sábado, junho 23, 2007

UM DIA MUITO ESPECIAL

CARLOS MELLO

Sílvio sonhou que estava numa reunião de trabalho, com pessoas estranhas, o chefe falava com voz de locutor, que foi ficando cada vez mais alta e próxima. Acordou estremunhado. Era o despertador do rádio-relógio! Sentou na cama indeciso: Ligo pra ela e digo que não posso ir, estou com uma gripe braba? E passo esses quatro dias sozinho, sem fazer nada?

O carnaval do Rio parecia-lhe o mais chato do mundo. Logo que chegou, no primeiro ano, saiu para dar uma volta por Copacabana, quase morreu de tédio. Lembrava o tempo todo do Recife, da semana pré-carnavalesca, o corso, a alegria maluca que tomava conta da cidade. Mas aqui? A gente só sabe que é carnaval porque vê uns casais bem caretas passeando com crianças fantasiadas, saquinho de confete a tiracolo, bisnaga de água na mão. Sempre foi assim. Em duas ou três esquinas uma banda horrível toca antigas músicas carnavalescas, as pessoas passam e olham, ninguém pula, ninguém se anima.

Às vezes sai um bloco do bairro, mas é ainda mais deprimente, umas velhotas de sarongue e colar de havaiana, uns sem-vergonhas vestidos de mulher, todos afetando a maior animação, uma bandinha desafinada tocando marchas antigas. À noite a avenida Atlântica fica cheia de veado vestido de mulher, dizendo gracinhas, uma frescura irritante. Bom, tem as escolas-de-samba, os desfiles, mas é só para ver, sentado numa arquibancada dura, ao relento, e tudo muito comercial, cansativo, fora de mão. Impraticável para quem não tem grana e pode alugar um camarote.

Mas a outra opção, que risco! Quatro dias numa colônia de férias na serra, longe de tudo. E se quisesse voltar, como faria? Ia com a namorada, a irmã dela, o noivo, que era capitão da Marinha, lá encontrariam o tio das moças, que era quem oferecera a hospedagem, na qualidade de presidente da associação de funcionários públicos, dona da tal colônia. E se esse capitão for um chato? O tio, elas tinham avisado, é super-careta, já estabeleceu que as duas vão ficar em um quarto, os rapazes em outro, só faltava essa! Toca o telefone, era a namorada:

- Sílvio, e aí benzinho, já está pronto? Não vá falhar, hein? Tio Anísio já falou que quer te conhecer, o Abelardo também.

- Quem é Abelardo, Alice?

- O noivo da Camila, o oficial da Marinha.

- Ah, sei...

- A gente passa aí em baixo dentro de uma meia hora, tá bem? Não deixe de levar calção, lá tem piscina.

- Tá bom, daqui a pouco estou descendo.

Jogou umas roupas na valise, tratou de vestir um traje mais esportivo. Calça jeans, camisa nova, comprada na véspera por insistência da Alice. Na hora, achou-a meio afrescalhada. Agora, vestido com ela, viu que, além disso, era muito grande e espalhafatosa, com uns riscos laterais coloridos, parecia blusa de mulher. Botou um pulôver sobre os ombros, para disfarçar, sentiu-se ainda mais ridículo. Resolveu descer assim mesmo, lá na colônia de férias botava uma camiseta branca, nunca mais usava aquela roupa de bicha.

Abelardo não é propriamente um chato, como receara, até que é boa praça, guardou a valise dele no porta-malas, convidou-o a sentar na frente, ao seu lado. Foram conversando sobre carros, o dele era novo, tirara há pouco num consórcio da Marinha. Ao chegaram à colônia, já estavam amigos. Combinaram deixar as malas das mulheres num quarto e as deles em outro, para não grilar o tio, à noite trocavam.

Desceram para a piscina, tomaram cerveja, contaram piada. O ambiente era um bocado família classe-média remediada, mas o que fazer? Ao menos estava num lugar bonito, cheio de pinheiros, com muita cerração no cair da tarde, coisas que agradavam sua retina habituada ao sol forte e à vegetação luxuriante do litoral.

Esse carnaval estava sendo bem melhor do que esperava. De dia, piscina, passeios a pé ou a cavalo. À noite, jantar com vinho, joguinho de baralho, ou de sinuca, depois cama. Alice ficou ainda mais gostosa com o clima da serra. “Que mais queres”, perguntava o poeta, “além de versos e mulheres?” Pena que está nos finalmente, hoje é terça, o pessoal começa a descer, já se sente um desânimo geral diante da perspectiva de voltar para a cidade, para a rotina opaca lá de baixo.

A animação da piscina diminuiu um pouco, mas ainda é grande. Todo mundo alegre, entrosado, os desconhecidos do primeiro dia já são companheiros de churrasco. Ele e o Abelardo ficaram encarregados de comprar a carne na cidadezinha, ainda aproveitaram para tomar umas cervejas, dar um giro. O Abelardo é bem forte, musculoso, faz ginástica todo dia, pelo aperto de mão vê-se que tem uma força de boi. É um cara legal, sem dúvida. Não gosta de livros, dá preferência a revistas. Paciência, ninguém é perfeito.

O churrasco vai na maior animação, a piscina está uma festa. Chegou uma kombi cheia de gente, só homem. Que será? Tio Anísio explica: deve ser gente que desfilou com as escolas de samba, está vindo descansar, a piscina é livre, desde que se pague uma taxa. É uma maneira de dar uma força para o bar e o restaurante, sempre vem gente de fora, às vezes das cidades vizinhas.

Os recém-chegados acomodaram-se em uma mesa à beira da piscina, no lado exatamente oposto ao deles, pediram bebidas, tira-gosto. Alice vem chegando com o protetor solar, besunta-lhe as costas e o nariz, cuida dele como se fosse um filho, e isso o deixa bem satisfeito. Sente as mãos macias, a voz carinhosa avisando que daqui a pouco está na hora do almoço. Fica excitado com seu biquíni, que é branco, meio transparente, dá para ver o biquinho do seio. Tem vontade de despi-la ali mesmo, na frente de todos. Ao mesmo tempo, sente uma ponta de ciúme, ao ver que a irmã dela usa um maiô inteiro, bem composto.

Deita na cadeira, cobre o rosto com o boné. Está levemente tonto, tomaram café muito cedo, depois misturou cerveja com batida. O zunzum das vozes vai sumindo, ele acaba caindo no sono. Desperta com as conversas perto dele, parece que reclamam de alguma coisa. Ouve o Abelardo inquirir o tio Anísio em voz alta:

- Poxa, tio, aqui também dá disso? É uma vergonha, deviam botar pra fora!

- Pois é, não sabia que era isso.

Isso, o quê? Segue o olhar deles, para o lado oposto da piscina e só então compreende. Os recém chegados eram gays, riam e brincavam entre eles. Mas sentiram a hostilidade do meio, as caras feias, os olhares de deboche, as piadas. E foram se encolhendo, ficaram quietos, falando baixo. Abelardo queria juntar um grupo para expulsá-los, foi preciso as moças pedirem pelo amor de Deus. Outros homens começaram acintosamente a arrumar-se para deixar a piscina, as crianças reclamavam, as mães ficaram nervosas com aquele clima tenso.

Sílvio está assustado com a virada. Como é que aquelas pessoas, tão simpáticas, e alegres, agora estão naquela guerra santa? Que mal esses caras fazem em brincar e divertir-se também? E se fossem seus amigos? Ele tinha amigos que na certa seriam discriminados ali também. Começou a sentir-se um estranho no meio daquela gente da colônia. E o Abelardo, que direito tinha de agredir os outros, de escolher quem pode freqüentar a piscina?

Aquelas questões passavam velozes por sua cabeça atônita. Olhou para o outro lado, os rapazes continuavam acuados. Um deles, o mais moço, um adolescente magrinho, sentara na borda da piscina. Tinha o olhar triste. Tirava água com uma das mãos e ia derramando aos pouquinhos. Parecia um animalzinho amedrontado, acuado por aquele ódio cego, gratuito. Sílvio não conseguia afastar o olhar daquela criatura, daquela cena, que lhe revolvia o peito com sentimentos díspares, de pena daquelas criaturas, de ódio daqueles fascistas, que se arvoravam donos do comportamento alheio. Levantou-se, mergulhou na piscina, nadou até o outro lado, onde estava o rapazinho.

- Oi, tudo bem com você?

O garoto olhou assustado, não entendia aquele gesto, seus amigos também pareciam preocupados.

- Vocês estão vindo do Rio? Foi bom o carnaval lá?

O garoto continuava a olhar para ele, indeciso, desconfiado. Respondeu meio a medo que tinham desfilado na avenida, depois tinham buscado a colônia para descansar. Era a primeira vez que vinha àquele lugar, achou lindo, muito calmo.

- Deve ser bem mais agradável com menos gente.

- Com certeza. É a primeira vez que venho aqui também.

- E está gostando?

- Sim. Como é seu nome?

- Manfredo.

- Prazer, Manfredo. Meu nome é Sílvio. Vocês voltam ainda hoje?

- Sim, daqui a pouco. Já pedimos a conta.

- Então até logo. A gente já está voltando também.

O garoto fez um ar triste.

- Então adeus. E.... olha, muito obrigado. Você é a melhor pessoa daqui.

Apertaram as mãos, Sílvio nadou de volta. Mas agora vinha leve, vinha tranqüilo, com a serenidade de quem se acumpliciara com a sua consciência. Agora sabia um pouco mais de si próprio, do que era capaz, e estava satisfeito com a descoberta.

Hoje, passados tantos anos, distrai-se na solidão da velhice a relembrar fatos de sua vida, os momentos bons e alegres, e também os difíceis, ou tristes. É como mexer em uma caixa de fotos antigas. Ou uma coleção de moedas e medalhas. E sempre recorda com agrado aquele dia especial, na beira da piscina, quando durante alguns poucos minutos o universo ficou em suspenso. É como uma medalhinha de ouro, única condecoração de sua vida, que ele conferira a si próprio por aquela pequena bravura.

terça-feira, junho 12, 2007

OS ANOS DE HOLLYWOOD - UMA BIOGRAFIA


HUGO CALDAS

Meus caros. Acabo de receber um "press release" do livro de David Bret, "Elvis - Os Anos de Hollywood". Os fãs de ELVIS PRESLEY que me perdoem. Não sou nenhum iconoclasta mas receio que muita gente boa vai ficar chocada com sua nova biografia, recém saida do forno, onde se afirma que o grande pop-star tinha seus deslizes ao "saltar de marcha," "cair do banco"... enfim, o Rei do Rock teve lá seu secreto "gay affair." Tivesse o acontecido ocorrido nos dias de hoje onde passeatas gays, já são corriqueiras, acontecem na maior, para embaralhar e infernizar o trânsito já caótico de São Paulo...

De acordo com "ELVIS: OS ANOS de HOLLYWOOD" por DAVID BRET, o seu empresário Coronel TOM PARKER, autoritário como todo bom coronel, mesmo na reserva, mas ganancioso de carteirinha, o chantageava mantendo-o em virtual escravidão, ameaçando contar pra Deus e o mundo, os aconchegos amorosos do seu romance secreto com um ator chamado Nick Adams.

Bret afirma que Parker mantinha estas informações secretas sobre Elvis por cima da cabeça dele como uma espada de Dâmocles. Se Elvis não fizesse direitinho tudo o que o coronel exigia ele daria com a língua entre os dentes. Naquele época, a carreira de Elvis iria seguramente para o vinagre. Daí o motivo, do total controle, obsessivo até, do empresário Parker sobre Elvis. Daí a razão pela qual o coronel Parker mantinha as rédeas curtas com o seu pupilo, no final das contas, uma verdadeira mina de ouro.

A virada (epa) sexual de Presly começou como uma "fixação de adolescente" pelo ator JAMES DEAN que terminou em obsessão, diz o livro. O Rei viu o "REBEL WITHOUT A CAUSE - Juventude Transviada" umas 44 vezes. Finalmene ele e Nick Adams que estava o elenco se tornaram amigos íntimos.

Adams afirmou que tivera um um breve "colóquio amoroso" com o Rei depois que Elvis concordou em ser sua "companhia" na festa da pré-estréia do filme de Nick, "O ÚLTIMO VAGÃO."

Presley, até àquela data um símbolo sexual, que levava milhares e milhares de garotas aos paroximos do êxtase, não conseguia, embora tentasse repetidas vezes, arranjar um papel em seu primeiro filme, "LOVE ME TENDER" para Nick.

Em 1958, "Nick Adams e Elvis ficaram no mesmo quarto do mesmo hotel em Nova Orleans enquanto Elvis filmava "KING CREOLE," revela o autor.

Muitos jornalistas bem que tentaram furar o bloqueio do empresário e publicar algo mas foram impedidos pelo intrépido coronel Parker. O outrora rebelde de uma geração, a pedra fundamental de um movimento... bem que podia passar sem essa mancha em sua biografia.

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quinta-feira, junho 07, 2007

CARTA AO SENHOR PREFEITO


Clemente Rosas

Excelência: Quem lhe escreve não é um correligionário, tampouco um aliado, sequer um eleitor desta cidade. Mas é alguém que, sem nenhum compromisso com o seu partido, e mesmo inicialmente crítico quanto à sua gestão, aprendeu a respeitá-lo pelo bom desempenho e pelo destemor das suas decisões. Por isso, alimento a esperança de que estas palavras sejam acolhidas como crítica construtiva, e mereçam reflexão.

Confesso também que ao vê-lo, já investido da autoridade de governante, distribuindo panfletos na rua, numa atitude de populismo inconseqüente, fiquei ainda mais desanimado. Mas aos poucos vieram as providências que foram dando a tônica da sua administração, tão bem traduzida pelo lema: “A Grande Obra é Cuidar das Pessoas”. Medidas corajosas, contrariando às vezes interesses poderosos, mas sempre voltadas para o bem estar da população.

A retirada do “Recifolia” da orla marítima foi das decisões mais valorosas, um desafio que seus antecessores não se dispuseram a encarar, apesar do clamor de milhares de prejudicados. O disciplinamento do transporte alternativo foi outra, que teve de enfrentar a fúria dos “piratas” do trânsito. E também a inversão do fluxo automotivo nas avenidas Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar, de resultados tão evidentes, apesar da resistência inicial de comerciantes imediatistas. A urbanização de Brasília Teimosa, o binário da Avenida Caxangá, o Canal do Cavouco, a Academia da Cidade são mais alguns exemplos de realizações saudáveis e democráticas.

Por tudo isso, constrange-me vê-lo obstinar-se em levar adiante uma obra que a população rejeita, numa verdadeira traição ao anseio popular motivador da conquista do terreno para abrigá-la. O parque de Boa Viagem, sabemos todos, foi idealizado como reserva de verde, refúgio ecológico como a Jaqueira, nunca espaço para “shows” e multidões barulhentas. O belo projeto de Niemeyer, fruto, ao que parece, de uma “encomenda mal especificada”, não é para aquele lugar. Arquitetos recifenses, mobilizados pela onda de insatisfação popular que se alastra, já apontaram localizações alternativas: Cais José Estelita, Rua da Aurora, Pina, Vila Naval. Qualquer delas mais adequada que a densa zona residencial de Boa Viagem.

Não vou discorrer aqui sobre as contra-indicações à concepção adotada, já apresentadas em numerosos artigos: fluxo de veículos e pessoas incompatível com o entorno, poluição sonora, ausência de vegetação em área hoje carente de árvores. Chamarei apenas a atenção para a dimensão política do caso, pois esta pode envolver o êxito ou o fracasso da carreira de qualquer homem público.

Posso ser acusado aqui de pretender ensinar padre-nosso a vigário. Mas quero lembrar a afirmação de Friederich Engels: o erro mais comum em política é confundir os desejos com a realidade. Por isso um observador distanciado pode alertar para algo que o político militante se recusa a ver. A que pode levar, por exemplo, essa precipitada campanha publicitária, a crítica a supostas “elites” egoístas, o anúncio de pesquisa de opinião para ouvir, dicotomicamente, “pobres” e “ricos”, a comparação das atuais resistências dos munícipes à dos contraventores do transporte alternativo?

A campanha é pouco séria, pois mostra uma obra ainda em reformulação, e só vai exacerbar os seus opositores. O pressuposto implícito na pesquisa anunciada, de que “pobres” e “ricos” têm opiniões divergentes e interesses conflitantes, não parece saudável. E o protesto de cidadãos conscientes não pode ser comparado à reação de interesses contrariados de grupos econômicos ou facções corporativas. Não são só os residentes em Boa Viagem que reclamam. E ainda que assim não fosse, seria irracional localizar um projeto de suposto interesse da “cidade” em um bairro que o rejeita.

Resta a acusação às “elites”. Mas não são elas, Senhor Prefeito, que combatem a sua proposta. Não são elas que colhem assinaturas nas ruas, distribuem manifestos, escrevem nos jornais. É a classe média: a grande formadora de opinião, definidora de eleições, berço de lideranças. E hoje também, se tomada “lato sensu”, o segmento numericamente mais expressivo da população urbana, pois o operariado fabril há muito perdeu a predominância que tinha ao tempo de Marx e Lenin. Assim, o grande risco da intransigência é perder o seu apoio, o que seria um erro político irremediável.

Considere, pois, a possibilidade de, num gesto de modéstia e de grandeza, reconsiderar a sua decisão, localizando o projeto de Niemeyer em espaço alternativo, e assegurando aos moradores de Boa Viagem o refúgio bucólico que outros recifenses já mereceram. Para inspirá-lo, com todo o respeito, invoco o exemplo de homens como De Gaulle, Churchill, Bóris Yéltsin ou Adolfo Suarez, que passaram à História por atitudes simples mas corajosas, tomadas em momentos decisivos.


Clemente Rosas é consultor de empresas
clementerosas@terra.com.br


SOU BREGA COM MUITO ORGULHO E ATEU...


Elpídio Navarro


Sou brega com muito orgulho e ateu graças às religiões. Não nego. Me amarro na música de Sidney da Conceição e Augusto César interpretada por Luiz Ayrão "qualquer dia, qualquer hora, a gente se encontra, seja onde for, pra falar de amor..." e também na de Carlos Imperial cantada por Ronnie Von "Hoje eu acordei com saudades de você... na mesma praça, no mesmo banco..." e também ainda na de Wando "você é luz, é raio estrela e luar...", não esquecendo de Chico Buarque, Vinícius e Gonzaguinha. Outros tantos.

Agora, tem uma balada que marcou a mais feliz fase da minha vida e que até hoje não sai da minha emoção: "Quando estou nos braços teus, sinto o mundo bocejar, quando estais nos braços meus, sinto a vida descansar..." O Prelúdio Para Ninar Gente Grande ou Menino Passarinho como é mais conhecida. Para mim Luis Vieira inventou a mais simples, expressiva e bela canção de amor. Se preferir esse tipo de música é ser brega eu o sou com muito orgulho, mesmo porque não consigo gostar do aché, dos forrós eletrônicos tipo Banda Calýpson e dos discursos cantados dos grupos de funk.

É porque eu já sou um velho? Pode ser. Mas quando eu era moço gostava de Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Silvio Caldas e muitos outros românticos. Depois Agostinho dos Santos, Maysa e Dolores Duran. O tempo passou e comecei a cantar Valsinha de Chico Buarque. Isso sem nunca ter esquecido Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Sou de um tempo de se sair do cabaré e ir pra casa e não o inverso. Não é falso moralismo não, é, sim, gosto musical mesmo. E isso não se discute não. É como religião e futebol.

E por falar em religião fui batizado, fiz Primeira Comunhão, fui da Cruzada Eucarística, ajudei Missa e Terços no mês de maio e casei, tudo dentro do Catolicismo. Do batizado e da comunhão foram responsáveis meus pais. Na Cruzada da Igreja da Conceição tinha Cleide, uma linda e apaixonante loura, que despertava o interesse dos meninos para a religião. Ajudar missas e terços era para aparecer diante dela. O casamento religioso foi mais por conta da família da noiva mas, em compensação, ocorreu na casa dela e celebrado por um padre amigo que tremia mais que os noivos durante o ato. Chegou a ser hilariante. No entanto, mesmo com toda essa relação com a religião nunca fui religioso. Nunca acreditei na história do homem através da versão mística. Lembro que na igreja que eu freqüentava o padre tinha carro e motorista. E estávamos no fim dos anos 40 e início dos 50. Esse padre aposentou-se, vendeu o carro e apenas dispensou o velho motorista, que ficou sem o ganha pão e sem conseguir novo emprego devido a sua avançada idade. A CLT se já existia não funcionava contra a Igreja. Acho que foi essa a minha primeira grande decepção de ordem religiosa.

Hoje vejo a fortuna gasta com o aparato para a visita do Papa Bento ao Estado de São Paulo. Dinheiro que melhor seria empregado com a saúde e a fome do povo necessitado, e não para uma demonstração de força diante do crescente número de outras religiões que se instalaram no País para sugar os minguados reais dos incautos crentes. E como sugam! Tudo objetiva dinheiro e muito dinheiro. É só dar uma espiada na suntuosa construção feita pela tal Igreja Universal na Avenida Epitácio Pessoa, área nobre de João Pessoa. E a sede mundial no Rio de Janeiro com 63 mil metros quadrados de construção com dinheiro tomado do povo que crê no Inferno e no Céu? Um estúpido atentado à situação de sucateamento das Universidades Brasileiras.

E para completar nos chega a notícia enviada por Manfredo Caldas: "O senador (bispo) Crivela do PL e da Igreja Universal, está prestes a aprovar, no Senado Federal, uma emenda à Lei da Rouanet que permite a construção e reforma de templos religiosos com renúncia fiscal , passando a disputar verbas com a cultura. Quem for contra deve se manifestar o quanto antes!!! A emenda, que teve o parecer favorável do senador Paulo Paim (PT-RS), foi aprovada pela Comissão de Educação e deixa mais claro que o Pronac poderá ser usado para contemplar não só museus, bibliotecas, arquivos e entidades culturais, como também "templos de qualquer natureza ou credo religioso"". E ele não está só nesse grande escuso negócio que pretende tornar legal. Tem muita gente no Congresso interessada nos votos dos "fieis".

Fosse vivo Daniel, funcionário aposentado do Estado, estaria gritando no Ponto de Cem Reis: "para os casacudos venais da Nação, só forca!" Enquanto eu, no máximo digo que sou ateu e não pretendo rasgar meus versos e crer na eternidade. Graças a eles, os artistas das religiões.

www.eltheatro.com

AVISO AOS NAVEGANTES

O Blog passa a partir desta data a apresentar bem aí, do lado direito de quem vai, uma relação de Links, Blogs e Sitios que seguramente merecem a atenção de todos nós. Seja pela informação prestada, seja pela inteligência no trato do assunto apresentado ou até pela utilidade. São apenas dez no momento mas creio que com o tempo acrescentaremos outros, tão importantes quanto. Sirvam-se. De nada! Hugão

segunda-feira, junho 04, 2007

SONHA



CELSO JAPIASSU


Ao homem o pensamento lhe dizia sonha,

e a memória de amarras o prendia

a coisas mortas e a coisas que morriam.


Tecido em opaco, o olhar alcançava

o horizonte, as cores desmaiadas

e as demais roupagens de um dia.


A sombra desse dia anunciava a noite

e esta escondia o ritual da aurora

que trafegava num circulo sem nome.


Um rosto velho escondia-se

em outra face perdida e no silêncio

uma criança contemplava e ria.


O tempo estiolava-se ao sol

e ampliava o sonho

na própria noite onde crescia.


Éramos poucos. A madrugada

ecoava e a margem de um rio

reverbera a palavra e silencia.



www.umacoisaeoutra.com.br

A TRAIÇÃO

EVERALDO MOREIRA VÉRAS

Trouxe Pedro, seria um dos companheiros. No dia exato da escolha, o pescador se recusara, justificou que não se sentia capaz, pois se considerava um sujeito ordinário. Um sujeito inexpressivo, sem nenhuma virtude. E pior, um torpe, vil pecador. Como exercer a missão de ajudar o próximo, se não conseguia salvar a própria alma dentro da consciência?

Explicou,

Reconheço, sou uma pessoa que nada tem a dar aos outros, não presto, me considero um indivíduo sujo, impuro, medíocre.

Isso não convenceu ao outro. Que o aceitou, e fez questão da sua presença. Você não é nada disso, contestou. Você é o primeiro escolhido. E disse mais: que Pedro, embora simples e humilde trabalhador, teria a missão de reconstruir a humanidade, tirar os culpados da perdição.

Do pecado.

Garantiu até que sobre Pedro, que era uma pedra, edificaria a sua Igreja, que acolheria os fiéis que tivessem boa vontade e quisessem fugir ao mal. E ao fogo eterno, a pior das punições.

O Mestre (era como o chamavam os doze apóstolos) discursou para os seguidores. Disse que Pedro encarnaria a verdade, o símbolo da pureza e da liberdade. Concordaram e responderam que obedeceriam às palavras do novo líder. Ficariam guardadas nos seus corações.

O Salvador (também assim o chamavam os discípulos) sabia que Pedro o amava. Que ele, pela causa, conforme a vontade de Deus, iria até o fim, até a morte.

Os preferidos são os melhores, os que têm piedade e sabem mostrar o caminho correto. Portanto, Pedro comandaria a legião que ajudaria os excluídos a suportar o sofrimento, na hora do juízo final, o encontro marcado com a paz e a luz.

Pedro abraçava o Mestre, beijava-lhe as mãos, a demonstração era de grande carinho. Separar-se do Salvador, jamais. Nele estava o bem, a esperança. Quem não o seguisse, claro, não receberia o perdão, no dia fatal amargaria o terror dos infernos. O que duraria a eternidade, enquanto prevalecessem a vingança, a desobediência, a dor.

Sucedeu, infelizmente, que a justiça levou o Salvador às garras do tribunal. Acusaram-no de revolucionário, um bandido. Um suspeito insuflador das massas ignorantes. Viera para praticar crimes hediondos e subverter a ordem, de modo torpe, desonesto. Um impostor, vestindo a pele de cordeiro, aproveitava-se da miséria alheia, queria enganar os espíritos fracos e menos avisados. Um malfeitor. Um malfeitor perigoso.

Os doze missionários foram intimados, teriam de depor no julgamento do réu. Haveria de ser assim, eram os mais próximos, as imediatas vítimas do falso profeta .

Pedro, o líder, o primeiro a ser argüido.

O juiz perguntou,

Tu conheces o acusado?

Pedro respondeu que não, jamais o vira em toda a sua existência. O juiz ainda insistiu, argumentou que a sociedade inteira sabia que ele, Pedro, aceitava o pensamento do agitador, do guerrilheiro, chamando-o até de Mestre.

Como ousas dizer, aqui, que não o conheces? — o juiz bradou, colérico.

Pedro repetiu,

Não, Excelência, nunca vi este homem!

E

pediu licença, retirou-se do tribunal. O que fez de cabeça baixa, contrito, sem olhar para trás, sequer para os lados. Ao passar junto ao Salvador, ali, espancado, ofendido, humilhado e algemado, este não se conteve, disse,

Pedro, tu, meu amigo, fazeres isso?

Ao que Pedro retrucou, baixinho,

Não te conheço, não sei quem tu és!

(E repetiu a negação três vezes).

O Mestre, sufocado, decepcionado, baqueado, ferido — chorou. Mal teve condições de murmurar, somente Pedro ouviu, porque suas palavras sangravam,

Estou lascado!