segunda-feira, junho 04, 2007

A TRAIÇÃO

EVERALDO MOREIRA VÉRAS

Trouxe Pedro, seria um dos companheiros. No dia exato da escolha, o pescador se recusara, justificou que não se sentia capaz, pois se considerava um sujeito ordinário. Um sujeito inexpressivo, sem nenhuma virtude. E pior, um torpe, vil pecador. Como exercer a missão de ajudar o próximo, se não conseguia salvar a própria alma dentro da consciência?

Explicou,

Reconheço, sou uma pessoa que nada tem a dar aos outros, não presto, me considero um indivíduo sujo, impuro, medíocre.

Isso não convenceu ao outro. Que o aceitou, e fez questão da sua presença. Você não é nada disso, contestou. Você é o primeiro escolhido. E disse mais: que Pedro, embora simples e humilde trabalhador, teria a missão de reconstruir a humanidade, tirar os culpados da perdição.

Do pecado.

Garantiu até que sobre Pedro, que era uma pedra, edificaria a sua Igreja, que acolheria os fiéis que tivessem boa vontade e quisessem fugir ao mal. E ao fogo eterno, a pior das punições.

O Mestre (era como o chamavam os doze apóstolos) discursou para os seguidores. Disse que Pedro encarnaria a verdade, o símbolo da pureza e da liberdade. Concordaram e responderam que obedeceriam às palavras do novo líder. Ficariam guardadas nos seus corações.

O Salvador (também assim o chamavam os discípulos) sabia que Pedro o amava. Que ele, pela causa, conforme a vontade de Deus, iria até o fim, até a morte.

Os preferidos são os melhores, os que têm piedade e sabem mostrar o caminho correto. Portanto, Pedro comandaria a legião que ajudaria os excluídos a suportar o sofrimento, na hora do juízo final, o encontro marcado com a paz e a luz.

Pedro abraçava o Mestre, beijava-lhe as mãos, a demonstração era de grande carinho. Separar-se do Salvador, jamais. Nele estava o bem, a esperança. Quem não o seguisse, claro, não receberia o perdão, no dia fatal amargaria o terror dos infernos. O que duraria a eternidade, enquanto prevalecessem a vingança, a desobediência, a dor.

Sucedeu, infelizmente, que a justiça levou o Salvador às garras do tribunal. Acusaram-no de revolucionário, um bandido. Um suspeito insuflador das massas ignorantes. Viera para praticar crimes hediondos e subverter a ordem, de modo torpe, desonesto. Um impostor, vestindo a pele de cordeiro, aproveitava-se da miséria alheia, queria enganar os espíritos fracos e menos avisados. Um malfeitor. Um malfeitor perigoso.

Os doze missionários foram intimados, teriam de depor no julgamento do réu. Haveria de ser assim, eram os mais próximos, as imediatas vítimas do falso profeta .

Pedro, o líder, o primeiro a ser argüido.

O juiz perguntou,

Tu conheces o acusado?

Pedro respondeu que não, jamais o vira em toda a sua existência. O juiz ainda insistiu, argumentou que a sociedade inteira sabia que ele, Pedro, aceitava o pensamento do agitador, do guerrilheiro, chamando-o até de Mestre.

Como ousas dizer, aqui, que não o conheces? — o juiz bradou, colérico.

Pedro repetiu,

Não, Excelência, nunca vi este homem!

E

pediu licença, retirou-se do tribunal. O que fez de cabeça baixa, contrito, sem olhar para trás, sequer para os lados. Ao passar junto ao Salvador, ali, espancado, ofendido, humilhado e algemado, este não se conteve, disse,

Pedro, tu, meu amigo, fazeres isso?

Ao que Pedro retrucou, baixinho,

Não te conheço, não sei quem tu és!

(E repetiu a negação três vezes).

O Mestre, sufocado, decepcionado, baqueado, ferido — chorou. Mal teve condições de murmurar, somente Pedro ouviu, porque suas palavras sangravam,

Estou lascado!

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