, além das dificuldades para se conseguir autorização do autor da obra escolhida.

Assim, fico catando notícias inspiradoras, fatos inusitados, notícias diferentes, acontecimentos engraçados, numa tentativa que juntando tudo possa produzir alguma coisa nova. E, por conta dessas tentativas, a gente se depara com cada coisa que se minha avó pudesse saber cairia durinha, morta novamente, sem rezar nem nada. Não precisava nem ler a notícia, bastariam as manchetes: "Morta" é vista bebendo durante o próprio velório (alminha pinguça essa!). Jéssica Alba quebra dente em cena de beijo (de língua ou de broca?). Atriz revela que recebeu promessa de papel maior em troca de sexo com o diretor do programa de TV (essa é velha!). Plutão perde status de planeta (e deve ter ficado plutão da vida!).

Mas tem duas notícias campeãs e mais uma de incompetência. Vejam só: "Polícia chinesa reprime strip-tease em enterros. O costume rural chinês de amenizar o ambiente nos funerais com strip-tease pode desaparecer depois da detenção de cinco pessoas que organizavam apresentações, informa hoje a agência estatal". Como é que é? Coitado do defunto que além de não se levantar mais do caixão não pode levantar também coisa alguma!

Outra: "Revista ajuda famosa a perder a virgindade antes dos 30. A revista feminina Jane lançou nos EUA uma campanha para ajudar a comediante Sarah DiMuro, 29 anos, a perder a virgindade antes de completar 30 em novembro." Dona Sarah (foto), não se acanhe. Venha prá cá! Não que eu pretenda ou tenha capacidade de me aventurar à tamanha façanha, mas tenho um filho de mais de 16 anos doido pra começar a praticar. Dou casa, comida e roupa lavada e garanto não contar como foi tudo. A quase coroa yankee não é nada bela, mas tem uma qualidade tão rara hoje em dia, que vale o sacrifício.

E a última, para terminar finalmente: Polícia prende ladrão que perdeu dentadura ao assaltar seu tio. Um ladrão argentino, que junto com dois cúmplices cometeu um roubo na casa de seu tio, foi identificado e detido pela Polícia por ter deixado uma dentadura postiça cair durante o assalto, informaram hoje fontes oficiais. Só podia ser coisa de argentino!

PS - Tudo aí de cima já estava escrito quando duas notícias me intrigaram:

I - Jornal O Norte (23/08/06): Pesquisa Consult apura que Cícero Lucena tem 27,8% das intenções de votos; Ney Suassuna 20,3% e Vital Farias 1%. Somando esses percentuais temos um total de 49,1%, sem considerar os outros candidatos que têm menos de 1%.
2 - Jornal O Norte (27/08/06): A mesma pesquisa noticiada no dia 23 dá conta de que mais de 70% do eleitorado não tem candidato (notícia da primeira página); já na página interna a informação dá conta de que mais de 60% não sabem em quem votar (manchete) e no corpo da matéria está escrito 58,35% de desconfiança dos eleitores para com os candidatos ao Senado.
Considerando qualquer um dos percentuais do dia 27 somado ao aos 49,1 dos eleitores que votarão nos candidatos citados, o resultado parece estranho: 119,1%; 109,1% e 107,45%. Nunca fui bom de matemática, apesar de ter sido aluno de Daura Santiago Rangel, no velho Lyceu Parahybano. Sei também que atualmente se estuda uma tal de matemática moderna. Mesmo assim não consigo entender como um estado pode ter mais de 100% de eleitores.
Vá confiar em pesquisa!

sexta-feira, agosto 25, 2006

Terra da Gente - Paraiba

Nossa Senhora das Neves

Caríssimos
Após muitas idas e vindas eis que finalmente o preclaro Serafim, paraibano dos bons, nos remete este pequeno texto sobre a padroeira da cidade. Sabe aquele provérbio, "nos menores frascos...!" Pois é. Leitura agradável como um biscoito fino.
Hugo

Antônio Serafim Rêgo Filho

Por que a santa protetora da capital da Paraíba é Nossa Senhora das Neves, se aqui nunca nevou e, ao que tudo indica, não há a menor possibilidade disso acontecer algum dia?

A explicação está vinculada à data de 5 de agosto, quando, em 1585, os portugueses fundaram a cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, a atual João Pessoa, estabelecendo-se, assim, definitivamente, nestas plagas.

Reza a lenda que o papa Libério, que ocupou o trono pontifício de 352 a 366, teve uma visão da Virgem Maria. e esta encarregou-o de erigir uma basílica no lugar em que nevasse em 5 de agosto, período em que não neva na Cidade Eterna. Naquele dia, porém, nevou em um único local de Roma.

Foi assim que o dia foi consagrado a Nossa Senhora das Neves, e erguida a basílica de Santa Maria de Nives, depois denominada Santa Maria Maior.

Fonte: Santos e Beatos, Angela Cerinotti, Editora Globo S.A., São Paulo, 2003.

quinta-feira, agosto 24, 2006

UMA SUGESTÃO A SER PENSADA

Riobaldo Tatarana

Tenho ouvido dizer que o preço - em termos pecuniários e sobretudo éticos - que pagamos pela existência do Congresso Nacional torna nossa democracia um luxo desmedido, com o qual não devemos arcar. Que, nos anos do governo militar, o poder legislativo mostrou o quanto é dispensável, pois sem ele o país andou muito bem, e até melhor que agora. E que, sendo assim, seria o caso de suprimi-lo, proporcionando com isso uma vigorosa economia de custos aos cofres públicos, e a conseqüente obtenção de recursos a serem empregados na melhoria da saúde pública, na educação ou no aumento da produção de cebolas.

Essa opinião vem ganhando corpo por aí afora, e eu, daqui do meu canto, devo dizer que não concordo em absoluto com ela. É claro que o poder legislativo custa-nos uma baba, e que a absoluta incapacidade dos senhores legisladores de impor-se quaisquer limites torna-os por demais pesados e difíceis de carregar. Além, é claro, de expor-nos aos achincalhes e gozações da mídia mundial, que adora comentar a criatividade dos nossos parlamentares. Tudo isso é verdade, mas de forma alguma podemos viver sem nosso legislativo. O que dirão de nós as outras democracias? Vão nos comparar a Cuba, ao Haiti, às republiquetas africanas, e a nossa vergonha será maior ainda.

Pensando nessas coisas, veio-me uma idéia, que submeto ao escrutínio dos caros leitores. Se acharem que vale a pena, divulguem-na, defendam-na, discutam-na. Quem sabe não estará aí a solução dessa mazela que tanto nos aflige? Senão, sigam Vossas Senhorias meu raciocínio: não podemos viver sem o legislativo, mas ele fica caríssimo para nós. Então, que tal reduzir seus custos a um patamar aceitável? Dirão os mais avexados que isso é impossível, pois nenhum senador ou deputado vai querer ter seus vencimentos diminuídos, além do que é ilegal reduzir salários de quem quer que seja. Mas quem falou nisso? Minha idéia de redução de custos é bem outra.

Vamos por partes: vivemos na era da informática, em que todo mundo está tão à vontade na realidade virtual quanto na, digamos, real. Certo? Por que não tornar o poder legislativo virtual também? A coisa é fácil, e pode ser feita já a partir da próxima legislatura. A idéia é a seguinte: os srs. senadores e deputados iriam para suas casas, onde continuariam a receber seus salários integrais, com a supressão apenas de coisas como “auxílio paletó”, “imóveis funcionais” e outros penduricalhos. Teriam assim todo o tempo do mundo para dedicar-se aos seus eleitores, sem o peso de viver numa cidade chata como Brasília. O imponente prédio do Congresso seria imediatamente esvaziado e alugado para outras atividades, e eis aí uma nova fonte de recursos. Muita gente ia querer alugar um imóvel daqueles, ali juntinho do palácio do Governo e da esplanada dos ministérios. Uma multinacional, ou um grupo delas, por exemplo, estaria certamente disposta a pagar uma fortuna. Ou talvez alguma rede de cassinos. Que eu, em minha modesta opinião, penso que esse seria um destino, digamos, mais natural.

Um grande cassino, totalmente liberado, com roletas e mesas de jogo funcionando a todo vapor, teria algumas vantagens óbvias. Em primeiro lugar, conferiria maior dignidade ao belo edifício projetado por Niemeyer. Em segundo, aumentaria consideravelmente as divisas do país pela afluência de jogadores inveterados do mundo inteiro. Poder-se-ia cobrar, além do aluguel, taxas sobre os lucros do cassino. O anexo da Câmara seria transformado em um luxuoso hotel. E não me venham com o argumento de que isso seria incentivar um vício deletério e perigoso. Deixemos de hipocrisia, por favor. O país é, há muito tempo, uma imensa casa de tavolagem, oficial e extra-oficial. O próprio governo banca várias modalidades de loteria. Em qualquer agência da rede bancária pode-se fazer um plano de capitalização, que é apenas um nome pomposo para outra modalidade de jogatina. Além dessas atividades legais, temos as mais ou menos clandestinas, desde o tradicional e organizado jogo-do-bicho, invenção e glória nacional, até os caça-níqueis, que proliferam em tudo que é botequim. Afora as corridas do jóquei, o pano verde dos clubes chiques, o joguinho de sinuca com as apostas na caçapa etc.

Os deputados continuariam em seus cargos, o Congresso funcionaria via internet, ou vídeo-conferência, ou outro meio qualquer mais indicado. Ninguém poderia acusar-nos de não temos os três poderes. A única coisa que os senhores representantes do povo não poderiam fazer é legislar, mas vejo isso como um duplo benefício: da parte deles, uma bela economia de tempo e esforço, ainda mais em coisas tediosas e para as quais não estão preparados. Da parte da sociedade, daríamos assim um basta ao luxuriante cipoal de leis e decretos que atravanca o país e sufoca o poder judiciário. Num primeiro momento, talvez achássemos estranho. Estamos tão habituados a ler sobre escândalos nas primeiras páginas de jornais, a ouvir notícias de falcatruas que fariam corar o mais ousado traficante, que vai ser difícil viver sem isso. A mídia também sofreria um bocado, privada da sua principal fonte de notícias. Mesmo assim, vocês não acham que seria uma boa idéia?

segunda-feira, agosto 21, 2006

O PRIMEIRO COM AS ÚLTIMAS


Carlos Mello


Eudoro é o tipo do homem bonito. Pode-se afirmar isso sem sombra de dúvida, é mais que evidente sua beleza física. O rosto é gracioso e ao mesmo tempo másculo, os dentes perfeitos, a pele moreno-clara, tersa e viril, os lábios carnudos e generosos, o cabelo negro e basto. Mas não é só isso. Ele é também culto, leu bastante, não somente os livros da faculdade, mas outros, até de literatura, viu muitos filmes, na TV e no cinema, vai normalmente ao teatro, conversa com professores, com doutores, empresários, homens de grande saber. E como se veste bem! Basta acompanhá-lo hoje, dia de sua formatura, desde a hora em que desperta da sesta. Lozinha foi sua babá, agora é uma espécie de governanta, dirige as criadas, a arrumadeira, a copeira, o cozinheiro. Que o apartamento é grande, as peças amplas. Ela é a única empregada a morar ali, os outros vêm todo dia. E que cheguem na hora, ora essa! Que o salário é bom e o trato melhor ainda.
Acorda, Dorinho, já são quatro horas da tarde! Quatro horas! Direto para o banheiro, fazer barba, tomar um grande banho, vestir-se. Que a solenidade é às sete horas, e três horas não são nada. Lozinha sai rápido do quarto, desde que Eudoro era adolescente tinha mania de deixar o peru de fora e fingir que dormia, para que ela visse. Agora não faz mais isso. Mas dá vontade, dá. É uma brincadeira, mas proporciona um certo gozo. Ficar pelado também é bom, ainda mais no banheiro. E que banheiro! Todo de mármore, igual ao da suíte dos pais. Mais uma vantagem de ser filho único, ter um quarto e um banheiro exclusivos. A bancada brilha de tão limpa, os metais das torneiras também resplandecem, tudo faísca à iluminação exuberante.
Talvez eu seja a única pessoa da sociedade a fazer a barba com navalha. Eu e o Papai. Ele me ensinou, nossas navalhas – e temos três, cada um – são alemãs, a tira de afiar a lâmina também é importada, americana. Aqui não se fabricam essas coisas. Primeiro vamos tirar o creme do rosto, é uma solução emoliente à base de polpa de abacate, refresca, reidrata a pele; tira-se com lenço-papel especial, macio e hidrófilo. O creme de barbear tem um perfume discreto, que some depois do banho, não concorre com outros odores – do desodorante, do creme após-barba, do parfum de toilette. É como o xampu e o creme de rinçagem, tudo leve e harmonioso. Mas que braços, que peito! Musculoso, mas sem aquela musculatura ridícula de super-herói. Braços de quem joga tênis, de quem pilota jet-ski. Vamos dar mais uma escovada nos dentes, depois banho. É pena não poder mostrar esse banheiro a todo mundo.
Primeiro a cueca, depois a calça, já com o suspensório e a faixa. É tudo zero quilômetro, hoje é um dia especial, o dia da formatura. Agora as meias de seda preta. Diabo, ninguém vê as meias. Só se houvesse uma brincadeira, um concurso de meias, entre rapazes. O sapato é italiano, de couro de bezerro, macio, com design napolitano, foi comprado em Roma. A camisa de cambraia de linho, com peitilho, botões e abotoaduras de ouro, a gravata borboleta de seda brilhante, tudo se compõe com o casaco do smoking. Muita gente, quase toda a turma, não tem smoking, precisou alugar. Por mim a festa seria a rigor para todos, mas muitos protestaram, acharam excessivo. Na verdade, não quiseram confessar que teriam de alugar roupas de rigor e longos para toda a família. É incrível, numa universidade particular, cara, ultra selecionada, como pôde entrar tanta gente chinfrim! Pelo menos só terá acesso à festa quem estiver de terno e gravata, tennue de ville, como queria pôr no convite, mas não deixaram, tudo que não entendem dizem logo que é frescura. Pois seja! Mas dei ordem expressa aos seguranças: não entra ninguém de calça e camisa ou de vestido curto.
Prefiro ir sozinho, tenho de chegar mais cedo. Se for esperar pela Patrícia, é atraso certo. Ela que vá com os pais. Falar nisso, essa aliança de noivado é meio cafona. Dá vontade de tirar, dizer que foi esquecimento. Mas aí vai ficar essa mancha infamante no dedo, é pior. Esqueci o gargarejo! Agora não dá, se respinga na camisa, adeus! Uma pastilha de hortelã podia ajudar, mas aí suja os dentes, a língua. Falar em público, ser orador da turma exige não só um belo discurso, mas também uma aparência impecável. Afinal, não é todo dia que se tem uma platéia cativa de professores, juizes, desembargadores, deputados, secretários de estado, grandes empresários. E aí, suprema audácia: falar de improviso. Isto é, não ler o texto, mas apenas seguir discretamente um roteiro. Começa com duas homenagens: a primeira é a lembrança, na primeira aula de Introdução, da definição de Direito – sistema de normas jurídicas que regulam a conduta do homem na sociedade. E em seguida as observações do mestre: “sistema” e não “conjunto” de leis, para deixar clara a hierarquia, no topo da qual está a sacratíssima Carta Magna; “reguladoras da conduta do homem”, porque só este, direta ou indiretamente, pode ser objeto da norma jurídica; “em sociedade”, pois as leis têm como escopo permitir a convivência pacífica e propiciar a forma justa de dirimir conflitos em um meio civilizado; e, nessa regulação, o “caráter coercitivo da norma jurídica”, que obriga até mesmo aos que não a conhecem, já que Nemo jus ignorare censetur. O latim é fundamental, mas as citações em outras línguas não vai ficar só nessa.
A outra frase é a do próprio Papai, ouvida quando ainda criança: “Procure fazer tudo certo, porque se errar, restará a boa intenção para amenizar o veredicto dos que o julgarem”. Bela frase. Não foi bem isso, era um pouco diferente, mas a essa altura o que vale é a relação com o discurso: que esses dois sólidos princípios, da sacralidade da lei e da obrigação da consciência, foram as balizas de um curso pontilhado de grandes ensinamentos, de toda uma sabedoria secular, transmitida por verdadeiros mestres, dos quais infelizmente alguns já não mais se encontram entre nós, como o citado mestre de Introdução, para o qual peço nesse instante um minuto de silêncio. Tiro e queda! Escorrido o minuto, e antes que retomasse a palavra, estalam as palmas. Há lágrimas em muitos dos presentes. Que generosa lembrança, a do mestre morto! Agora passemos à vida. Certo, o métier da profissão não é propriamente emocionante. O fórum, a burocracia, o andar sinuoso dos processos, quantos interesses a acomodar, quantas vaidades a contentar. Mas não é disso que estamos falando.
O fecho do discurso é uma frase em francês. Inglês todo mundo fala, mas quantos dali sabem falar francês? Nenhum dos colegas, talvez só alguns professores. E eu. Valeu a pena o curso da Aliança, os meses no frio de Paris, cá pra nós, a cidade é chata, antigona. Depois de muita escolha no dicionário de citações, essa: Les lois inutiles abolissent les lois nécessaires. É de Montesquieu, Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu – o nome completo e a frase no original vão escritos no roteiro, para o caso de esquecimento. Vem muito a propósito da reforma dos códigos, obra monumental, serviço inestimável, que vem sendo prestado ao país por tão ilustres quanto impolutas capacidades. Faz-se com o francês como se fez com o latim: não se traduz nada. Quem quiser que entenda. O fecho é o agradecimento aos mestres, aos pais e finalmente a Deus, em forma de oração ecumênica. Palmas, muitas palmas, bravos, abraços. Na mesa da família estão, além da noiva, os pais, os futuros sogros, o quarteto forma uma significativa parcela do PIB local. Professores, juizes, até desembargadores, vêm cumprimentar. Patricinha o abraça comovida. É a glória!
Festa acabada, não vamos sair depois de todo mundo, é coisa de pobre! Levo a Patrícia, senão vai ser um escarcéu. Mas não vou ficar. Já sei como é. Os pais pedem licença, vão dormir, ela vai ao banheiro, volta lavada, fria, com cheiro de sabonete. E não me quer passivo, exige coisas. O carpete espeta, tem poeira. Vou logo me queixando de dor de cabeça, da tensão, do estômago. E caio fora, que ninguém é de ferro. Ainda na garagem do prédio dela, é preciso tirar o casaco, a camisa, os botões e abotoaduras de ouro, pôr tudo no porta-malas. E vestir a camiseta que está no banco traseiro. Agora, vamos lá! Já são quase quatro horas! Daqui a pouco o dia amanhece, estraga tudo. É longe, precisa pisar no acelerador. Aí está, já começam as ruas meio escuras, quase desertas àquela hora. Essa que vai caminhando aí parece bem, acho até que já conheço. É ela mesmo. Está sozinha? Arranja uma amiga. Muito prazer, Edileuza. Vamos lá que já é tarde. O porteiro do motel se amacia com duas notas de dez. E lá dentro, na penumbra, que cheiro acre, que cabelo duro, que pernas ásperas! Que festa, que loucura!
Deve ser bem tarde, tenho de me mandar. Acordem, meninas, olha a grana! (Que monstros, meu Deus!). E mais isso aqui para o táxi, vou sair sozinho, estou atrasado. É claro que elas vão pegar um ônibus, imagina! Caramba, a rua já está cheia de gente, tomara que os velhos não tenham acordado ainda. Agora, (uff!), em casa, um belo banho de banheira. Com sais de banho, aromáticos. Franceses, bien sûr! A vida é boa. Vou dormir até tarde, depois almoço na casa da Patrícia. À noite, quem sabe, no carpete...

sexta-feira, agosto 18, 2006

O Poeta CJ

"Para Hugo Caldas, amigo de uma vida. Celso Japiassu." Foi esta a dedicatória que ele colocou em um dos seus livros, que me enviou. Não sei se o Hugo em epígrafe é este locutor que vos fala. Se não for, assumirei como se fosse. CJ, para muita gente boa, mas Celso Almir, para os daqui de casa, a Paraiba. Meu caro "amigo de uma vida" seja mais do que bem vindo à esse Blog. Hugão

Praias

Eram praias que um tom cinza
azulava nas manhãs de inverno.
Nelas se perdiam gritos, as crianças
entendiam o jogo das marés.

Cabedelo, Tambaú, Seixas, Traição.
Ondas de sargaço, insalubre vento,
peixes devoram os instantes,
caravelas queimam a maresia.

Praias de afogados, mergulho
no deserto das águas.
Rastro de caranguejos, lama,
transição do sono.

Hálito sufocado, respirar suspenso
em pulmões sem gravidade, sonho.
Pequenas dunas de areia branca
onde Hugo, distante, adormeceu.

(Dezessete Poemas Noturnos)

quinta-feira, agosto 10, 2006

PRA QUE SERVE?

Riobaldo Tatarana

Nós, que vivemos nos tempos do capitalismo selvagem (quanta injustiça com os pobres selvagens há nessa expressão!) estamos por demais habituados a atribuir valor às coisas pelo critério de sua utilidade prática. A primeira vítima dessa deformação é a filosofia, que aos olhos do vulgo parece a coisa mais inútil que se pode conceber. Não vou me meter a defender a filosofia. Para isso, temos de esperar a opinião do nosso emérito Professor Antônio Serafim, leitor assíduo desse blog, e que respira a plenos pulmões o ar rarefeito dos estudos filosóficos. Eu fico na planície, e reproduzo aqui a pergunta que ouvi um dia desses de um capitalista obtuso: para que servem os intelectuais brasileiros?

Em meados do século passado, Jorge de Lima falava do desprezo que certos graúdos e burros da sua época votavam aos poetas. E comentava: “Poetas vivendo em mundos de lua não servem pra capitalizações, negócios e sordícias, dirão que poetas são desprezíveis”. Voltando ao meu capitalista obtuso, deixem-me antes explicar que para ele, como para muita gente, intelectual é “quem vive lendo ou escrevendo livros”. Para que serve então uma pessoa assim? A pergunta não pode ser mais atual, sobretudo quando sabemos que a ideologia vigente nos altos escalões da República é a de que a educação – que abrange a leitura, o uso efetivo dos livros – é uma atividade meramente decorativa, sem a qual se pode passar muito bem e chegar até aos mais altos postos.

Se a opinião pública não fosse tão ingrata e desinformada, levantar-se-ia furiosa contra essa pergunta descabida sobre a utilidade dos homens de letras. Quando vivíamos nas trevas da ditadura, apesar da censura boçal à imprensa e aos livros, foram os intelectuais que explicaram a essa mal-agradecida os males da repressão e os benefícios da democracia, mesmo com os vícios e imperfeições que a acompanham. Muitos deles foram presos, espancados, mortos. O que atesta que os ditadores, por mais burros que sejam, sabem muito bem que, embora vivendo no remanso das bibliotecas, o intelectual está longe de ser inofensivo. O intelectual pensa, e comunica seus pensamentos, em jornais, revistas livros, salas de aula, conferências – e aí vai todo o seu perigo e ameaça, porque do pensamento à crítica e desta à revolta há apenas dois passos.

Quero, no entanto pegar a pergunta do tal capitalista obtuso e trazê-la para esses tempos mais amenos de democracia, eleições livres, congresso a todo vapor, a mídia falando o que quer. Ora, nesse contexto, o intelectual assume aquele antigo slogan da palha de aço: tem mil e uma utilidades. Além daquelas nobres e já sabidas, como o estudo, a pesquisa, a reflexão, a formação de opinião, a vigilância sobre os valores que estão sendo formados na sociedade, o intelectual tem outras utilidades menores, mas nem por isso menos úteis ao funcionamento da máquina social. Assim, por exemplo, os intelectuais têm sido muito solicitados à função de conferir dignidade a revistas de sacanagem. Dessa forma, os mais safadinhos, que compram essas revistas para levá-las ao banheiro, contam com a bela desculpa de que estavam interessados no artigo do fulano sobre, digamos, os rumos da arte pós-moderna.

Outra atividade, congênere a essa, é a de emprestar um nome limpo e honrado a certas universidades particulares, que na verdade não passam de arapucas. Deixem-me explicar o quadro: no Brasil, as universidades mais sérias e dignas de respeito são as públicas, apesar da campanha solerte de sucessivos governos, ditos democráticos, para erradicá-las através do sucateamento de suas instalações e do empobrecimento do corpo docente. Mas há também universidades particulares que são ilhas de excelência, instituições sérias, que lutam com grande esforço para manter o padrão. Não dou aqui exemplos para não pensarem que estou fazendo merchandising. Pois bem: como essas particulares de bom nível são poucas, e as públicas raramente conseguem fazer concurso para admissão de novos professores, aqueles que optaram pela carreira acadêmica, e que para isso investiram tempo, dinheiro e dedicação, que concluíram seus mestrados e doutorados à custa de inenarráveis sacrifícios, são obrigados a buscar o pão de cada dia nas universidades particulares, mesmo que sejam péssimas.

Nessas universidades, que há pouco brindei com o epíteto de “arapucas”, vige a seguinte mentalidade administrativa: o aluno é quem paga, portanto ele tem sempre razão. Se um professor entra em atrito com um aluno relapso ou desonesto, é obrigado a engolir qualquer afronta, sob pena de perder o emprego. Sei de muitos casos, mas relato apenas dois: no primeiro, o professor foi chamado por um aluno irado para “resolver a discussão lá fora, no braço”. Soube-se depois que esse sujeitinho era policial e andava armado. No segundo, um aluno mandou a professora tomar... pois é, exatamente isso, somente porque ela ousara repreender suas constantes perturbações da aula. Em ambos esses casos, adivinham qual foi a resposta da direção ante a queixa dos professores? Vou formulá-la na linguagem digna desses diretores: “Fica na tua, malandro, que quem manda a bufunfa pra teu contracheque é esses alunos mesmo!” Não é de chorar?

terça-feira, agosto 01, 2006

AVISO AOS DISTINTOS VISITANTES E COLABORADORES DESTE BLOG

Fazemos absoluta questão de não acolher nenhum texto que contenha insultos, piadas de mau gosto, baixarias e demonstrações de racismo ou preconceito de qualquer tipo. No entanto, nada impede que alguém se sinta, de alguma forma, incomodado com algum dos aqui publicados. Assim sendo, queremos declarar explicitamente que AS OPINIÕES, PARECERES, JUÍZOS, CONCEITOS E PREFERÊNCIAS constantes desses artigos são de única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, que por eles responderão integralmente, civil ou criminalmente.

Avisamos também que nossos colaboradores são orientados a registrar seus textos no Escritório de Direitos Autorais, de forma que a cópia, no todo ou em parte, de qualquer dos textos sem prévia autorização por escrito do seu autor implicará no direito a ação judicial por parte do prejudicado, com as penas previstas na lei para o plagiador.

Esses avisos são meio chatos, mas imprescindíveis, ainda mais em um país tão sujeito a deputadices como o nosso. Espero que os amigos compreendam. Um abraço.
Hugo Caldas