terça-feira, março 27, 2007

RECUERDO 20 - BREVE HISTÓRIA DA FAZENDA DIAMANTE

HUGO CALDAS

Todo mundo já sabe, através do meu perfil no Blog do Hugão, (endereço no rodapé) que já fui de tudo um pouco. Vejo entretanto que passei batido pela fase de fazendeiro. Não poderia jamais deixar de lado tão comovente relato, pelo inusitado do fato.

Pois é. Quarenta anos irresponsáveis - quanta imbecilidade - de fumo me deram de presente um belo de um Enfizema Pulmonar e motivos de sobra para arrendar juntamente com um amigo uma fazenda de 20 e tantos hectares. Terras do Agreste pernambucano, oitocentos metros acima do nível do mar. Eu precisava de ar puro, o amigo de um certo sossêgo. Pelo menos nos fins de semana.

Foi um arrendamento de 24 meses mas passados apenas dois o nosso mundo caiu, o paraíso desmoronou. Foi literalmente pro beleléu. Já não deu para continuar. Apareceu um mar de problemas como diria o bardo Shakespeare. Tudo por conta de um caseiro que parecia mandar mais do que o dono. O fato é que ele veio de contrapeso e o aceitei atendendo a um pedido do proprietário.

Os amigos, Dr. Saulo, gozador emérito, Luís e outros, faziam a maior farra com o nome pomposo da chácara. "Fazenda Diamante." Isso é nome de Cabaré, diziam às gargalhadas. Corre lenda de que as terras onde hoje repousa a fazenda haviam sido da famila do caseiro em priscas eras. Quero entretanto acreditar que ele deveria ter conhecimento de alguma coisa que incriminava alguém. Alguma falcatrua, coisa do gênero, sem que se tomassem as devidas providências. Os desvios de energia elétrica e água eram frequentes, evidentes e imorais.

Tinha uma filha, Yaponam. Professora primária que não deu certo. Virou faxineira. Essa evidentemente trabalhou para mim e fez umas limpezas na casa, não sem antes exigir uma batelada de vassouras, detergentes, perfumantes, sabões, esfregões, rodos e uma fornada de outras coisinhas, mal acostumada que estava com os arrendatários anteriores que usavam a fazenda para inúmeras e frequentes farras sem evidentemente se importarem com o que gastavam com a limpeza. Agora ele, o caseiro Bernardino, receber 350,00 (um salário mínimo) para abrir a porteira uma vez por semana, convenhamos que é um pouco demais. Astúcia maior só sendo candidato a presidente da república. E ganhar a eleição, naturalmente.

A palavra mais doce na boca dessa criatura era NÃO. Tudo o que eu planejasse ou tivesse em mente em fazer recebia o apoio de um sonoro NÃO. Praticamente enxotou um engenheiro agrônomo meu amigo que veio de boa vontade, disposto a colaborar, pois eu pretendia criar umas tantas galinhas e estabelecer uma pequena horta, coisas do tipo. Foi tanto, "não vai dar certo"... que não deu!

Tenho conhecimento que o Cel Guilherme, médico e sua simpática esposa também médica, foram arrendatários e tiveram problemas com ele. Não sei, entretanto, como conseguiram suportar durante dois anos.

O proprietário, pessoa escorregadia, esquivo, arisco meio matreiro, usava de artimanhas mil e expedientes pouco recomendáveis tais como, desaparecer do mundo, viajar no dia marcado para uma entrevista. Enfim, fugir do assunto, quando eu me dispunha a ir falar com ele e reclamar do fulano lá. Consegui, quase milagrosamente desfazer o contrato de locação quando finalmente nos encontramos e ele, de uma certa forma meio descontente e bastante descortez, sobrepôs sua digníssima assinatura em um adendo ao supra citado contrato.

O fato é que não havia mais nenhum sentido em ir semanalmente para lá, fugindo de uma série de problemas e arranjar outros. Piores. Foi bom enquanto durou. Fazenda Diamante, nunca mais. T'esconjuro!

Obs. Os nomes das pessoas e entidades citados nesta materia são ficticios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

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quarta-feira, março 21, 2007

QUEM FOI QUE ACHOU UMA BALA PERDIDA POR AÍ?

ANCO MÁRCIO DE MIRANDA TAVARES

Virou rotina as crianças desse Brasil verde e amarelo morrerem por causa de bala perdida. Os meninos estão brincando perto de casa, parados nos pontos de onibus, quando uma bala doida vem e lhes tira a vida ou os movimentos. E fica tudo por isso mesmo, pois nunca aparece quem atirou.

A menina que vai ficar paraplégica é pobre, filha de um carpinteiro e tem apenas treze anos. Eu a vi na tv fazendo um apelo para andar, alguém lhe deu um aparelho, mas nunca mais ela será a mesma. Alguém lhe acertou a medula e lhe tirou a capacidade de se mexer da cintura para baixo.

Com que pernas andará essa pobre menina que a maldade dos homens aleijou? Como realizar seus sonhos, viver sua vida, chorar suas dores, como correr para ir à escola, se lhe cravaram uma bala bem no meio da medula? Bala perdida... Um termo bem brasil, um termo que bem mostra o desprezo que se tem pela vida aqui nesse país.

As balas não saem sozinhas das mortíferas armas para atacar ninguém. Alguém puxa o gatilho e aciona o mecanismo que as dispara. Esse alguém pode ser a polícia ou os bandidos. Quando são os bandidos ainda se fala, quando é a polícia oficial, abafam o caso e deixam crer que a bala disparou sozinha.

A mãe de Alana, a menina de doze anos morta no Morro do Macaco por uma bala perdida, disse que elas não existem, o que existe é muita irresponsabilidade. E eu também creio nisso. O homem, na sua ânsia de matar, na sua ânsia de caçar o inimigo, vai ceifando vidas quase que no nascedouro.

De um lado as balas da policia, do outro as dos marginais. As duas, matam aleijam deformam e formam paraplégicos. Vivemos numa guerra civil e não queremos admitir. Esse país tá em guerra, numa guerra que pouco a pouco vai crescendo e deixando vítimas inocentes no seu caminho...

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segunda-feira, março 19, 2007

A CLARO NÃO ESTÁ SENDO CLARA

HUGO CALDAS

A conta do meu telefone celular deveria chegar à minha residência a cada dia 25. Deveria. Mas não é bem assim. A de dezembro, por exemplo, não foi entregue. Tudo bem, pensei, natal, final de ano, acúmulo de trabalho nos correios devido à época. Telefonei reclamando dia 27. Após nervosa conversa com umas tantas gravações me deparei com uma voz de gente mesmo, que após escutar a minha peroração jurou de pés juntos que a segunda via da conta chegaria na minha casa com data de 28-12. Efetivamente chegou, com a prometida data de 28-12. Só um pequeno detalhe. A dita cuja foi postada no dia 03-01-07. Em São Paulo. Pode? Como poderia saldar um compromisso que vencia no dia 28 se a correspondência foi colocada no correio no dia 3 do mes seguinte?

Resumo da ópera:

Paguei a excomungada da conta no dia 6 ou 7, não lembro, mas fui devidamente castigado, pagando juros devido ao atraso.

A conta de janeiro veio na data certa mas novamente ocorreu problema e até agora não recebí a de fevereiro. Telefono novamente, como se não tivesse outra coisa a fazer na vida, para a Claro e após nova conversa com as mesmas ditas gravações outra voz me falou que eu poderia pagar mediante um "código de barras" que me seria fornecido por um "torpedo" para o meu aparelho. Ora, vejam só. Então eu não tenho nada melhor a fazer do que ficar consertando o trabalho de algum incompetente funcionário/a da Claro? Isso é tarefa obrigatória e exclusiva, repito, da Claro. E ainda me cobram juros pela incompetência de um energúmeno qualquer! Pagamos caro pelo aparelho. Pagamos caro pelo serviço e em vez de ter a vida facilitada, a Claro complica. Ninguém pode dispor do tempo das outras pessoas. Falta de respeito.

A Claro não está sendo clara. Mas eu estou. Refiro-me à incompetência para não falar abertamente em roubo. Dez centavos aqui juntando mais cinqüenta ali multiplicando por milhares dá uma nota preta. À título de ilustração... Década de setenta estava em viagem pelos States quando soube pelos jornais que um casal de brasileiros, (Minas Gerais) funcionarios do Bank of America, há dois anos vinha retirando os centavos de todas as contas e os enviava em seguida para uma outra especial na Suiça. Ficaram milionários. Para escapar da prisão iminente fugiram de volta para o Brasil. Parece final de filme "B" mas é a mais pura verdade.

Em qualquer país civilizado do mundo o caso seria tratado devidamente. Aqui, tenho certeza que não. E em tendo a certeza, decidi espernear e pelo menos tentar fazer justiça com as próprias mãos. Tenho uma lista de endereços bastante significativa. Enviarei esta matéria para todos, pedindo o repasse, inclusive com cópias para a Claro e evidentemente suas concorrentes. Sem esquecer que escrevo para alguns sites brasileiros e estrangeiros. Amigos meus, que participam de várias comunidades, com os quais conversei reservadamente já se prontificaram a enviar cópias para seus correspondentes. Quero, preciso, necessito exercer o meu "jus esperneandi" com tudo a que tenho direito. O que eu e "este país" precisamos é um pouco de respeito. Será que essa república de bananas não vai mudar nunca? Voltarei ao assunto se receber alguma represália. Quem se interessar está devidamente autorizado a repassar para a lista de endereço. Grato!

P.S. Agora pasmem! Já havia concluido estas mal traçadas e enviado para a web quando inesperadamente, assim, como passe de mágica, me chega a desgraçada da conta de fevereiro. Com outro pequeno detalhe: Veio junto com a conta de março. Tudo em um só documento. Dois meses em um. Então de que valeu o tal do "código de barra" que eu efetivamente paguei semana passada?! É brincadeira, ou o que?

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domingo, março 18, 2007

AMOR EM LENINGRADO

Hugão,
De tanto ler, com interesse, os "recuerdos" do seu blog, ocorreu-me a idéia de enviar um dos meus, que está na parte final de um dos capítulos do meu livro "Praia do Flamengo 132 - Crônica do Movimento Estudantil nos Anos 1961/62".
O livro, você se lembra, foi editado em 1992, e deve estar esgotado. O "causo" se passou no VII Congresso da União Internacional dos Estudantes, em Leningrado, hoje de novo São Petersburgo, onde estivemos representando a União Nacional dos Estudantes - UNE.

O Bezerra de que falo é o nosso José Bezerra Cavalcante, que, depois de uma longa temporada de estudos na Alemanha Oriental, tornou-se especialista no mercado financeiro e, depois de ser gerente de tesouraria da Krupp brasileira, está hoje rico e aposentado.
Estavam lá também, se lhe interessa, e aos leitores do seu blog, saber, Aldo Arantes, deputado federal pelo PCdoB de Goiás por vários anos, Roberto Amaral, ex ministro de ciência e tecnologia do 1º governo Lula e o Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais do nosso bisonho presidente.

Se achar que cabe, inclua-o no seu blog. Com outro título, inclusive, se lhe parecer melhor. Um abraço. Clemente.

AMOR EM LENINGRADO

CLEMENTE ROSAS

- Por favor, apresente-me àquele seu amigo, que senta ao seu lado, na conferência – a moça soviética havia pedido ao Bezerra, que se apressara em me dar a notícia.

Já havíamos notado aquela bela loura, de tipo esguio, mais nórdico que eslavo, trabalhando como intérprete no Congresso. Ela nos observava também, com um leve sorriso, mordendo às vezes os lábios. Eu não compreendia bem aqueles discretos sinais de interesse e menos ainda imaginava ser o seu objeto. Para complicar, acompanhava-a sempre um tipo alto, elegante, que tomamos pelo marido – e era mesmo.

Agora, porém, com a novidade, havia uma onda de excitação na numerosa bancada verde-amarela. Todos procuravam encorajar-me. Em dado momento, alguém trouxe a informação – errada – de que o cavalheiro acompanhante seria argentino. Era a dica que faltava para a irreverência do nosso Marco Aurélio:

- Vai em frente, rapaz! Argentino é corno fácil! Amanhã já estará compondo um tango: “Clemente me trayó!”

Na festa de encerramento, deu-se, afinal, a apresentação. Dançamos um pouco, e, para fugir à molecagem dos companheiros, que a vodca ia fazendo impertinentes, saímos a passear pela noite de Leningrado. Pulamos o gradil de um jardim público, fechado àquela hora tardia, e nos acomodamos em um banco, romanticamente.

Chamava-se Svetlana, era engenheira e casada. Mas como ela e o esposo já não se amavam, permaneciam livres e amigos, apenas formalmente ligados. Enquanto não tivessem interesses alternativos, não havia por que procurar o divórcio. Uma atitude tipicamente européia, não sei se motivada também por alguma conveniência de moradia, própria do socialismo. Isso explicava a naturalidade do marido, imune, como se vê, às portenhas dores de cotovelo.

Nosso idílio foi interrompido com a aproximação de dois guardas. Esfriei. Havíamos cometido uma transgressão, entrando clandestinamente naquele parque. Um deles começou a falar, de forma amistosa, intercalando observações ao companheiro. Minha amiga mantinha-se silenciosa, como se não entendesse, e quando lhe perguntava o que estava acontecendo, respondia apenas que não era nada grave. Depois de algum tempo, eles se foram, voltando com um ramalhete de flores, que nos ofereceram.. Um final surpreendente para a imagem de truculência que se tem dos policiais soviéticos. E talvez a prova de que um pouco de vodca sempre faz os corações generosos.

Quando eles se afastaram de vez, Sveta me contou o que ocorrera. Haviam-nos tomado, a ambos, por estrangeiros, talvez pelos distintivos do Congresso, que usávamos. E ela, espertamente, deixou correr o engano. Por isso, haviam sido condescendentes. Disseram ainda que compreendiam nosso desejo de estar sós, desejaram-nos felicidades e, jovialmente, colocaram em sua própria boca as palavras que, achavam eles, eu lhes diria, se soubesse falar russo: caiam fora!

Conservo a mais cara lembrança dos momentos de amor improvisado que tivemos sobre aquele banco, no refúgio de um jardim, dentro da fresca madrugada do verão russo. Não houve oportunidade para novos encontros, já no dia seguinte eu deixava Leningrado, iniciando uma longa jornada de retorno. Ainda trocamos cartas, por algum tempo, como amantes à moda antiga. Mas nunca lamentei tanto a minha timidez, como quando a ouvi dizer, naqueles breves momentos que passamos juntos, e que não se repetiriam:

- Why didn’t you come to me before?

sábado, março 17, 2007

BILHETE DE AMIGA

LIANA ALCÂNTARA

Um abração "cumpade"

Dias que não nos teclamos! Estás bem? Aqui "a gente vai levando, essa vida"... Como tantos...

Ai, Hugo que vergonha sentí em ver a postura de flagelado submisso de Lula, aos pés de quem se acha o dono do mundo... Essa foto está indignante!

Meu Deus, quero voltar para o meu país...Mas do jeito que vai a coisa, somada a tão bem representada foto da nossa bandeira cravejada de balas, que me enviastes?!

Sinto vergonha, pena, tristeza, revolta e vivo buscando, ao menos uma faísca, ainda que seja fugaz, de esperança de mudança, para acariciar minha mente e minha alma, para que não consiga me corroer, o total ceticismo...

Bem amigo, ao menos temos as jóias maravilhosas e indestrutíveis, das boas amizades, boas relações, amores e boas idéias... Senão, já não conseguiríamos viver!!

Um grande abraço!

Ah, o Dr Amaury de Medeiros, foi meu professor na faculdade. Aproveito para lhe enviar um abraço cordial...

"Professor, seu texto da sinfonia dos sapos me fêz recordar minha infância, veja a coincidência, quando escutávamos tão saudosa música, com meus pais...No sítio de minha avó, ou em nossas andanças pelos matos, na zona da mata de Pernambuco, ou na ilha de
Itamaracá, a beira de um manguezal! E sabe, professor, aqueles sons mágicos entravam em meu ser e banhavam minha alma como mantras universais!
Algo se transformava positivamente em mim, naqueles momentos...
Urge sentir a beleza sutil das pequenas coisas, para ver crescer as grandes e belas transformaçoes da vida!"

É isso aí, Hugo...

Vi o livro de Guy pela internet...
Gostei muito de seu trabalho de resgate cultural da Paraíba!
Escreverei pra ele, em seu site...Envia-lhe lembranças minhas...

Muita Paz!!

Quisera ter mais tempo para dedicar-me ao mundo das idéias, letras e ações sociais...
Levo dentro, latejando e inquientando-me, esses desejos... Entregar-se a um trabalho que sentes que, de verdade vale a pena, é a clave do bem estar e do bem viver...não te parece amigo??

Inté. Liana

domingo, março 11, 2007

RECUERDO 19 - CARACAS, ABREU E LIMA - COMANDANTE ZERO

HUGO CALDAS

Ora, ora meu caros. Ultimamente as ideias me andam ruminando o miolo. Será que o relato de fatos que aconteceram com esse locutor que vos fala vale mesmo a pena? Não deveria, eu como cidadão, ciente dos meus direitos e deveres, comentar o que anda a acontecer neste meu Brasil varonil?! O fato é que já existe gente muito boa nesse mister. Viram o artigo do José Nêumanne no O Estadão, dia 7 do corrente? Pois é! Forçoso será lê-lo se ainda não o fizeram. Leiam e se toquem com o que está acontecendo "neste país de caminhadas sólidas - o que vem a ser isso, criatura de Deus - na busca do Ponto G das negociações". Enquanto isso, cobrado, volto ao batente.

Início da década de oitenta. Chegava pela primeira vez a Caracas para participação na Expo-Brasil que iria começar a acontecer no início da semana seguinte. Ainda no aeroporto verifico a situação da minha reserva de hotel (Caracas Hilton - a viúva pagava) e não é que um misto de surpresa e decepção me aguardava! Surpresa porque descobri que niguém entrava ou saía do hotel. Os poucos que tiveram essa prerrogativa eram revistados várias vezes. Advinhem a razão! Quem estava "hospedado" no Hilton era ninguém menos que o Eden Pastora, ele mesmo, o Comandante Zero. Usava o hotel como hospital. Cuidava de feridas adquiridas na guerrilha ou sei lá onde.

Acompanhei com o mais vivo entusiasmo a tomada da Assembleia Nacional de Manágua. Torci pela derrota do Somoza. Minha mulher à época grávida, juntou-se na admiração e o resultado é que demos o nome de Eden ao bruguelo que nasceu. Evidentemente sem o Pastora, para poupá-lo de encrencas mais tarde no colégio.

E agora essa desfeita?!

Tive que sair em peregrinação a fim de encontrar alojamento numa Caracas desconhecida e em plena noite. Ainda bem que de bar em bar, descobri uma cerveja muito saborosa.
"Polar - la cerveza popular". Sobre cervejas havia uma coisa engraçada quando eu fazia o pedido, "desculpe, mas só temos gelada", era a resposta. Lá eles tomam à temperatura ambiente. Geladinha, a Polar era um sonho. Divago.

Surpresa agradável foi encontar a cara de amigos por lá. Os biotipos se assemelham bastante. Era comum ver Elpidio, Serafim, Anco, Guy Joseph em plena Venezuela. Bom lembrar que era uma Venezuela pré-Chavez, o Bufão. Comemorava-se a vitória da Revolução e a TV mostrava intermináveis documentários.

A convivência com o povo venezuelano foi bastante enriquecedora. Muito aprendi. Principalmente reparando os equívocos da história que nos são impostos. Lá existe uma avenida chamada Marechal Solano Lopez. O próprio, o que foi morto miseravelmente pelo cabo Chico Diabo na Batalha de Cerro Corá, Paraguai. Grande cartaz "en tierras venezolanas". Agora, o vexame maior ficou por conta do "General Lima". Eu não tinha a menor ideia de quem se tratava. José Inacio de Abreu e Lima, o "General das Massas", brasileiro, pernambucano, um sujeito adorado como heroi pelo povo venezuelano como "El Segundo de Simon Bolivar". Forçoso era reconhecer a mancada e ter que concordar com as pessoas. Eu ignorava completamente a brilhante figura. Hoje, quando vejo a avidez hipócrita de tantos querendo ser donos e idealizadores da Refinaria de petróleo "Abreu e Lima" acho engraçado se não fosse trágico. Essa refinaria já era comentada e dada como certa em Caracas no ano da graça de 1982.

Voltei mais uma vez a Caracas. Convivi com sua bela música e conheci seus artistas e compositores. Existe um senhor cantor compositor, da importância de um Tom Jobim chamado Simon Diaz. Tenho vários discos dele. Um primor. Não me atreveria a uma terceira viagem ao simpático país. Pelo menos, não agora. Com o maluco do Bush querendo tocar fogo no mundo e o cretino do Chavez a cutucar o diabo com vara curta....

É uma pena. Adorei a Venezuela. E a Polar, "La Cerveza Popular".

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sexta-feira, março 09, 2007

PAULINHO TRIPA GAITEIRA

ELPÍDIO NAVARRO

Conheci Paulo Alves da Nóbrega no grupo teatral amador TEP - Teatro do Estudante da Paraíba, isso lá pelos idos de 1954. Paulinho era riograndense do norte, das bandas de Caicó. Depois, por ele influenciado, fui bater com os costados na Escola de Agronomia do Nordeste, na cidade de Areia, onde fizemos vestibular para o curso agrotécnico, chamado popularmente de Capa Gato. Foi ali que ele arranjou o apelido de Tripa Gaiteira, devido ao excesso de peidos que soltava e, o mais engraçado, pelo fato de queimá-los assim: erguia um pouco as pernas, acendia o isqueiro e largava o pum em cima da chama. Aparecia, então, um facho de luz azulada na escuridão do quarto do nosso alojamento. Paulinho não conseguiu aprovação no vestibular e resolveu ir embora para a sua cidade natal. Desde então, nunca mais nos encontramos. Ficaram as lembranças das brincadeiras, dos veraneios na Praia do Poço, das peças de teatro, enfim, da alegria que ele passava.

Na época, o Poço era uma praia para veraneio, residindo lá apenas pescadores. As casas, na sua maioria, tinham cobertas de palha, quando não eram toda feita de palha. Meu pai resolveu cobrir a nossa com telha de barro e foi preciso derrubar um coqueiro que existia na frente da casa, para evitar que o cocos caídos danificassem o novo telhado. Derrubar o coqueiro não foi grande trabalho como seria o de arrancar o seu tronco, cujas raízes eram por demais profundas. E o tronco foi ficando lá, sob o protesto do meu pai, que reclamava da minha indiferença para com o problema.

Num dos fins de semana que Paulinho foi passar lá em casa, no Poço, ouviu as reclamações do meu pai. Por conta disso propôs-me que, tarde da noite, quando todos estivessem dormindo, a gente saísse e fizesse o serviço reclamado. Depois esconderíamos o tronco arrancado, para que, no outro dia, houvesse uma surpresa geral. Eu topei logo a brincadeira e fiz todos os preparativos: pá, enxada, foice, tudo colocado em local estratégico, sem faltar também uma garrafa de Vinho Imperial e uma lata de Viandada. A noitada estava preparada!

Como havíamos planejado, após todos da casa terem ido dormir saímos de mansinho e demos início à nossa aventura. Cavamos em volta do tronco do coqueiro durante mais de uma hora, até quando uma fina chuva começou a cair. Já passava da meia-noite e, por conta da chuva, resolvemos parar um pouco e tomar o nosso vinho. Para isso nos abrigamos na biqueira da casa, numa lateral que dava para um grande terreno baldio. Em dado momento, começamos a ouvir um grito lacerante, vindo lá de trás, do lado das casas dos pescadores. Apuramos o ouvido e concordamos que alguém estava a gritar desesperadamente: "Mataram minha mãeeeeeee..." Ainda estávamos tentando confirmar a nossa audição, quando um vulto, vindo do lado de onde vinha o grito, atravessou o terreno, portando uma foice. Nos olhou e seguiu em direção à beira-mar. Ficamos bastante temerosos e, para aumentar o nosso temor, novamente ouvimos o grito de "mataram minha mãeeeeeee", dessa vez sem deixar quaisquer dúvidas. Nos perguntamos: o que fazer? Já pensando em procurar o comissário de polícia fomos, de novo, alertados por vultos que se aproximavam. Eram dois homens, vindos do mesmo local do primeiro. Também ao passar olharam para nós, seguindo em direção à praia. Mais intrigados ainda, começamos a planejar a nossa ida à procura de socorro, considerando que teríamos que cruzar o local do crime, caso procurássemos o comissário de polícia. Mais um grito de "mataram minha mãeeeeeee" e a volta do primeiro homem que passou. A essa altura, mil conjecturas fazíamos do que teria acontecido e, por precaução, resolvemos aguardar os acontecimentos onde estávamos mesmo, e esperar a volta dos outros dois que haviam passado depois. Ficamos dando tempo ao tempo e, de vez em quando, ouvíamos "mataram minha mãeeeeeee"!

A manhecença do dia já dava sinais quando resolvemos unir nossas doses de coragem e enfrentar a situação. Bravamente seguimos em direção do "mataram minha mãeeeeeee", após concluirmos que o assassino não estaria mais por lá e sim um filho que chorava a morte da sua mãe.

Um novo "mataram minha mãeeeeeee" aconteceu em cima da gente, causando a grande decepção: tratava-se de um galo velho cantando! O cucuricar da ave soava aos nossos ouvidos como um grito de dor! Voltamos com a cara no chão, putos da vida com a porra do galo e mortos de sono. Das pessoas que passaram por nós nunca ficamos sabendo quem eram, nem o que estavam fazendo, mesmo porque nada estava acontecendo. Nossa trágica fantasia policial evaporou-se e, sem mais ânimo para o trabalho, nos restou, apenas, deixar o tronco do coqueiro para outro dia, guardar as ferramentas e dormir.
Quando acordamos já passava das dez horas. Fiquei imaginando as reclamações do meu pai, cedo da manhã, ao se deparar com a buraqueira que deixamos á frente da casa. Fomos para a mesa tomar café e esperar os comentários. Ninguém disse nada, nem uma palavra. Nem meu pai, nem minha mãe. Achei tudo muito estranho e imaginei que talvez eles tivessem considerando a presença de Paulinho e não quisessem ralhar comigo na frente dele. Terminando o café, o meu companheiro de noitada saiu lá para a frente da casa. Fiquei, sozinho, na mesa, aguardando o carão e ninguém veio me reclamar nada! Aí, vindo lá de fora, volta o meu amigo
Tripa Gaiteira e pergunta:

- Camarada, me diz uma coisa, porque eu acho que estou ficando doido!
- O que foi que houve?
- A gente arrancou aquele tronco?
- Claro que não! Tá ficando doido mesmo, não é?!
- Tem certeza?
- Que loucura é essa, Paulinho? Por que?
- Ele não está lá não!
- Ele quem?
- O tronco!...
- Tá conversando!...
- Vá olhar!

Levantei-me apressado e fui até lá fora. O canto mais limpo! Nem tronco, nem buraco, nem vestígios! Meus pais estavam sentados no alpendre, sérios, falando de outros assuntos. Perguntaram-me se eu não iria aproveitar a praia porque estava um sol tão bonito, coisas assim. Aceitei a sugestão e saímos, eu e Paulinho, para a beira-mar, bastante intrigados com a situação. Não demorou muito uma nova surpresa. Lá, a uns cem metros em direção ao norte, avistamos ele, o tronco, olhando pra gente, como se estivesse rindo da nossa basbaquice!
Depois meus pais contaram tudo: haviam acordado de madrugada e presenciado, através das venezianas da janela do quarto, toda a nossa atividade, inclusive ouvido a nossa conversa sobre o "mataram minha mãeeeeeee". Bem cedo da manhã, juntaram-se com a empregada Beatriz e o marido dela, o pescador Antônio Amarelo, fizeram o resto do serviço e ficaram esperando a nossa reação quando acordássemos. Foi então que Paulinho Tripa Gaiteira me fez outra proposta, que, naturalmente, eu não topei:

- Hoje à noite, vamos trazer o tronco de volta e enterrá-lo no mesmo lugar?

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