segunda-feira, outubro 29, 2007

RECUERDO 27 - O BÊBADO E O DESEQUILIBRISTA


Hugo Caldas

Tudo aconteceu no Aeroporto Internacional dos Guararapes em príscas eras. O personagem principal deste recuerdo, era à época, um moleque mal saído dos cueiros. Mal educado, irresponsável e no momento dos acontecidos, se encontrava absolutamente embriagado. Portava uma arma de fogo e a exibia com a maior desfaçatez. Melhor será, daqui por diante, tratar o calhorda com o benefício do anonimato em razão das tortuosas voltas que o mundo dá. A nefanda e reles figura hoje faz parte do mais alto escalão da república e da política peçonhenta deste país. Sei que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e eu não sou bobo nem nada.

Naquele dia fatídico as coisas estariam programadas para acontecer de maneira inteiramente inusitada. O vôo 256 da Panair estava atrasado e com toda a certeza, fadado a atrasar ainda mais em razão das desventuras aqui relatadas.

É evidente que eu não havia sido treinado para revistar ninguém na hora do embarque, desde que fossem guardadas a compostura e o comedimento. O Manual da Companhia, entretanto, determinava claramente que "pessoas embriagadas não seriam admitidas à bordo das aeronaves." Ainda mais com o agravante da arma exibida a todo instante como um ornamento. Após bater firmemente com os punhos cerrados no balcão, ele iniciou o seguinte diálogo:

- A que horas sai essa merda de avião?

Não respondi e o chamei à um canto mais discreto, longe dos olhos dos outros passageiros que já se mostravam apreensivos diante daquele sujeito inoportuno e potencialmente perigoso. Disse-lhe com a maior paciência deste mundo:

- "O senhor por favor controle-se. É absolutamente proibido a qualquer pessoa, em qualquer circunstância, o embarque em nossas aeronaves portando arma de fogo, aliás a única pessoa facultada a viajar armada em uma aeronave civil é o Ministro da Guerra, (hoje Ministro do Exército) ainda mais, sinto que o senhor se excedeu na bebida e se encontra em estado pouco sóbrio"... Fui interrompido pela voz pastosa, característica de todos os bêbados do mundo. Continuou na maior brabeza:

- Sabe com quem está falando? Eu sou autoridade e exijo embarcar nessa porcaria de avião agora mesmo.

Telefonei para o box de operações e relatei ao comandante da aeronave bem como ao chefe de turma, a situação. Os dois ficaram cientes e me recomendaram insistir com o passageiro a fim de que pelo menos, ele entregasse a arma para o procedimento de praxe:
"A arma devidamente descarregada bem como a munição seriam colocadas em envelopes distintos, selados com o timbre da companhia, guardados no cofre do avião e entregues ao passageiro no destino." Desnecessário dizer que o energúmeno se recusava terminantemente a seguir o processo devido. Queria porque queria falar com o comandante em pessoa. O comandante finalmente concordou em discutir a inconveniente situação.

Levei-o até onde se encontravam os chefes e voltei à rotina do despacho dos outros passageiros e daí a cinco ou dez minutos, era requisitado a ir ter com o comandante. Perguntou-me ele se eu havia chamado o passageiro de bêbado. Respondi que havia dito que "o achava pouco sóbrio para embarcar portando uma arma de fogo."

- Então, você perdeu todo o seu direito pois para enfrentar situações desse tipo nós temos que usar de toda a diplomacia possível a fim de não ferir os brios do cliente.

- Comandante, se o senhor demonstrar uma maneira mais diplomática do que dizer a um sujeito que se encontra neste estado lastimável de embriaguez, que ele se encontra apenas "pouco sóbrio" eu dou a mão à palmatória. Senti que o resto da tripulação estava ao meu lado. O comissário de bordo revoltado gritou de lá, "no meu avião esse maluco não vai"!

Fiquei sem entender a mudança de atitude do comandante. Por que havia mudado de ideia? Por que mandara dar o embarque pelos alto-falantes e se encaminhava à aeronave para finalmente seguir com a atrasada viagem. Estive para chamar a policia da aeronáutica a fim de cercar o avião e impedir sua saída do pátio de manobras. Não o fiz.

De repente o estalo. O comandante havia sido co-piloto dos vôos internacionais e fora transferido há pouquissimo tempo para as linhas domésticas. Ele, o bêbado, o nosso heroi macunaímico, pela falta de caráter, era funcionário de autarquia federal que fiscalizava portos e aeroportos. Pronto, matei a charada. Contrabando desembarcado no Recife e enviado via doméstica para o sul. Aí estava o busílis.

Na hora do embarque, ainda na escada, quando o deletério biriteiro fez menção de entrar o comissário o deteve e ato contínuo o obrigou a entregar a arma que foi encaminhada no envelope para o cofre. Ele finalmnte adentrou e o avião deu continuidade a sua viagem. O vôo 256 finalmente iria continuar.

Após os devidos elogios à minha performance, o meu chefe de turma na sua proverbial sabença me mostra o distintivo que todos nós usávamos. Uma asa agregada a um globo contendo o dístico Panair. A dele era de ouro o que significava mais de vinte anos de companhia. "A tua asa é de latão e parece que vai ficar por aí mesmo, menos de dois anos," disse ele.

Não deu outra. Quando da verificação da documentação da viagem, o vôo 256 aparecia com duas versões diferentes para o motivo do atraso em Recife. O comandante, talvez temendo castigo maior, reportou "defeitos técnicos" e teve punição menos dura. Suspensão por seis meses, foi a pena infligida por falta grave. No meu relatório a história toda estava reportada nos seus detalhes mais comprometedores. Não fui demitido. Tive entretanto a contragosto que sair pois se negaram a renovar o meu contrato.

Quem manda eu querer ser os pés da besta?

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

quinta-feira, outubro 25, 2007

CURTO E GROSSO

RIOBALDO TATARANA

O dono deste blog afiança-me que tenho três leitores fixos, além de alguns esporádicos. Dou o dito por verdadeiro. Por isso, resolvi dar-lhes as razões de meu longo silêncio. Andei meio adoentado, com um enjôo impertinente, não no corpo, mas na alma. Peço que sigam com paciência meu relato. Há nove anos completos refugiei-me aqui, nesse desvão de Casa Caiada, com minha mulher e meu falecido fox-terrier Jagunço. Juntaram-se a nós D. Mira, a mais perfeita cozinheira que há nesse mundo, seu esposo, o Aprígio, e o filho deles, Raimundo, pescador exímio e mestre de capoeira. E aqui tenho vivido, numa situação incomparavelmente mais confortável que a de Adão no Paraíso.

Adão, além da companhia da fofoqueira Eva (uma mulher que conversava com cobras!) ainda tinha, por mandado de Jeová, que zelar pelos bichos, dar-lhes nomes, indicar os alimentos apropriados a cada espécie, uma trabalheira sem fim. Eu, não. Minha mulher é um anjo de bondade e paciência, tenho casa própria, uma aposentadoria pequena mas certa e toda a paz do mundo. Não tenho carro, e raramente vou a Olinda. Recife já me parece uma viagem digna de Vasco da Gama. As outras cidades não me interessam. Aqui não chega jornal, não tenho rádio e não ligo pra tevê. Saio às vezes para pescar com o Raimundo, ou vou conversar na barraca do Sêo Basileu. Não quero outra vida.

À noite, minha mulher e a D. Mira assistem à televisão. Durante algum tempo acompanhei-as, para ver os noticiários. De repente me apareceu um mal-estar, um fastio, uma falta de apetite, que nem os quitutes da D. Mira conseguiam abalar. Fiquei preocupado. Eu não fumo há mais de trinta anos. Não bebo, a não ser a higiênica taça diária de vinho tinto, no jantar. Cheguei a pensar que D. Mira, em conluio com a patroa, tivesse acrescentado algum tempero exótico, alguma pérfida pimenta, que agredira as paredes do meu sofrido estômago. Mas estava enganado, e continuei sem saber a que atribuir a mazela.

Vejam vocês como são nossas circunvoluções cerebrais. Uma noite, matutando na rede do terraço, me veio à memória uma cena pavorosa, da infância. Naqueles tempos ditosos, as crianças tinham vermes, e era preciso purgá-las com óleo de rícino. Certa vez apareceu lá em casa uma senhora, procurando trabalho, com seu filho, um garoto amarelo e buchudo, que não falava, não ria, não brincava. Diagnosticaram logo: é verme! Tacaram-lhe uma talagada do bendito purgante e ficaram esperando o resultado, que não demorou. Todo mundo foi ver, e eu também, sem saber direito de que se tratava. E lá estava, no chão, a coisa mais repugnante que já vi em toda a vida, uns bichos ascorosos, esbranquiçados, a remexer no cocô. Saí dali para vomitar, aquela cena permaneceu muito tempo na minha memória. Ainda hoje, quando lembro, volta-me uma certa gastura.

Felizmente, logo depois de reviver essa cena na lembrança, veio o estalo: meu enjôo devia-se à revivência da situação vivida da infância. Os telejornais, com suas notícias sobre falcatruas de políticos e safadezas de milionários, foram a pouco e pouco criando em mim a mesma sensação d’antanho. Vocês podem achar que é exagero, ou frescura. Mas o fato é que tão logo larguei o vício televisivo, veio a cura. Porque a situação que vivemos neste belo país é essa: a Polícia Federal investiga, faz escutas, grava conversas, prende um monte de meliantes, mas ninguém fica na cadeia. Só se for algum pé rapado. Mas um sujeito que meteu a mão na grana, arruma logo um refinado advogado, que arranja um habeas corpus ali na esquina, o processo é arquivado por falta de provas, ou de testemunhas, ou de vergonha na cara mesmo, e acabou.

Não pensem que me queixo dos juízes. Pelo contrário. Acho até que merecem elogios por se aterem à lei, como manda seu juramento e sua consciência. O problema não é o juiz, é nossa legislação calhorda, cheia de furos e escapadelas. Também o que esperar de leis feitas naquelas casas de tolerância de Brasília, onde o governo só consegue aprovar alguma coisa de útil para o país depois de atender a mil e uma mutretas dos parlamentares, liberação de verbas, de empregos, de sinecuras?

Tenho um palpite que parece confirmar-se a cada dia: Brasília tornou o Brasil inviável. Além de custar-nos os olhos da cara, levou o esquema para longe da vigilância dos eleitores. Se a capital federal ainda fosse no Rio, com o Senado na Cinelândia e a Câmara na Primeiro de Março, duvido que esses sujeitos limpassem o rabo com a opinião pública, como fazem. Mas ali no DF, nas brenhas do cerrado, vale tudo. E ainda com o agravante de que a solidão acachapante da cidade, seu feitio de prancheta, suas ruas sem esquinas, tudo leva o indivíduo obrigado a morar ali, ainda que só alguns dias por mês, a um desejo de vingança, que se externa na roubalheira da nossa grana.

Dirão vocês que exagero, que há uns dois ou três deputados e senadores que são honestos. Concordo, ainda que ache o número meio exagerado. Mas esses mesmos, que podem fazer, pobres andorinhas no meio da borrasca? Nada. E se eles não podem, muito menos eu. Assim, decidi aproveitar o tempinho que me resta cá por baixo para tomar em paz minha água de coco, chupar meus cajus, andar pela beira da praia. Querem vida melhor? Um dia desses, olhando a copa dos coqueirais, veio-me outra lembrança, essa grata e bela. Antigamente brincava-se muito de adivinhações, algumas bem poéticas, como essa: “Altas torres, bonitos penachos/ Água no bico, flores nos cachos”. A resposta é evidentemente “coqueiro”. Não é uma lindeza?

segunda-feira, outubro 22, 2007

Cheguei a uma idade...

HUGO CALDAS

...e já lá se vai uma data desde que em certa quarta-feira de Novembro de 1937, exatamente às sete e dez da manhã, iniciei o meu aprendizado para saber, tomar conhecimento e ter portanto a mais perfeita, e absoluta certeza daquilo que é certo ou errado neste mundo de meu Deus. Aprendi senão tudo, pelo menos consegui um respeitável cabedal. Tenho hoje, a devida clareza sobre quem são os meus amigos. Também sei daqueles que nos consagram aversão, ódio, antipatia, repugnância, inveja, rancor, fora e até mesmo dentro da própria familia. Sei, por exemplo, de pessoa bastante chegada a mim que à simples menção do nome deste humilde marquês, costuma apregoar, "esse aí não diz coisa com coisa". Razão da agressão gratuita? Única e exclusivamente por não comungar das suas idéias desencontradas. Por eu não sair por aí repetindo ad nauseam trechos de uma encardida cartilha marxista. Não faz para mim, o menor sentido. Aliás, nunca fez! Isso já era velho no tempo de Nabucodonosor. A inveja é sem nenhuma dúvida uma arma mortífera. Geralmente esse tipo de arma é usada pelos aproveitadores de todas as cores, pessoas que nunca deram duro, oito horas de aulas de segunda à sexta trinta dias por mês durante anos. Será que é pecado, será que existe alguma proibição eclesiástica ou "dialética" para se trabalhar e ganhar dinheiro? E usufruir efetivamente desse dinheiro?

Esse povo não vive, não teve nem deverá ter uma boa história para contar. Um livro que os tenha marcado, um belo filme para recordar. Nunca foram generosos com ninguém, e acima de tudo, não sabem o que é senso de humor. É um eterno ranger de dentes. Melhor seguir o figurino de Júlia uma antiga empregada da casa da minha mãe: "Vamos dar o calado como resposta."

Continuando com a "dialética"...

Conheci um "camarada," que era tido e havido como uma espécie de ícone do partidão, cabra corajoso, sincero franco e honesto. Uma figura. Mas ao melhor estilo dos filmes B de Hollywood, para reunir-se com os companheiros, nos anos de chumbo, disfarçava-se de pescador de caranguejo e passava horas e horas no mangue, conspirando e derrubando todos os governos do mundo. Convenhamos o ridículo da situação. Não dá para levar esse tipo de obtusidade à sério. Contudo, jamais o critiquei ou o desmereci. Respeitava-o então, como o respeito agora, que sei da sua passagem para o andar de cima.

Isso tudo vem à propósito do filme da moda, "Tropa de Elite". Vou logo avisando: Não vi e não gostei! Eis a minha "dialética." Há poucos dias declinei de convite para assisti-lo. Aleguei que tudo o que pudesse aparecer na tela muito provavelmente iria ser mostrado às oito da noite no Jornal Nacional. Ao vivo. Dia seguinte o Bom Dia Brasil estava pegando fogo. Um helicóptero da polícia em caçada implacável, onde alguns bandidos terminaram sendo mortos. Bela maneira de iniciar um dia de trabalho, pois não? A OAB já se manifestou contra o "genocídio".

Agora mesmo, são 21:45 do dia 19-10 ouço rajadas, tiros, muito provavelmente de arma automática. Deve estar acontecendo algo bem próximo da sala onde me encontro. Eu não sou maluco de botar a cara de fora para ver o que ocorre. Temo pelos meus dois filhos que ainda não voltaram para casa.

Voltando ao filme:

Acho que a única qualidade do melhor filme americano feito no Brasil, foi talvez, a de nos devolver o conceito, há muito esquecido, de que bandido é bandido e não um coitadinho vítima das diferênças sociais. As pessoas vivem a repetir certos chavões e terminam por acreditar no que estão dizendo.

À propósito, há tempos participei de uma reunião em entidade de defesa do bairro onde moro e se cuidava de impedir o trottoir de algumas garotas de programa em uma das mais conhecidas avenidas de Boa Viagem. Havia duas correntes. Uma, sabe-se lá porque, queria fazer vista grossa e a outra demandava a mudança da atividade para local mais distante evitando assim ferir o recato das tradiconais familias. Defensora ardorosa da primeira corrente, uma jovem socióloga advogava que as ditas senhorinhas não participavam do abominável passeio porque gostavam. Era pura e simples necessidade. Eram a fome e a probeza as culpadas. O local sugerido pela corrente oposta fora considerado perigoso, e era mesmo. Nisso tudo um velhote com a cara de Grouch Marx ouvia silencioso a tudo. Pediu um aparte:

- A prezada socióloga realmente acredita no que está dizendo?
- Mas claro, foi a resposta. A culpa é da fome e da pobreza.
- Então minha cara doutora, a seguir o seu raciocínio, "a India seria um puteiro só!"

Gargalhada geral encerrou a inapropriada reunião e ficou o dito pelo não dito.

Voltando às vacas frias:

Não será novidade para ninguém que o mal existe. Como então explicar a lógica de arrastar uma criança presa ao carro, até a morte? E pior, ficar tudo por isso mesmo?! E a policia bandida? Lembro de um marginal da década de 70 no Rio de Janeiro, chamado Lucio Flávio, cuja história inspirou um outro filme, -"Lucio Flavio Passageiro da Agonia," - que dizia "Bandido é bandido - Polícia é polícia." Será que essa premissa ainda se sustenta? Ou todo mundo é bandido?

O escritor húngaro ganhador do Nobel, Imre Kertész, que comeu da banda podre de Hitler e Stálin, pontifica:

"O mal sempre parte de interesses individuais; o bem, no entanto, se situa além da capacidade de raciocínio. O ruim do mal é que se apresenta como bem. Os verdadeiros canalhas sempre vêm salvar o mundo e tudo acontece com a melhor das intenções."

Relaxo e vou dormir. Os meus filhos voltaram sãos e salvos.

hugocaldas.blogspot.com
hucaldas@gmail.com

domingo, outubro 21, 2007

STANLEY BARD em ASSASSINATO NA ALAMEDA 100


Conto policial de VALDEZ JUVAL

CAPÍTULO FINAL

Stanley Bard ficou preocupado com a notícia do atentado de Martha Luccovino e procurou logo tomar conhecimento de todos os detalhes do ocorrido.

Surpresa alvissareira quando chegando ao Hospital pode falar pessoalmente com sua cliente. Já estava recebendo alta. A notícia foi sensacionalista relacionando o fato com o assassinato de seu marido.

Como já tinham combinado, confirmaram o encontro marcado anteriormente. Despediram-se e o detetive foi à Delegacia conversar com seu colega.

Após uma rápida leitura no inquérito, Stanley deduziu que a Polícia estava completamente desorientada, sem qualquer definição para solucionar o problema.

Considerava Martha suspeita por ser a única beneficiária além dos comentários maliciosos sobre sua vida conjugal; o vigia por ter desaparecido desde a hora do crime; o jardineiro por não ter ido trabalhar no dia anterior e no dia do assassinato; a governanta por saber demais da vida do casal e poderia estar chantageando o patrão; O capataz da fazenda que naquela noite dormira nas dependências serviçais da mansão, como fazia sempre que tinha que pernoitar na cidade e o completo silêncio de três cães pastores alemães que ainda estavam soltos na hora do crime.

Como ainda restava prazo para apresentar o inquérito em Juízo, o pessoal da Delegacia não somente estava procurando outras provas mas também efetuando prisões de suspeitos de assalto.

Ficaram conversando um pouco e trocaram algumas idéias e estratégias.
O seu trabalho ali, estava encerrado.
Era quase hora do jantar.

Stanley Bard foi atendido na guarita e teve permissão concedida para entrar, dirigindo-se ao portal principal onde foi recebido pela própria Martha Luccovino.

Aparentando ter saído do banho quase naquele instante, vestia um chambre de cetim na cor azul claro, protegendo as peças íntimas com um visual de perturbar à primeira vista.

A Sra. Luccovino serviu bebida e a pedido do Detetive contou toda a sua vida, o seu passado de garota humilde e ingênua mas sempre com esperança de vencer na vida.

O se casamento com Braz não foi importunado pela família dele até que se formou aquele patrimônio em torno deles, ficando seus nomes em destaque na vida social e artística.

Ela admitia que o enriquecimento fora rápido tendo ela contribuído em muito com a exposição de seu corpo, servindo de modelo para as obras de sexo que seu marido executava.

Ela nunca procurou saber a causa primordial do progresso.

Braz tinha por hábito ou por necessidade, visitar a fazenda todas as semanas, onde conversava muito com o administrador, pessoa de sua irrestrita confiança. Ela não se lembra de tê-lo acompanhado alguma vez. Comentou até o desejo de conhecer a propriedade, mas era sempre encaminhada para outra atividade durante a sua ausência. Não perguntassem sequer onde estaria localizada que ela não sabia responder.

Nada porém lhe fazia falta exceto amor e um ciúme até certo ponto doentio que ela ignorava pois não lhe dava razões para desconfianças.

Com respeito à convivência com os serviçais, Braz exclusivamente lidava com isso, não querendo que ela se envolvesse com qualquer ocorrência ou ordens na casa.

O telefone tocara. Era o fixo. A governanta trouxe o aparelho até D.Martha que atendeu e devolveu a empregada que levou ao local de origem.

Ela pediu licença e se levantou acompanhada por Bard. Na ocasião ele quis se aproveitar para enlaçá-la, mas ela se desviou com um gestinho manhoso afirmando que era muito séria apesar das aparências.

O Stanley se perturbou mas se conteve, reconhecendo que estava se

excedendo com tal atitude. Ela era sua cliente e estavam tratando de assuntos profissionais.

Martha Luccovico havia acionado a sineta chamando a governanta e mandou que o Detetive fosse atendido no que desejasse e que ela iria se trocar pois uma equipe de jornalistas e fotógrafos de uma revista alemã estava para chegar solicitando uma entrevista.

Sand aproveitou estar à sós com a Governanta, indo direto no que gostaria de saber.

- Não tem idéia alguma de quem matou o seu patrão, senhora?

- O que tinha que falar sobre o assunto já informei à polícia.

- Menos a autoria do crime.

- Não vi. Não sei.

- Quem primeiro socorreu o Sr. Braz?

- Eu.

- A Senhora já estava acordada?

- Sempre acordo cedo.

- A morte foi instantânea?

- Ele não falou nada – se é isto que quer saber.

- E com respeito ao criminoso?

- Que criminoso?

- Quem atirou nele, lógico.

- Ah! Esse também não vi. O dia estava amanhecendo não dava para se identificar vultos.

- Vultos? Era mais de um?

- Não sei dizer. Só vi um.

- Viu? Como era ele?

Ela então descreve um tipo estranho, totalmente diferente de qualquer um que freqüentava a mansão.

Debochadamente Sand reforçou: - Pelo que a Sra. descreveu, o Administrador da Fazenda era esse tipo!

- Como? – repeliu ela de imediato. – Totalmente contrário de como ele é.

- E por falar nele, onde ele se encontrava na hora do crime?

- Não sei, mas ouvi dizer ao policial que estava dormindo e não percebeu coisa alguma.

- Acho que a Senhora tem alguma coisa a ver com o crime e sabe quem matou o seu patrão.

- O Senhor está me acusando?

- Desculpe. Não costumo entrar em um caso e deixa-lo sem solução.

- E está querendo que eu seja o bode expiatório?... Vou me retirar. A patroa já deve estar chegando. Sirvo-lhe outro aperitivo?

- Não, obrigado. A Senhora usa arma?

- Eu?... Não senhor.

- E por que está armada?

- É que... o Administrador tinha que sair e deixou a dele comigo.

- Sabe manusear?

- Não senhor... Não sei... Numa necessidade...

- O Administrador viaja hoje?

- Não sei não senhor. Aqui, cada um de nós guarda o seu silêncio.

- Podia fazer o favor de dizer que eu gostaria de falar com ele, agora?

Pediu licença e saiu imediatamente.

Stanley Bard se aproveitando que estava só, ligou pelo celular para o Delegado, seu amigo:

- Você sabe onde estou. Venha para aqui agora, com urgência, trazendo mandado, inquérito, viatura, guarnição, tudo. Vou lhe entregar as razões e autoria do crime. Desligo.

Não demorou muito, a sineta toucou e a Governanta foi abrir a porta.
Eram os jornalistas. Depois das apresentações foram para o salão principal, palco bem apropriado para estas reuniões.
Martha retornou do vestiário.
- Com licença. Sr. Bard – falou Martha. – Quer nos acompanhar? Prometo que não demoro.

- Espero aqui, obrigado. Respondeu Bard.

O Detetive bisbilhotou um pouco o recinto enquanto aguardava a vinda do Administrador que pouco depois adentrou ao recinto.

- Boa noite, Senhor. Com licença. Mandou me chamar?

- Sim, por favor. Gostaria de saber desde quando está na cidade.

- Aqui venho sempre, senhor. Basta que o patrão me chame.

- Você espera continuar administrando a fazenda?

- Não vai depender de mim, doutor. A patroa é quem manda agora.

- E como deveria se transformar tudo aquilo se a intenção da patroa fosse de se dedicar exclusivamente à criação

- Ela...

Bard interrompeu a resposta. – Alguém já deve ter dito para ela que você não entende nada de lavoura e animais.

- Quem disse isso?

- Estou dizendo agora. Satisfaz?

- O Senhor não me conhece!

Neste exato momento todo o pessoal que estava com Martha se retirou e foi levado à porta pelo Administrador.
Sand Bard se aproveitou para renovar o seu sentimento de admiração pelo seu porte, sua beleza.
Ela riu e foi pessoalmente preparar um drinque para ela.
Não deu tempo do Administrador sair do recinto quando a sineta toca novamente.

Era o Delegado do Inquérito e sua tropa de choque. Mandou que todos tomassem seus postos e veio cumprimentar a dona da casa.

- Então, Stanley. Vim atender o seu chamado – disse o Delegado.

- Perdão, D. Martha. Tomei a liberdade de chamar o Delegado do Inquérito, pois como me contratou, quis lhe prestar contas do trabalho. Peço que reúna nesta sala todos os empregados dos serviços domésticos.

Quando os trabalhadores da casa estavam reunidos, Stanley Bard,
falou:

- Delegado: Antes de vir para cá, passei pela Polícia Federal. Acabavam de prender um estrangeiro lider de um cartel de entorpecente e de grande influência em nosso país. Estava contando muita coisa graças a delação premiada.
Braz Luccovino fazia parte desse cartel.
Através de suas telas e molduras, o rapasse das drogas seguia uma rota imperceptível da polícia até que, certa feita, caiu numa teia e resolvera abandonar o crime. Lógico que a sua vontade não poderia prevalecer.

Foi articulado o seu desaparecimento tendo como executor o Administrador da Fazenda. Por sinal, é na fazenda onde são providenciadas todas as operações do bando. Já descobriram tudo.

O Administrador não contava com a reação do patrão e depois de atirar houve o revide e ele, num tombo em falso deixara cair o revólver. A Governanta, sua amante e partícipe, observando o ocorrido, foi apanhar a arma que no momento deve se encontrar em seu poder.

O principal Delegado, e líder absoluto de tudo, está aqui na nossa frente: D. Martha Luccovino. É membro atuante no cartel e de grande poder no mundo do crime. Ambição é a lógica para razão de sua atitude.

Martha que ouvira tudo em absoluto silêncio, chegou mais perto do detetive e sussurrou que ele fora muito burro e não soube esperar a grande noite de amor que preparara para ele.

Imagino... imagino, D. Martha. – respondeu STANLEY BARD.


211007

sábado, outubro 20, 2007

O QUE É DE GOSTO, REGALA AO PEITO!


HUGO CALDAS

Na década de setenta eu conheci um gringo tão cuidadoso, mas tão cuidadoso com o corte do seu cabelo, que chegava a viajar 500 quilômetros todo santo mês para ir ao seu barbeiro predileto. Como em sacrossanto caminho de São Thiago, ele pegava um avião em sua cidade, às seis da manhã e viajava quatro horas. Na chegada ao destino alugava um carro, dirigia mais 120 minutos e ia direto entregar suas grisalhas madeixas aos cuidados do tal barbeiro. Cortar o rico cabelinho com seu cabeleireiro particular era para ele uma espécie de catarse. Essa determinação já vinha sendo seguida à risca há mais de dez anos. Quando perguntado sobre a razão das excêntricas viagens ele simplesmente respondeu...

- “E por que, não? O meu cabeleireiro sempre faz um belo corte. Eu dou muita importância à aparência do meu cabelo." Simples assim!

A máxima, miríades de vezes repetida por minha avó, "o que é de gosto regala ao peito," aqui se aplica como uma luva. Ora convenhamos! Se o dinheiro é da pessoa, que ela faça o melhor uso possível. O que lhe vier à telha. Ninguém tem nada com isso. Vai ter mais é que gastar. Não se escapa da morte e dinheiro não tem valor do outro lado.

Toda essa historiada vem, à propósito de ter visto recentemente na tv em matéria jornalística sobre o luxo nacional, uma bolsa feminina no valor de nada mais nada menos, pasmem, 36 mil reais. Caro? Uma afronta? Não sei, não.

Vamos parar antes mesmo de começar, com o conhecido rosário de elucubrações socio-petistas-marxistas, até porque todo esse discurso coitado, tornou-se a coisa mais antiga deste mundo. Tão fora de moda! Já foi há muito, para o beleléu. Mas, divago! Voltemos à terra firme. Se alguém acha de taxar o supra citado mimo com tal elevado preço é porque existe mercado. Ou seja, tem gente que compra.

Estão lembrados da Rolls Royce?

Para os mais esquecidinhos, a Rolls-Royce era uma empresa inglesa que se tornou famosa pela fabricação dos automóveis mais luxuosos e mais caros do mundo. Se você manifestasse o mais remoto desejo de ser o feliz possuidor de uma dessas máquinas, teria por força que se cadastrar e somente após a devida investigação, seria determinado se você iria ou não ter a suprema honra de possuir uma jóia de raro valor como o Rolls Royce. Jamais alguém questionou o preço, bem como as condições para comprar um desses automóveis.

Em Los Angeles uma loja me causava o maior espanto ao constatar que as suas portas estavam sempre fechadas. Podíamos ver o interior. Maior luxo. A loja tinha clientes cadastrados e cada um deles teria que telefonar, um de cada vez, para que abrissem os dourados portões e lhes atendessem. Pintada quase toda em ouro cobre e cor de pérola, um horror de mau gosto. Coisa kitsch para americano rico. Havia mercado, pois não? Ninguém inventa uma loja para ficar eternamente fechada. Nem mesmo americano, ora pois!

Lembro agora da "Daslú"...

Que coisa feia. Que jogo mal feito para a platéia. À época, até cheguei a ver na tv um agente da polícia reclamar: "O preço está uma exorbitância". Desde quando agente de polícia é economista? Será que fizeram curso de matemática financeira, formação de preço? Policial entende de mercado comprador/consumidor?
O vergonhoso é que mandaram 250 policiais civis para prender uma moça. Alegaram, quando o ridículo ficou evidente, uma suposta sonegação de impostos. Tudo muito bem. Investigue-se. Para isso existem os canais competentes. Aliás é sempre bom lembrar que a polícia americana quando tratou de acabar com a festa de Al Capone, gangster famoso, o enredou numa teia de sonegação de impostos. Nunca que eles mandariam a 7ª Frota ou a Cavalaria, John Wayne no papel do "Intrépido General Custer" à frente, para prender o homem. Eles não seriam doidos nem nada.

E como tudo em Pindorama termina em pizza, em samba, ou avacalhação...

"As priminhas" resolveram criar uma Grife e uma ONG com o sugestivo nome de "Daspú". Ontem mesmo uma das fundadoras da Ong estava na tv deitando falação. Tudo leva a crer que tem lingüiça por debaixo desse angu. Tem gente faturando um extra para dar a devida assessoria às garotas da Daspú. Já começam a desvirtuar. Uma pena!

hugocaldas.blogspot.com
newbulletinboard.blogspot.com
hucaldas@gmail.com

terça-feira, outubro 16, 2007

O ÚLTIMO CAPÍTULO DO CRIME

CARLOS MELLO

Ao outro dia, o padre Amaro acordou alarmado. Sonhara toda a noite com turbas exaltadas de comunistas a atear fogo às igrejas, a espingardear condes e sacerdotes, a violentar as damas da alta sociedade. Mas agora, diante do espelho, sentindo lá fora a ordem costumeira da rua, verificava com agrado seu rosto ainda liso, quase sem ruga, o olhar vivo, o cabelo cheio, apenas com uma ou outra branca, que até lhe conferia um ar mais respeitável.

Decididamente o clima de Santo Tirso, as boas águas, a alimentação farta e bem preparada pela boa Gumercinda, o arroz de forno, o caldo de galinha que até lembrava o da Sanjoaneira, tudo lhe fizera um imenso bem. E esperava a infusa de água quente para escanhoar a cara, que trazia sempre bem rapada, habituara-se a isso para satisfazer a criaturinha que lhe fizera a felicidade naquela paróquia, aonde chegara infeliz e cabisbaixo depois da alhada por que passara em Leiria. Mas, ao cabo de tantos anos, a dor sumira, a tristeza se mudara em alegria. Na tarde seguinte ia estrear a batina nova, que lhe dera uma confessada rica, a Sr.ª D. Adelaide, esposa do abastado Comendador Teles, uma soberba batina de lustrina, sedosa e encorpada, com um brilho discreto nas dobras. Porque fora convidado para o chá no palacete do Conde de Ribamar, às 5 horas da tarde, e desde já ia preparando frases sobre a missão do sacerdote, nesse mundo conturbado pelo materialismo e pelos satânicos ideais republicanos.

Aquela mazorca em Paris era a prova cabal da catástrofe inevitável para onde levam essas idéias. Idéias que infelizmente já haviam chegado a Portugal, eram discutidas nas rodas intelectuais, apresentadas nos artigos de jornais. Amaro pretendia expor opiniões próprias, em apoio às afirmações conservadoras do conde, aquele esteio da ordem. Contava assim impressionar os presentes, facilitar seu empenho para Vila Franca.

Uma sombra entretanto toldava aquele dia radioso: a lembrança do problema que lhe sobreviera na paróquia e a solução difícil, mas definitiva que escolhera. Pois não é que a criaturinha tão doce, que tantas alegrias e gozos lhe dera, agora se lhe tornara um problema sem medida? Estava grávida, de três meses, já a cinta ia-se-lhe arredondando, os seios mostravam-se mais entumecidos. Amaro conhecia aqueles sinais, e como! Não estava disposto a passar por tudo de novo, que diabo, não podia um homem estar a seu gozo sem que as raparigas embuchassem? No início, gato escaldado, seguira os conselhos do cônego, com quem se carteava desde que saíra de Leiria: “Busque as mais idosas, em quem já haja cessado o costume das mulheres. Não corra risco de outra gravidez”

Mas qual! Engraçara-se daquela rapariga tão logo chegara à paróquia, ela tinha apenas dezasseis anos. Fora um caso bem diferente da Amélia. Esta era bem pobre, morava com uma tia fora da cidade, e vinha às terças-feiras trazer a roupa passada. Desde o início, Amaro procurara usar o artifício do coitus interruptus, mas nem sempre o conseguia. Até então a rapariga não engravidara por pura sorte. Mas de repente deu-se o que ele temia. E agora tratava de buscar uma solução urgente. Conseguira com muito custo um medicamento que provocava a parturição prematura, mas desconfiava que ela o deitara fora.

Queria então enganá-lo, a songuinha, ter o filho, proclamar aos quatro ventos a paternidade de Amaro e assim expô-lo à censura do clero, ao escárnio da cidade, arrastá-lo a irrisões piores? Pois espera que te curo! Decidiu-se então por uma solução drástica: enviou a rapariga a Lisboa, com instruções para hospedar-se em uma pensão no Largo de Santa Bárbara. Afirmou que estava disposto a terem o filho, ela ficaria morando na capital, longe dos mexericos da província, ele a visitaria sempre. Obtida sua confiança, a convenceria a ingerir aquele medicamento, cujo vidro trazia no bolso, envolto em uma folha de jornal. Era láudano, esse não falharia. No dia seguinte, dariam por ela e, como não soubessem quem era, uma rapariga que se hospedara numa pensão reles e aparecera morta, julgariam ser alguma rameira qualquer, mandariam o corpo para o necrotério e dali para a vala comum.

Era uma solução de desespero, que ele tomara depois de muito meditar. Mas não havia outra, que diabo, não podia destruir sua carreira, justamente agora, que podia considerar-se quase um comensal do Conde. E depois, se estalasse o escândalo, perderia para sempre o prestígio com o Conde, seu protetor. Estava a vê-lo com seu ar austero, a pitada suspensa, a verberar-lhe o péssimo exemplo que dava ao clero, sobretudo aos padres mais novos! Não, por força! Não iria destruir sua carreira, as boas relações que já ia fazendo em Lisboa – para onde pensava um dia vir em definitivo, em uma posição superior. Um escândalo daqueles destruiria tudo. Com certeza a solução era aquela.
Nesse instante chamaram de baixo, da porta de entrada. Era a empregada da pensão, uma rapariga sardenta, de quadris empinados, que fizera muito olho ao Amaro ao mostrar-lhe o quarto. Aquela pensão fora recomendada pelo Sr. Chantre, que ali se hospedara de passagem para Santo Tirso:
- Em indo a Lisboa, colega, essa é a pensão, um lugar limpo, confortável e decente, onde um eclesiástico podia estar a seguro em Lisboa.

Era um prédio antigo, de quatro andares, e pertencia a uma senhora idosa, que na mocidade fora querida do desembargador Curvo Semedo, da Arcádia. Agora, obesa e hidrópica, tinha naquela pensão sua fonte de sustento, e a rapariga sardenta era seu braço direito, para varrer, lavar, passar, arrumar os quartos dos hóspedes. Viera do Minho, enviada pela mãe, sua antiga criada de quarto, nos tempos de fasto. Amaro chegou à escada, perguntou-lhe o que queria.

- Visita para o senhor – gritou a rapariga na sua voz minhota. – Diz que é o senhor cônego Dias!
- Que suba! – berrou Amaro. E rosnou baixo – Fracas horas para embaixadas! – repetindo um dito do cônego. Contava arrumar um pretexto qualquer para chamar a rapariga ao quarto, ver mais de perto seus quadris buliçosos. Que ela fazia-lhe olho, fazia-lhe. Mas depois lembrou da idade do cônego e ajuntou:
- Pode deixar! Diga ao senhor cônego que eu desço.

Embaixo, levou o cônego para a saleta “das visitas”, um quarto de frente, com um sofá, duas poltronas, e uma janela emperrada dando para a rua.

- Por aqui padre-mestre! E a essa hora da manhã! Pensei que já estava de volta a Leiria!
- Homem, não se me dava de já lá estar, mas ainda tenho de ver a demanda com a corja dos Pimentas. Mas o que me traz aqui é algo grave.

Amaro empalideceu. Que seria, santo Deus? Pensou logo em alguma desgraça, a morte da Sanjoaneira, um novo escândalo. Ultimamente dera para pensar no canalha do João Eduardo, que se fizera rico com a herança do Morgado de Poiais. Todas as propriedades de Alcobaça, a carruagem, os cavalos, e até dinheiro de contado tinham ficado para ele. E, agora rico, provavelmente aguardava uma oportunidade de vingança. Só recobrou a calma quando o cônego explicou o que o trazia ali. É que na noite anterior fora visitar o padre Saldanha – agora protonotário apostólico em Lisboa e preso à cama com um ataque de gota – e este lhe pedira um grande favor. Uma das atribuições do Saldanha era informar por relatório a Roma qualquer ataque sofrido pelo clero português, quer vindos da imprensa, quer de outra fonte com larga repercussão no país. E ele soubera de uma opereta, estreada no São Carlos, que dava uma desanda no clero. Como ele não podia ir até lá, e o cônego era desconhecido em Lisboa, solicitava-lhe o favor de substituí-lo nessa tarefa. Ora, o cônego não podia furtar-se a um pedido dele. Mas, habituado à pachorra de Leiria, sem jamais ter entrado em uma casa de espetáculos em toda a vida, não sabia como fazer e contava com o amigo Amaro para aquela empreitada.

- Ora essa, padre mestre, e que temos nós a ver com isso? Eu não freqüento teatros, muito menos o luxo do São Carlos. E que diferença faz mais uma desanda no clero, nesses tempos de irreligião e materialismo? Com franqueza, isso era caso para a polícia correcional, não para padres...
- Mas não se trata disso, Amaro. Trata-se do autor!
- Do autor? Que autor?
- O autor da ópera, do drama, sei lá do que... É o maldito do Agostinho, que nos volta. E em Lisboa, com tantos intelectuais e escritores a favor desses achincalhes, a coisa pode ser séria.
- Agostinho... Que Agostinho?
- O Agostinho Pinheiro, da Voz do Distrito, pois não lembra? Veio para Lisboa, deu para escrever burletas contra o clero. O maldito levou-lhe tempo, mas sempre aprendeu com o João Eduardo.
- O Agostinho? É o mesmo da Voz do Distrito? E agora escreve comédias? Mas ainda não vi onde isso possa nos trazer algum mal.
- É que o diabo do homem ficou amigo do João Eduardo, e conhece muita coisa de nós. E creio que é o escrevente quem o financia...
- Canalha de gente! Bem dizia o Natário, é necessário esmagá-los. Mas crê que haja alguma alusão a nós?
- Homem, eu não sei. Quem me falou que os dois tornaram-se grandes amigos foi o Brito, que agora é pároco da sé de Lamego e está aqui em férias, em casa de uma irmã.
- O Brito! Bela figura! Então o Brito conseguiu a sé de Lamego? Boa posta é, e com a côngrua, e os presentinhos... Deve estar bem de vida, então.
- Muito bem, vê-se-lhe pelo cordão de ouro que exibe no bolso da batina, pela boceta de rapé, de ouro e marfim. Uma jóia! Que o Brito tomou juízo, o ar da serra arejou-lhe a cabeça. E aí está o motivo da minha visita.
- De forma que espera que lhe faça companhia?
- Na verdade, Amaro, gostaria que fosse sozinho. Que me poupasse esse esforço, se é que acha que mereço...
- Por quem é, padre-mestre! Sei muito bem o quanto lhe devo. E a que horas é a tal ópera?
- Creio que os jornais devem trazer o horário, os preços. Há jornal de hoje por aqui? Ótimo. E quanto a despesa da entrada, do transporte, não lhe dê isso cuidado.
- Não se incomode. E logo de manhã já terá um relatório, se puder vir novamente visitar-me. É que tenho um encontro à tarde, na casa do senhor conde de Ribamar, a condessa estará presente e não quero atrasar-me.
- Cáspite! É você quem lavra aquilo, ladrão?

Amaro sorriu envaidecido. Aquela admiração do cônego o envaidecia. Não quis explicar que a condessa já era velhusca, cheia de caturrices, e com um buço mais eriçado que uma escova de arame.

- Muito bem, padre-mestre, até amanhã então.
- Até amanhã. E creia que esse favor não cairá em terreno sáfaro.

Amaro subiu as escadas contrariado. Não era só a despesa da carruagem, do ingresso, mas também a maçada, entrar no teatro sorrateiro, de casaca preta, com receio que lhe vissem a tonsura. Mas não podia negar-se ao cônego. Que diabo, seria deveras uma ingratidão! Decidiu ir.

Agora, no quarto, voltou-lhe o desejo de ver de perto a rapariga sardenta. Chamou-a, pretextando necessitar de mais uma toalha. A rapariga já vinha mesmo subindo, com uma braçada de toalhas limpas. Entrou no quarto com a tranqüilidade de quem é dona de si. Amaro entrou atrás, já sentindo um calor percorrer-lhe o corpo.

- Mas que mal anda isto cá, senhor pároco! São quase dez horas, a cama por fazer... Não quer sair um instante, enquanto arrumo?
- Não posso.
- E por quê?
- Porque sim.
- Ora essa, senhor padre Amaro. O quarto é seu, ponha-se à vontade. Pensei que estaria melhor lá embaixo. Ainda nem almoçou...
- É que prefiro ficar aqui, ao pé da menina.
- Não diga isso, senhor padre. – riu-se a rapariga.

Amaro aproximou-se, suas mãos tremiam um pouco. Acariciou seus cabelos, puxou-a devagarinho contra si. Beijaram-se. Mas o homem do quarto vizinho vinha subindo a escada, escarrou alto. De um pulo Amaro colocou-se na porta. Falou alto, para que ele ouvisse.

- Pois então, a menina fica à vontade para arrumar o quarto, que já estou de saída. Logo mais subo para barbear-me.
- Pois até logo mais, senhor pároco.

Ao cruzar com o homem na escada, Amaro tocou de leve no chapéu, cumprimentando.

- Muitos bons dias, senhor padre. Se vai sair, olhe que está ameaçando chover. É melhor levar guarda-chuva.
- Muito agradecido a V. Excia. Vou somente tomar um café à esquina.

À noite, Amaro mandou buscar carruagem, saiu teso na camisa engomada, de colarinho virado. Ia um pouco temeroso, como em uma missão perigosa. Mas uma vez dentro do teatro, conscientizou-se que ninguém olhava para ele. Todos pareciam antes preocupados em aparecer, em mostrar-se. Pôde assim gozar à vontade do espetáculo que se passava na platéia, as pessoas entrando, homens graves, de monóculo de ouro, mulheres com largos vestidos de seda, que faziam um frou-frou delicioso. Antes, essas visões do luxo mundano o acabrunhavam e entristeciam. Quem era ele, pobre padre de aldeia, para usufruir daqueles luxos, da companhia daquelas mulheres perfumadas, que riam e falavam alto? Mas desde o caso com a Ameliazinha, vira que podia levar uma vida bem agradável. Aprendera muito sobre isso com o cônego, e aí via mais um motivo para tratá-lo de “padre-mestre”.

No palco, as cortinas fechadas, a orquestra preparava-se para entrar em ação. A platéia já ia silenciando, na expectativa do espetáculo. A orquestra rompera os primeiros acordes, o pano erguera-se. O cenário era um átrio de convento, as freiras passavam com seus longos terços na mão. Mas de repente risadas estouraram, alguns fungavam de riso. Amaro viu que uma das freiras era muito bonita, tinha um rosto claro, e conversava com outra que mais parecia um homem, de voz grossa, e compreendeu vagamente que contava alguma coisa para a outra, que se fez muito triste. No final do primeiro ato, não teve coragem de levantar-se da cadeira. Um sujeito ao lado, gordo e de pêra, que continuava a rir, perguntou-lhe se gostara.

- Sim, muito. – respondeu intimidado.
- Pois hoje é o terceiro dia de espetáculo e olhe que tenho vindo todos os dias. É uma delícia. Vem sempre ao São Carlos?
- Não, quase nunca. Na verdade moro na província, venho pouco a Lisboa.
- É, na província não há dessas coisas. Verá como o segundo ato é ainda mais gaiato, embora com instantes dramáticos.
- Gaiato?
- Sim, gaiato. Como sabe, trata-se de uma ópera bufa, a intenção é fazer rir ridicularizar, tudo com intenções de crítica social.
- Ah, compreendo. É que não percebo bem o que dizem quando estão cantando. Parece-me que há uma intriga...

O sujeito da pêra explicou-lhe miudamente o enredo, antecipou o desfecho. Amaro dava graças aos céus por aquele homem providencial. Assim poderia dar um relatório completo ao cônego. Resolveu ir embora, agora que o sujeito saíra para espairecer, acendendo um charuto meio fumado. Contava chegar em casa a tempo de encontrar a criada ainda acordada...

O cônego chegou na manhã seguinte à mesma hora da véspera. Amaro levou-o novamente para a saleta e contou o enredo da ópera. Explicou o que era uma ópera bufa, e como aquela apresentava uma calúnia assacada contra a vida claustral, uma freira apaixonada pelo jardineiro do convento, uma outra que mais parecia um homem. O cônego riu muito de tudo, embora achasse que aquilo realmente constituía um desacato à religião e ao clero.

- E enquanto a calúnias, Amaro, sabemos que há dessas coisas por lá também. Algumas religiosas têm amantes, empregados do convento, médicos, até padres...
- Que me diz, padre-mestre?!
- Pois é, que quer o amigo? Elas também sabem apreciar o que é bom. Disse-me o Natário, que já foi confessor da Encarnação. E ouviu poucas e boas.
- Mas contou-lhe o que ouviu em confissão? E o magnum sigilum?
- Ouviu em confissão sim, homem, o que tem? O que ouvimos no confessionário é segredo quando se trata de pessoas conhecidas. Mas essas religiosas, que nunca vimos... E isso foi aqui há anos...
- Tem razão padre-mestre.
- É claro que tenho. E agora vou deixá-lo que tenho um encontro com o meu procurador. Ainda nos vemos?
- Não creio, padre-mestre. Parto depois de amanhã para Santo Tirso.
- E o encontro com o senhor conde?
- Será hoje à tarde. Mas já está resolvido, dentro de uns três meses assumo a sé de Vila Franca.
- Seu maganão! Pois vá você na companhia dos anjos.
- Amém, padre-mestre.

Abraçaram-se carinhosamente. Amaro subiu para o quarto devagar, enquanto pensava. Bem boa tinha sido a vida para ele, desde Leiria. Tirando as aflições com a morte da Amélia, que tanto o afligira, o mais correra muito bem. Tivera a carne regalada em Santo Tirso, teria também em Vila Franca. Em todo lugar havia chance para um “padre janota”, como infamemente o qualificara o João Eduardo. Janota! Pois sim! Mas tivera nos braços a Amélia, depois a bela amante em Santo Tirso. E contava essa noite mesmo deliciar-se com a criada da pensão, rapariga fogosa como o demo. Bem dizia o padre-mestre: “É o melhor que a gente leva dessa vida!”

Na casa do Conde tudo correu melhor do que Amaro imaginara. Não ficara mais na posição acanhada e subalterna que tivera na primeira visita, quando a condessa era ainda jovem e bonita, e ele apenas um padreco recém-ordenado. Não. Dessa vez conversara, chegara mesmo a entoar uma canção que aprendera em Santo Tirso, de um padre que vivera na Bahia, e que dizia Lindas moças, lindas moças... Tudo aquilo fizera grande efeito e com certeza acelerara sua indicação. O Conde afirmara mesmo que “o Sr. Padre Amaro tem serviços prestados ao governo e ao país, merece ter atendida sua pretensão”. E lá estava com ela no bolso, num envelope fechado com o lacre do Conde. Calcou o bolso para sentir o envelope, e sentiu algo mais volumoso. Era o vidro de láudano! Pesquisara muito o assunto, era mais do que seguro, uma dose daquela faria adormecer um elefante. Para sempre!

É verdade, agora vinha a parte mais desagradável. Tinha de ir à pensão, trocar a batina pelo traje civil, cobrir-se com o chapéu e sair furtivamente. Àquela hora havia pouca gente nas ruas, podia ir e voltar sem ser visto.
Saiu da pensão em trajes civis e chapelão. Achou mais prudente andar alguns quarteirões, depois tomou uma tipóia. Deu a direção ao cocheiro procurando fazer uma voz diferente. Não queria deixar nenhuma pista. Desceu próximo ao local combinado e foi andando devagar. Lá estava a rapariga, com seu xaile desbotado e um ar infeliz. Amaro teve-lhe ódio, mas fingiu que estava ansioso para vê-la. Estreitou-a nos braços, beijou-lhe a cabeça. Ela apegava-se a ele com as mãos trêmulas, caminhava com dificuldade.

- Mas que tens tu, rapariga, que mal andas?
- Estou um pouco tonta. Não comi nada o dia todo.
- E por que fizeste isso? Não te dei eu dinheiro para comeres?
- É que... senti-me tão sozinha, tão infeliz...
- Ai que me vens com tonteiras! Minha rica, se nosso amor pudesse se passar às claras, bem o queria eu, botava casa para a menina e íamos viver juntos. Mas bem sabes que não posso. Se me amasses...
- Sim? E não te amo eu, mais que tudo neste mundo, mais até do que o nosso filho?
- Pois bem, então toma o remédio que te trouxe. É para teu bem.
- Deixe-me conversar um pouco antes. Vamo-nos sentar naquele banco de praça.
- Tenho pouco tempo, preciso chegar à pensão antes das onze, ou fico fora.
- Não podes dormir comigo onde estou? Sinto-me tão só, tenho pesadelos.
- É que estás a pôr as coisas difíceis. Pensas que para mim é pouco sacrifício, vir a Lisboa só para estar um pouco contigo? Aqui tens o remédio, toma-o.

A rapariga tomou o vidro desconfiada. Tirou a rolha, sentiu o cheiro forte do láudano. Tomou apenas um gole.

- Que tens tu? Por que não o tomaste?
- É que sabe tão mal! E que cheiro forte ele deita!
- Pois toma-o logo, não o fiques a cheirar.
- Não consigo.

Amaro exasperou-se. Agarrou o frasco, abriu-lhe a boca a força e despejou o conteúdo. A rapariga engasgou-se, esteve quase a vomitar. Depois começou a chorar baixinho. Amaro resolveu ser cauteloso.

- Que tens agora, meu amor?
- Apre, que me machucaste.
- Foi por facilitar as coisas. Não te ponhas lamuriosa. Nem sabes que bem esse remédio te fará. Vem, recosta-te em mim. Tens frio?
- Um pouco. Estou muito cansada.
- Pois descansa.
- Não tens de ir embora?
- Ficarei até que melhores. Estás melhor?
- Sim. Amaro, tu me amas deveras?
- Se não crês...
- Creio sim. É que o mundo é tão mau...Oh, sou tão infeliz...

Felizmente o tempo estava frio, ninguém se atrevia a enfrentar o descampado da praça àquela hora. Passou um pedestre de polícia, olhou e seguiu caminho. A rapariga estava agora inerte e ressonava. Amaro teve o cuidado de certificar-se de que dormia pesadamente. Embrulhou o vidro vazio no jornal, guardou-o no bolso. Olhou para os lados, não viu ninguém, reclinou a rapariga no banco da praça e abalou. Chegou à pensão depois da meia-noite, tivera de caminhar dois quarteirões e correr para tomar um americano que passava ao longe. Bateu à porta levemente, com os nós do dedo. A rapariga sardenta esperava-o, abriu sem dizer palavra. Subiram para o quarto de Amaro. Depois ela desceu em bicos de pés, ele enfiou-se debaixo das cobertas. Chovia forte. Àquela hora, no Largo de Santa Bárbara, o pedestre de polícia procurava acordar a rapariga, encharcada sob o temporal. Mas ela já não mais fazia parte do mundo dos vivos.

sábado, outubro 13, 2007

ASSINA EMBAIXO?

HUGO CALDAS

Bem que eu tento. Prometo, juro por todos os santos do céu e pelos capetas do inferno que jamais voltarei a comentar as sem-vergonhices perpetradas nesta terra em que se plantando tudo dá. Mas, via de regra, me vejo forçado a descumprir o prometido. Escrevo estas mal traçadas nos rastros frescos da licença do Calheiros. Não é que o homem conseguiu tirar, ele mesmo, o côco?! Segura o refrão aí, moçada!

- Oi, trepa no coqueiro tira côco gip-gip nhéco-nhéco no coqueiro orilá.....

Mui merecidamente o presidente do Senado faz jus ao prêmio Óleo de Peroba de Marfim para o cara de pau do ano. Aliás, o emporcalhamento da cidade sonhada por Dom Bosco vai ficando cada vez mais sublime. O Senado Federal há muito já se encaminha para o perigoso terreno da galhofa. O senador Almeida Lima, com aquela cara de quem vive eternamente com prisão de ventre, convenceu-se de que é um estadista de atuação notável nos trâmites políticos, um pândego. A visão apocalíptica dos cabelos desgrenhados do senador Wellington Salgado me leva aterrorizado a bater três vezes na madeira. Porém não é sobre isso que gostaria de conversar hoje. É que encontrei meio por acaso, certos guardados que há muito dormiam nos meus arquivos implacáveis. O achado se revelou bem interessante.

POR QUE LULA?

No dia sete de setembro de 2002, um sábado, as pessoas abaixo relacionadas foram instadas a responder a singela pergunta acima: Todas, absolutamente todas elas, deram as declarações que se seguem. Hoje, passados mais de cinco anos, tirante os que já se foram para o andar de cima e o deputado Gabeira que se desdisse e rompeu logo no primeiro mandato, será que ditas personalidades, a fina flor da ciência, das artes, da música, filósofos, formadores de opinião, sociólogos, juristas, escritores, psicólogos et coetera, ainda continuam a pensar da mesma maneira? Confiram o que disseram então. Decidam quais, dentre todos, os que deverão ser agraciados com a camisa-de-força de ouro.

Eis as respostas:

Porque eu voto no Brasil.
Jards Macalé, compositor

Sempre fui Lula, desde 1989. É Lula e pronto.
Nem quero falar mais para não atrapalhar.
Chico Buarque de Holanda, compositor

Por três razões: a primeira é o Serra; a segunda, o Garotinho
e a terceira, aquele nervosinho, o Ciro.
Leandro Konder, filósofo

Porque acredito no Brasil e acredito em nós.
Bete Mendes, atriz

Lula sempre; hoje mais que nunca.
Maria Nazaré, professora da USP

É a solução social e a solução brasileira.
Aldo Lins e Silva, jurista

Porque representa a ruptura, o novo, o povo.
O que veio de baixo.
Leonardo Boff, teólogo

Por tudo que significa: luta e esperança.
Fernando Morais, jornalista e escritor

Pelo acúmulo político que o PT reúne.
Porque ele é o nome emblemático dessa trajetória.
Chico de Oliveira, economista

Por sua tradição de luta, para ampliar os direitos neste país.
Lúcio Kowarick, sociólogo

Por compaixão ao povo brasileiro.
Augusto Boal, teatrólogo

História, história, história. Lula tem e faz história.
Ênio Candotti, ex-presidene da SBPC

Vai trilhar os caminhos que a gente precisa.
Marcos Winter, ator

Pela mudança. Para fazer uma varredura,
porque o povo não agüenta mais.
Nelson Sargento, compositor da Escola de Samba Mangueira.

Porque Lula tem a verdade nos olhos e vai tirar o país do caos.
Mozart Noronha, pastor

Lula é sinônimo de esperança. E dela precisamos muito.
Nilcéia Freire, reitora da UERJ

Porque o Brasil precisa de um novo projeto de desenvolvimento nacional.
Márcio Thomas Bastos, jurista

Pelas suas raízes, pelo seu preparo, pela sua crítica ao Brasil arcaico.
Adauto Novaes, professor e produtor cultural

É a chama da renovação.
Fernando Gabeira, deputado federal

É o mais preparado: reúne liderança, conhecimento e determinação.
Maurício Tolmasquim, físico, professor da URFJ

Porque chegou a hora.
Chico Diaz, ator

Porque Lula tem partido, é um homem de idéias e de partido.
Midani, produtor fonográfico

Ele tem um projeto de transformação do Brasil.
Tetê Moraes, cineasta

É um contraponto aos doutores da Sorbonne que quebraram o Brasil,
estrangularam a pesquisa e o ensino público.
Marcus Barros, diretor do Inpa

É a melhor opção para responder à crise social brasileira.
Paulo Gadelha, vice-presidente da Fiocruz

Lula está na sua melhor fase. Me dá esperança, paz e certeza.
Carla Camurati, cineasta

É o mais preparado porque formou-se pela universidade chamada Brasil.
José Leite Lopes, físico

Porque o país não agüenta mais do mesmo.
Camila Pitanga, atriz

É o único para tirar o Brasil dessa situação sufocante.
Nelson Rodrigues Filho, cineasta

Porque ele finalmente está preparado para renovar este país.
Paula e Lucy Barreto, cineastas

É o grande prato da gastronomia política brasileira.
Geraldinho Carneiro, músico

Tem chances reais de ganhar e mudar nossa história.
Wagner Tiso, músico

Porque é a hora dele; é o melhor e dessa vez ninguém tira.
Claudia Ohana, atriz

Esgotou-se o ciclo neoliberal. É como se tivéssemos regredido
dez anos. O país precisa de um projeto nacional e Lula aponta
para isso.
José Luis Fiori, cientista político

É Lula, é Lula, é Lula!
Janaína Diniz, atriz

Porque é a esperança de futuro.
Maria Rita Khel, psicanalista

É hora de ajudar o povo sofrido.
Nunca votei nele, mas agora é Lula.Vamos lá!
Zeca Pagodinho, sambista

Porque fui mal acostumado: cresci em Porto Alegre, na ótima
administração do PT. Aprendi o que é cidadania. Quero o mesmo
para todo o país.
Yamandu Costa, violonista

Lula foi formado pelas experiências de luta de todos estes anos.
É a expressão disso que o país reivindica e precisa.
É a ponte para nossos sonhos de uma sociedade melhor.
Letícia Sabatella, atriz

Para colocar no poder um filho do povo.
Ariano Suassuna, escritor (por escrito)

Lula tem idéias e propostas que se identificam com nossa
trajetória de vida.
Celso Furtado, economista

Tem que mudar, tem que mudar. Há 500 anos eles mandam e não resolvem.
É hora de Lula.
Ziraldo, cartunista

Após tão singelo exercício de imaginação finalizemos a nossa tragédia com Millôr Fernandes que asseverava anos atrás:

"O verde da nossa bandeira representa as nossas matas."
"O Azul, o nosso infinito céu."
"O Amarelo, o nosso enorme desapontamento."

hucaldas@gmail.com

STANLEY BARD em ASSASSINATO NA ALAMEDA 100


Conto policial de VALDEZ JUVAL


CAPÍTULO II

Martha estava querendo que se descobrisse o que havia acontecido e a livrasse de qualquer suspeita. Começava a se comentar no próprio meio investigativo que ela era parte do crime ou mesmo possível mandante. Falava-se da paixão do marido por ela, mas que a mesma não correspondia.

Braz Luccovino era um artista plástico de renome e transformou sua mulher em um modelo para todas as suas obras, especialmente as que apresentavam o nu e o sexo. Martha sentou-se e cruzou as pernas. Estava muito elegante, usando um traje discreto e respeitoso. A bela forma de seu corpo era completada com a proporcionalidade e a bem “esculpida” delimitação.

- Mataram meu marido, Sr. Bard.

E o pior, a polícia acha que tenho participação no crime. Fui submetida a um longo interrogatório e aconselhada a não me ausentar da cidade.

- Em vista das circunstâncias a senhora há de convir que faz parte do problema.
Fez uma pequena pausa e continuou:

- Sem se constranger, pode me falar sobre o seu relacionamento com ele?

- Normal se assim se pode considerar ter que deixar de lado o seu ciúme exagerado.
- Ele lhe exigia mais do que a senhora podia oferecer?
- Ou menos...
- Como assim?
- É uma história que para melhor ser entendida precisa ser começada.

A secretária chegara. Cumprimentou D. Martha e falou com Stanley dando uma ligeira justificativa pelo atraso. Saiu fechando a porta do gabinete.

Bard achou que precisava conhecer melhor a vida daquela mulher e lhe disse que inicialmente iria se informar das investigações policiais. O Delegado do Distrito da ocorrência fora seu colega de Faculdade. Providenciaria uma procuração para que ela lhe desse os poderes necessários que o habilitaria no processo já que para isto valia o seu diploma de Bacharel em Direito e a inscrição na Ordem dos Advogados. Ela perguntou:

- E seus honorários?
- A Senhora se entende com a secretária. E não se esqueça de assinar a procuração. Marcaram um novo encontro para o dia seguinte, em casa dela.

Depois de ficar “bolando” qualquer coisa, levantou-se, deu um “alô” para a secretária, recebeu a procuração e saiu.

Helen, a secretária, já estava acostumada com estes impulsos. Ela sempre ficava enciumada quando o seu “patrão” recebia clientes que despertavam atenção especial. Que podia fazer?...
De qualquer forma ela sabia que não era desconsiderada. Sempre tivera um bom relacionamento dentro ou fora do campo profissional. O respeito se impunha nos momentos de trabalho, mas viviam, bons momentos de prazer quando as oportunidades surgiam.

Stanley Bard também a considerava e sentia deixa-la sem qualquer explicação mas naquela ocasião o “estalo” foi realmente forte e procurou de imediato tomar as providências necessárias.

Quando o Detetive chegara ao carro para proceder às diligências que tencionava, seu celular dá sinal de mensagem e ele recebe uma noticia inesperada: Sua cliente, D. Martha Luccovino, estava dando entrada no Hospital, inconsciente, vítima de tentativa de homicídio.

NOTA: CAPÍTULO FINAL NA PRÓXIMA SEMANA

sexta-feira, outubro 12, 2007

O SENHOR DOS PALCOS

7 de setembro de 1922 12 de outubro de 2007

ONDE ESTÃO OS CARAS-PINTADAS?


CLEMENTE ROSAS

Há quinze anos, saudei com emoção o retorno da juventude às ruas, pela causa da moralidade na administração pública (“As Lutas Estudantis”, Jornal do Commercio, 24.09.92). Era a empolgante mobilização dos “caras-pintadas”, que culminou com o impeachment do Presidente da República. À sua frente , o jovem Lindbergh Farias, hoje Prefeito de Nova Iguaçu. E naquela ocasião evoquei os meus tempos de militância, trinta anos atrás, na União Nacional dos Estudantes, ao lado do pai dele, o médico de mesmo nome, hoje falecido.

Há três meses, a convite do Senado Federal, fui a Brasília para uma sessão solene de homenagem aos 70 anos da UNE e ao Centro Popular de Cultura, criado pela entidade na gestão de que participei: 1961-1962. Embora não tivesse grande esperança de reencontrar os intelectuais e artistas do CPC, hoje brilhantes e famosos – Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Cecil Thiré, Flávio Migliaccio (Vianinha, Armando Costa e Leon Hirzman já se foram) – contava rever os colegas mais próximos da diretoria: Roberto Amaral, Marco Aurélio Garcia e Aldo Arantes. Seria uma reunião de forte conteúdo emocional, pelo muito que convivemos e juntos sonhamos, nos anos ainda dourados que antecederam o desmantelo de 1964.

Somente o Aldo compareceu. Militante obstinado, político em tempo integral, apresentou-me aos seus companheiros do P C do B, entre eles o Senador Inácio Arruda, autor da proposta da homenagem, e a jovem, juveníssima Deputada Manuela d’Ávila. Conheci também o então Presidente da UNE, Gustavo Petta, e a candidata à sua sucessão, Lúcia Stumpf, hoje eleita. Conferi a presença do ex-presidente do STF, Sepúlveda Pertence, que também foi dirigente da entidade um pouco antes de nós, e abracei o Senador Cristovam Buarque, amigo que não via, em pessoa, desde muitos anos.

Não posso dizer que não houve emoção na solenidade, para mim também, apesar de tantas ausências. O Senador Pedro Simon fez um belo discurso, entre vários outros, e a reunião teve seu ponto culminante na homenagem à senhora mãe de Honestino Guimarães, único presidente da entidade a integrar a lista dos “mortos sem sepultura” dos anos de chumbo. Nas galerias, jovens estudantes entoaram slogans e trechos do hino da UNE (letra de Vinícius de Moraes, que achávamos “pouco marcial”, naqueles tempos de empolgação...). Houve emoção, sim. Mas, ao mesmo tempo, houve, de minha parte, uma constatação melancólica, agora acentuada pelos acontecimentos políticos que escandalizam o país, e me fazem voltar ao tema.

A cidadania brasileira vem sendo, dia a dia, afrontada com as graves denúncias de crimes cometidos pelos integrantes dos mais altos escalões da República, e mais ainda com a desfaçatez com que os acusados protestam inocência, contra todas as evidências, e manobram para permanecer incólumes em seus postos. O caso mais recente e mais chocante é o do Presidente do Senado, que tem contra si nada menos que quatro acusações substanciosas. A imprensa o condena, a reprovação popular se manifesta de todas as formas possíveis, mas os estudantes estão silenciosos. Por quê?

Recordo que, nos meus saudosos tempos, a política universitária era feita à margem dos partidos oficiais, que não tinham expressão em nosso meio: o PCB era clandestino, a JUC (Juventude Universitária Católica) não tinha estrutura formal e a POLOP (Política Operária) não passava de um pequeno grupo de jovens intelectuais que editavam um jornal com esse nome. Não planejávamos carreiras políticas, não tínhamos projetos pessoais e nossas ações eram motivadas apenas pelo ideal romântico de construir uma sociedade mais justa e igualitária. A diretoria da UNE congregava, de regra, várias tendências, que se harmonizavam em torno de causas comuns e abrangentes.

Hoje, porém, um único partido – o P C do B – comanda a instituição, já por dez gestões sucessivas. É natural que a instrumentalize para os seus interesses imediatos, e, como compõe a base de sustentação do Governo, não deseja desgastá-lo, nem aos outros partidos aliados. Só isso pode explicar a ausência dos estudantes em um movimento que teriam tudo para liderar, como em 1992, e com motivação até mais forte: os casos de improbidade que vêm à tona agora são ainda mais graves e mais numerosos.

Rejeito a razão mesquinha, aparentemente usada como desculpa para a omissão, de que a campanha favoreceria partidos conservadores, em oposição a um governo comandado por um homem do povo. O argumento não condiz com a independência de espírito, o altruísmo, a abnegação que sempre foram apanágio da mocidade, através dos tempos. A luta pela moralidade na administração pública é atemporal e suprapartidária. Não pode submeter-se a condicionantes.

Dirijo, portanto, meu apelo às novas lideranças estudantis, na convicção de que falo em nome de muitos que, como eu, viveram, há quarenta anos, essa inesquecível experiência. Queremos vê-los de novo nas ruas, ao lado do povo, ouvir suas canções, sentir o calor do seu entusiasmo, vibrar com as suas bandeiras e as suas cores. Vocês são a face risonha e esperançosa da sociedade. Assumam, pois, o lugar de vanguarda que sempre lhes coube, ao longo da História. Assim, trarão novo alento a corações cansados como os nossos, e fortalecerão neles a crença em um futuro mais digno para o nosso país. Caras-pintadas, onde estão vocês?

* Clemente Rosas é consultor de empresas (clementerosas@terra.com.br)

quinta-feira, outubro 11, 2007

AURORAS DA MINHA VIDA

ELPÍDIO NAVARRO

Quando jovem, a partir dos vinte anos, envolvido no crescente movimento teatral paraibano, pensando abertamente autores europeus de esquerda, como Garcia Lorca e, principalmente, Brecht, e pensando com mais cuidado numa possível revolução socialista, poesia teria de participar do processo.

Então o entusiasmo era "Dizem-me: come e bebe!/Fica feliz por teres o que tens!/Mas como é que posso comer e beber,/se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?/se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?/Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo."

Poetas como Cassimiro de Abreu eram levados ao ridículo: fazia-se paródias engraçadas com os seus versos e até eram encenadas. Lembro da história da garotinha que teve a tarefa de decorar "Meus Oito Anos" para declamar em sala de aula e não conseguia chegar ao fim da primeira estrofe e quando se apresentou foi um desastre: "Oh! que saudades que tenho/Da aurora da minha vida,/Da minha infância querida/Que os anos não trazem mais!/Que amor, que sonhos, que flores,/ Nas sombras das fogueiras/Às tardes dos laranjais/Por cima das bananeiras." Mas o "poeta do amor e da saudade" como o denominada o Padre Rui, pároco na cidade de Areia e professor de português da Escola de Agronomia do Nordeste, teve a sua importância e a sua obra está sendo redescoberta e hoje sou capaz de reler versos como "Quando eu te vejo e me desvio cauto/Da luz de fogo que te cerca, ó bela,/ Contigo dizes, suspirando amores: "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!" //Como te enganas! meu amor, é chama/Que se alimenta no voraz segredo,/E se te fujo é que te adoro louco... /És bela — eu moço; tens amor, eu — medo..."

Li no jornal uma crônica, "Rua Sá Andrade, o avô e o neto", do Desembargador José di Lourenzo Serpa. Imediatamente a sensação das auroras da minha vida. Ele cita a rua São Miguel, a Praça da Pedra, a Rua Amaro Coutinho, vias da minha adolescência, lembranças vivas na minha cansada memória. Além disso o cronista destaca o poeta Radiel Cavalcanti, hoje lembrado por poucos: "Ao comentar este retrospecto da minha infância com o Dr. Márcio Roberto Soares Ferreira, servidor graduado do Tribunal de Justiça da Paraíba, homem versado nas letras, me lembrava este o nome do poeta da paz, do amor e da saudade, Radiel Bezerra Cavalcanti, que, em virtude da sua pobreza, morava em uma pequena casa e possuía apenas uma cama, um fogão e alguns livros. Por isso, sua casa era conhecida como O Tugúrio do Poeta. Esclarece-me ainda Dr. Márcio que o poeta Radiel conseguiu publicar nas tipografias dos amigos os seguintes livros: Cardos, Lótus, Cajueiros dos Bailados e, acrescentando ainda, um romance não publicado intitulado O Estalajadeiro da Ilusão. Realmente, um nome que não poderia faltar, ele, Radiel Cavalcanti, moreno claro, estatura média, rosto oval e de cabelo estirado, com uma pequena trunfa.Certa vez, Radiel, ao chegar ao nosso pequeno campo de futebol, subiu numa pedra, abriu os braços e de Castro Alves recitou:

- "Estamos em pleno mar."

Justo destaque do Desembargador di Lourenzo. Conheci Radiel e mais de uma vez conversei com ele no Ponto de Cem Reis. Sempre o assunto era a dificuldade de editar seus trabalhos. A Cidade deve a ele uma homenagem também. Não precisa ser uma estátua, mas uma nova edição da sua obra. Lau Siqueira que nos leia e nos ouça.

A festa da Padroeira do bairro, Monte Castelo, aqui em Cabedelo, onde moro. Instalaram um pequeno parque de diversões, tão parecido com os das auroras da minha vida: carrossel, roda- gigante, balanços, tiro ao alvo e algumas "inovações" que ainda não existiam na Festa da Conceição da Rua São Miguel, nem na Festa das Neves daqueles tempos. Uma delas me chamou mais atenção porque era a mais freqüentada e durante a manhã, tarde e noite. Era uma barraca toda fechada, escura e com só uma entrada, onde crianças e adultos disputavam a vez de usar esses modernos jogos eletrônicos: guerras interplanetárias e lutas orientais diversas. Só um era futebol. Imagino que aqueles brinquedos são muito úteis para estragar a visão, imbecilizar a mente e evitar que a meninada coma um cachorro-quente, chupe um picolé ou veja as estrelas do alto da roda-gigante.

Também li que o Dia Municipal do Rock foi instituído através de um projeto do Vereador Flávio Eduardo (Fuba). De imediato chegaram as lembranças de Zezita e Breno Matos sendo aplaudidos no Clube Astrea ao ganhar um concurso dançando rock. A professora atriz e o escultor professor, garotões ainda, deram show com suas acrobacias dentro do ritmo, na época alucinante, bem à moda de Elvis Presley. Não conseguia aceitar nem praticar aquela forma de dança, mas achava interessante e até me balançava um pouco, mesmo com a preferência para um bolero ao sabor de um cuba-libre.

Mas também li uma notícia de um pessoal jovem fazendo teatro, assunto que sempre me transporta para os felizes tempos do Teatro do Estudante da Paraíba. Vale a pena ler a matéria de Maria Zita Almeida na íntegra, que comprova nem tudo estar perdido:

Grupo Cariri Teatral estréia amanhã, no Sesi, o espetáculo ‘O Touro Imperador’

O Grupo Cariri Teatral, da cidade de Cabaceiras, estréia amanhã seu primeiro espetáculo, O Touro Imperador, da autoria de Paulinho de Cabaceiras. Doze atores mostrarão ao público, às 20h, no Sesi, o que aprenderam durante três meses de aulas teóricas e práticas no Curso de Teatro, voltado para interpretação ministrado pelo teatrólogo Josimar Alves do Grupo de Teatro Heureca do Sesi da Paraíba.
A encenação é uma comédia da segunda metade do século XX que narra a importância de resgatar a cultura da Vila de Pai Mateus. Os atores estreantes são Arieline Nunes, Bárbara Barros, Bruno Lira, Hermínio de Assis, Iraci Nunes, Izabel Cordeiro, Juliana dos Santos, Mariana da Silva, Natália Nunes, Paulinho de Cabaceiras, Patrícia de Farias e Robéria Mendes. Depois da estréia, o Grupo Cariri Teatral se apresentará em Boqueirão no dia 19, em Monteiro no dia 28 e em Campina Grande no dia 29 às 20h no Teatro Municipal Severino Cabral.
O autor do texto, Paulinho de Cabaceiras, é poeta, compositor e historiador com vários cordéis publicados. Ele também é um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano e correspondente da Academia Mageense de Letras do Rio de Janeiro.
Já participou de alguns filmes como a minissérie O Auto da Compadecida, Canta Maria com direção de Francisco Ramalho e o inédito Romance, com direção de Guel Arraes. Atuou também no documentário “Cabaceiras” de Ana Bárbara. O figurino do espetáculo O Touro Imperador é do teatrólogo campinense Antonio Nunes e a direção é de Josimar Alves.

www.eltheatro.com

segunda-feira, outubro 08, 2007

RECUERDOS


- Os homens lá em cima de vez em quando cismam em me pregar peças. Desta vez porém, foi uma bela surpresa. Descobri um parente distante, ou melhor fui descoberto por um primo, melhor dizendo, nos descobrimos. Sei da sua existência em terras paraibanas mas ainda não houve tempo hábil para nos conhecermos pessoalmente.
Trata-se de Edinaldo Chaves, senhor do Engenho Bulhões, na Paraíba, pessoa que à primeira vista me parece ser do maior dinamismo, e de imensa grandeza de coração. Sabedor que o nóvel parente se dá, como eu próprio, ao luxo de escrevinhar umas poucas linhas pedi-lhe autorização para a devida postagem de um de seus Recuerdos neste humilde Blog. Eis sua resposta: "Hugo, estás autorizado a consertar os escritos desse primo metido e publicá-los. Afinal a responsabilidade de transformar esse matuto em cronista é toda sua. Abraços do Primo Edinaldo." Muito bem, Primo Edinaldo, acredito na imaginação que anima o contador de histórias que na realidade vosmicê é.
A crônica já chegou pronta. Assumo inteira e total responsabilidade.H.C.

O DIA EM QUE À REVELIA DA PROTEÇÃO DE TÊMIS, O JUIZ DE GOIANA FOI JOGADO NO LIXO "

EDINALDO CHAVES

Falamos de um tempo, onde os homens vestiam casaca e usavam cartola, estamos em Goiana ano de 1856. O poder era disputado por duas lideranças, de um lado o Sr. Barão de Bujary, do outro o Sr. Barão de Goiana. As eleições tinham seu palco nas Igrejas lugar de votação, onde apesar do sagrado muitas vezes ocorriam invasões armadas.

Como hoje, nem sempre a magistratura se mantinha isenta, havia figuras passionais, e foi o que ocorreu. O juiz de Goiana pendia para o lado do Barão de Goiana e não economizava esforços para ver Bujary derrotado. As ações do magistrado não passavam despercebidas aos sinpatizantes de Bujary, que num momento de incontida euforia disse:

- "Se nós não perdermos essa eleição, vou mostrar a esse metido como se respeita o cargo." Certo cidadão goianense presente a essa reunião em casa do Barão se pronuncia dizendo:

- "Comendador, esse Juiz precisa é de uma lição. Não é pouco o que tem feito ele para nos prejudicar e agradar aos seus."

- "Peço calma, responde Bujarí. Afinal o homem é autoridade, não convém precipitações, mas caso saiamos vitoriosos, o que pedirem eu faço," afirma categórico o Barão.

Dia de eleição, corre corre, corpo a corpo, naquele tempo já havia isso, lacram-se as urnas guardadas sob os olhos mudos dos Santos da Igreja do Rosario e claro de guardas de ambas as facções devidamente armados a se olharem de esguelha e prontos para tudo.

Urnas abertas votos contados, vitoria de Bujary. A comemoração nas salas do solar do barão correm noite a dentro, o vinho é servido à farta, quando em dado momento alguém se pronuncia:

- Comendador, e o juiz? O sr. disse que o que fosse pedido seria feito.

- Eu disse, responde o Barão, mas peço que não exagerem no castigo, afinal é um juiz.

O povo eufórico dirigi-se a casa do magistrado onde no meio da noite o arastam para fora, colocando-o num saco o qual é atirado à carroça do lixo e com ele passeiam pelas ruas a gritar:

- "Olhe o Juiz corrupto! Vai pro lixo!

Foi um desastre. Nem a deusa TÊMIS protegeu o infeliz magistrado. Pela manhã o Barão soube do ocorrido mas já era tarde. Sua Excelência desmoralizado, pediu remoção do cargo.

domingo, outubro 07, 2007

STANLEY BARD em ASSASSINATO NA ALAMEDA 100

Conto policial de VALDEZ JUVAL

Ele chegou cedo ao escritório naquela manhã. Não havia passado bem a noite, devido não só a insônia costumeira como também pelas preocupações com o “caixa” que teimava em permanecer vermelho. Havia abandonado um pouco o trabalho e o dinheiro estava curto. Estendeu o período de “férias” após a solução do último caso que esteve trabalhando.

Exagero... Exagero mesmo... Gastou pra valer!... Também a gata que lhe ajudou a gastar a grana!... Foi tudo sensacional! Valeu a pena!

Deixou a porta da ante-sala aberta, já que a sua secretária ainda não havia chegado. Poderia de sua poltrona observar se alguém entrasse.
A parte externa ficara apenas na divisória de vidro com o belo letreiro que mandou colocar:

"STANLEY BARD – Detetive Particular".

Apanhou o jornal deixado pelo zelador por baixo da porta e levou para a escrivaninha. Passou a vista nele e se deteve no Caderno de Notícias Policiais.
Ali estava a reportagem completa da manchete escandalosa da primeira página:

“ASSASSINATO NA ALAMEDA 100”.


Braz Luccovino estava morto. Segundo deduções preliminares, ele reagira um assalto na entrada principal de sua mansão, naquela madrugada. Fora encontrado com um revólver na mão e sinais de luta corporal certamente usando também a arma.

A pergunta principal, óbvia e ululante era quem o matou.

Quando começou a se interessar pela leitura, sentiu a presença de alguém diante da mesa. Levantou a vista e cumprimentou, pondo-se de pé.

- Senhora...
- Martha... Martha Luccovino.

Não precisou dizer mais nada. O seu retrato estava ali, à sua frente, nas páginas do jornal.

Formosa... Exuberante... Basta?

Mas era muito mais. A mulher esculpida nos mínimos detalhes. Agora, de corpo inteiro, diante dele. Conteve-se, se apresentou e convidou-a a sentar-se.

A Alameda 100 fica na parte leste da cidade e do alto, proporciona para todos os habitantes da área, a linda vista do mar que quando na maré cheia quebra suas ondas nas pedras das encostas.

Uma renque de árvores de lindas flores e de frutos comestíveis cobre toda área. Por traz de cada muro alto, residências suntuosas, de arrojadas linhas arquitetônicas.

O palacete da família Luccovino é destaque não só pela disposição como foi construído como pelo grande zelo como é conservado e o muito bem cuidado jardim com grama e flores tropicais. Também se fala que todo o condomínio era protegido por forte esquema de segurança, com instalação de modernos detectores eletrônicos.

Foi com a certeza de que nada poderia lhe acontecer que Luccovino, naquela madrugada, levantou-se para verificar o que acontecia na direção dos portões de entrada da mansão.

Armou-se e sem querer acordar a sua mulher, de mansinho, saiu do quarto, descendo as escadas com toda cautela.

Martha estava querendo...

NOTA- O espaço é curto. Vamos suspender por aqui. Prometo continuar na próxima semana. É como novela: Quem matou Braz Luccovino?

JP 071007

sábado, outubro 06, 2007

DURANTE A MANHÃ ME DILACERO


EVERALDO VÉRAS

Confesso ao Pai Eterno que me quedei na prisão, reservado, mutilado, não tenho forças nem capacidade para resolver as perturbações, e cicatrizar as feridas. É peso demais para mim, eu, humilde, reles, desprotegido pecador. Suplico misericórdia, não bastasse invoco a boa vontade do Companheiro São Francisco de Assis, um sofredor paciente. Já fiz centenas de preces, cada uma mais fervorosa do que a outra. Não recebi benefício. Mas insisto. Insistirei.

Implorarei até o dia em que eu for derrotado, e tudo terminar. Amanhã? Não imagino a hora, não sei quando.

Oh, Senhor, tenha compaixão! Não há lugar para nova provação. Basta. Reconheço que a viagem está perto de acabar, cumpri o dever. O que tinha de ser feito, foi feito, e pouco sobrou.

E ainda suplico perdão se fui tão ruim. Fui?

mever136@uol.com.br



quarta-feira, outubro 03, 2007

RECUERDO 26 - O CICLONE - PRIMEIROS TEMPOS NO RECIFE


HUGO CALDAS

A Pensão de Dona Maria era um casarão antigo na Rua da Concordia. Sobrado com primeiro andar, o que lhe conferia uma aparência nobre, há muito perdida na poeira do tempo. Dona Maria, a proprietária, simpática senhora já entrada nos anos, era dona de um semblante que fazia ver seu passado de muitas aventuras e incontáveis paixões. Tinha uma sobrinha muito da insossa, sem graça, mesmo. Nunca a ví em companhia masculina, seja amigo ou namorado. Soube mais tarde, que morrera de maneira misteriosa. Suicídio?

Dentre todos os hóspedes, nutria Dona Maria, uma suspeita e mal disfarçada preferência por Valter "Margarida" meu colega da Panair, a quem carinhosamente, ela chamava de "Vado". Havia sempre uma comidinha melhor para ele...

- "Quere óvis, Vado"?

E assim ia nosso Margarida comendo omeletes enquanto o resto se contentava na dureza do feijão com arroz e carne de charque. Mas tínhamos galinha de cabidela aos domingos. No meio disso tudo, ainda havia um austríaco que mal falava o português e comprava umas comidas esquisitas porém deliciosas no Mercado de São José. Por onde andará o meu amigo Fritz?

O dia inteiro que Deus dava, os acordes de uma música, emanavam de um certo aposento e pareciam grudar na minha trompa de Eustáquio. Dizia assim:

- "Ela se enamorou de outro rapaz
Assim que o ciclone atingiu nossos destinos
Nenhum de nós pensou voltar atrás
Que orgulho, quantos desatinos
Eu bebi champagne em seu noivado
Traguei minha mágoa no peito sem rancor
Fui o primeiro a chegar à igreja e amargurado
Assisti o orgulho matar dois sonhos de amor
Numa noite, já muito tempo depois
Ela veio chorando
E chorando atirou-se em meus braços
E disse ganhando meus beijos
E disse ao sentir meus abraços
Sou eu que com fome de amor te vem procurar
Sou eu, sua voz doce e meiga com prazer ouvi
Sou eu que cansei de mentir
De fingir, de enganar
Sou eu que cansei de outra boca beijar
Pensando em ti."

Os sargentos do CPOR, Rawlson e Reginaldo este, meu velho conhecido de João Pessoa, eram os inquilinos do aposento musical. Era sabido que um deles sofrera uma história semelhante à descrita na música do Adelino Moreira. Daí a razão de escutarmos repetidas vezes a mesma canção na voz maviosa de Carlos Nobre, um habilidoso imitador de Nelson Gonçalves.

Era uma dor de corno sem precedentes.

Pior para mim, coitado, que não conseguia dormir, quando da volta dos pernoites da Panair do Brasil. Um tormento. O quarto dos sargentos, é óbvio, vivia sempre fechado. Às vezes, pela porta entreaberta, dava para ver uma descomunal "radiola" que além de tudo, possuia um rádio também enorme com "olho mágico" e tudo.

Comecei então a arquitetar um plano que pudesse me conceder a graça de um pouco de quietude. Eu precisava dormir, ora bolas. Já imaginaram não poder conciliar o sono, morto de cansado após duas noites em claro?

Numa dessas ocasiões que fazem o ladrão, aproveitei enquanto o sargento fora ao banho deixando a porta aberta. A radiola era dessas antigas, de válvulas enormes. Conjecturei que a troca de lugar de duas dessas válvulas seria o suficiente para um revertério monumental. Eu estava certo. Tão logo a alteração foi consumada o olho mágico do rádio ficou zarolho enquanto uma fumaça preta e mal cheirosa alastrava-se pelo aposento. Isso me permitiu, até ser descoberto o "crime," pelo menos uns quinze dias de sono tranqüilo. O sargento Rawlson passou uma temporada sem me dirigir a palavra. Ofendidíssimo.

Antonio Burity, outro hóspede, irmão de Socorro Burity, também minha colega na Panair. Socorrinho era a vivacidade, a alegria em pessoa. Morria de rir se uma pessoa dizia que estava com "defluxo" quando acometida de uma coriza qualquer. Grandes figuras, os dois Burity.

Às vezes a necessidade apertava e atrasávamos o pagamento. Como represália Dona Maria, qual mãe zelosa, recolhia as nossas roupas nos deixando apenas um pijama e o nosso uniforme de trabalho. Enquanto durasse a inadimplência ela seria a senhora absoluta das nossas roupas e conseqüentemente das nossas vidas. Não podíamos arredar o pé da pensão.

Para sanar de vez as nossas dívidas, Burity, emérito vendedor, apareceu certo dia com parte do caderno dos classificados de um jornal. Um grande negócio se apresentava no horizonte. Só faltava convencer Dona Maria a liberar seu terno de diagonal branco que ele usava para o trabalho ou quando saíamos esporadicamente para assistir a algum filme aliás, naquela época ninguém entrava nos cinemas do centro do Recife sem o devido paletó. Nos cotizamos e conseguimos o dinheiro da passagem. Tudo devidamente acertado, Valter Margarida conseguira convencer Dona Maria e lá se foi o nosso heroi para uma pequena e enigmática viagem pros lados das Alagoas.

Ao cabo de 15 dias bem contados eis que Burity retorna, montado no ouro.

Conseguira a façanha de vender 12 caminhões basculante para a prefeitura não sei de onde. Foi literalmente uma festa com direito a comidinhas e bebidinhas mandados buscar em restaurante fino da redondeza. A comissão recebida deu para saldar todos os nossos penduras e como garantia a qualquer contratempo, ele pagou dois meses adiantados para todos nós.

Assim era a generosidade do meu amigo Antonio Burity.

Houve também a época em que o revesamento começou na pensão. "Vado," ao ser convidado a integrar uma "república" com outros colegas de trabalho nos deixou. Ficamos meio desolados. Dona Maria coitada, quedou-se na maior prostração. Mas a vida deveria seguir seu rumo e para o seu lugar veio um sujeito de Maceió, de físico avantajado e voz estereofônica. Fora locutor de rádio, chamava-se Roberto Lamenha. Sobre a figura relato historinha edificante que juro aconteceu de verdade.

Nos seus tempos de locutor em tradicional rádio pernambucana, Lamenha, talvez por artes do tinhoso, trocava as bolas quando algo lhe desviava a atenção. Havia no comércio uma famosa geladeira cujo "slogan" era:

- "Gelomatic, o refrigerador que gela mais e custa menos, informa a hora certa" -

Pois bem, certo dia ele disse exatamente o contrário: "o refrigerador que gela menos e custa mais"... Praticamente uma porcaria de produto, convenhamos. Demitiram o Lamenha sem dó nem piedade. Fez ele então concurso para a Panair e passou. Foi onde nos conhecemos e ainda nos frequentamos até a presente data.

Outro hóspede bastante interessante era Sócrates, um simpático camundongo, catitinha de nada, que nos fazia companhia no quarto. À noite saíamos para um lanche em um pé de escada próximo, consistindo de um copo de caldo de cana com pão-doce. Sempre traziamos o restante do pão para Sócrates que nos esperava religiosamente, com os olhinhos brilhantes para receber o seu quinhão. Era o nosso companheiro mais constante. Inofensivo.

Nunca mais soube de Burity. Tive notícia de que se mudara para Picos, no Piauí, e que se houve muito bem ao se estabelecer com uma loja de autopeças. Deve estar rico hoje. Espero de todo coração.

Sobre os dois sargentos, tomei conhecimento bem mais tarde, que o Rawlson fora recrutado pela repressão. Nunca acreditei. Como poderia uma pessoa com a alma embebida de tanto romantismo se entregar à atividade tão aviltante?

É, decididamente os tempos eram outros, mesmo!

hucaldas@gmail.com
hugocaldas.blogspot.com
newbulletinboard.blogspot.com