sábado, abril 26, 2008

RECUERDO 32 - A Travessa Rio Grande do Sul


Hugo Caldas

Nunca entendi muito bem a razão do gauchesco nome. O que poderia haver entre a Paraíba e o Rio Grande do Sul, além da aliança em 1930; além das balas escamoteadas em latas de manteiga; além das mantas de carne de charque recheadas de armas e munição, desembarcadas na calada da noite em Ponta do Seixas; o que realmente existiu para o nobre estado sulista merecer o nome de uma rua? Aliás, esse assunto de nomenclatura de ruas, cidades, logradouros etc, trocá-los ou não - oh falta do que fazer - anda muito em voga por estes dias em pagos tabajarinos. Me refiro a algo que nada tem a ver com revoluções, e malquerenças Liberais/Perrepistas. A Travessa aí de cima era o nome da rua em que eu morava quando adolescente na década de cinqüenta.

Transversal da Av. Epitácio Pessoa (epa) o simpático logradouro se iniciava descendo uma pequena ladeirinha. Não era calçada, e todo mundo sem exceção, se dava muito bem. Casas geminadas, todas iguais. Não diferiam em nada. Talvez para igualar as pessoas, evitando mania de grandeza. Na casa em frente morava seu Pedro, casado com Dona Anunciada. Tinham um filho por nome Caio. Seu Pedro, amigo do meu pai tinha um irmão gêmeo chamado Paulo. Eram idênticos o que causava a maior confusão na cabeça dos garotos da rua. Junto morava a família de Dona Maristela, mãe de Astrogilda, João e um garoto de uns quatro ou cinco anos muito do chatinho. O pestinha vivia inteiramente pelado, dia e noite. Convenhamos que não era exatamente um belo espetáculo o garoto nú, com os penduricalhos à mostra e chupeta na boca, nariz escorrendo. Às vezes aparecia nos mesmos trajes com um cigarro no bico e uma mão nas costas, andando pra cima e pra baixo no jardim. Chorava por qualquer dez réis de mel coado. Manhoso estava ali. O velho pai lhe fazia todos os seus gostos. Fim de rama!

No mesmo correr descendo um pouco mais à direita ficava a casa de Venelipe, enfermeiro lotado na Secretaria da Saúde, Presidente do Filipéia Futebol Clube, protestante praticante. Tomava uma cana acertada. Venelipe era a elegância em pessoa. Preto, dentes alvíssimos, alto, simpático, educadíssimo, envergava sempre um terno de diagonal muito bem engomado, chapéu de feltro cinza, sapatos sempre lustrando. Espetáculo digno de monta era quando ele voltando para casa absolutamente embriagado descia a ladeirinha, elegantérrimo, tudo no lugar, totalmente à deriva, tentando se equilibrar e ao mesmo tempo salvaguardar a sua inseparável Bíblia. Uma figura no mínimo curiosa. Família também fora do comum, pois além das peripécias do patriarca pinguço, nutria uma outra peculiaridade. Como bons evangélicos que eram, Venelipe e esposa colocavam na prole nomes tirados da Bíblia Sagrada. Adão, Eva, Abel, Isaac, Jacó e por aí vai. Na época, o último rebento foi brindado com o nome de Zorobabel.

Pegada com a nossa tinha a casa de Dona Jarina, sua irmã Tonha que trabalhava em uma firma na Maciel Pinheiro, e as filhas Risoleide e Zenilda. Uma família da mais alta fidalguia. Dizia Dona Jarina, em tom zombeteiro sobre a mão fechada de sua irmã: "Tonha não gosta de gastar dinheiro. Nunca comprou nada pra ela. Na farmácia ela não se agrada nem de um cachete." Certa vez Tonha, que havia terminado um namoro, estava sentada no muro, tristíssima, a pensar na vida. Dona Jarina gritou lá da cozinha:

- Que estás fazendo aí, Tonha? Vai querer se suicidar, é? Cuide de cair pro lá de cá, porque se cair pro lado de lá o cachorro de Seu Cromácio come!

Com o passar do tempo Dona Jarina e família se mudaram para o Rio de Janeiro. De vez em quando a minha mãe e ela se visitavam.

Havia pois na casa ao lado, seu Cromácio Arnaud, casado com Dona Acidália. Vieram do alto sertão curtir uma merecida aposentadoria. Seu Cromácio tinha, como já sabem, uma fera dentro de casa. Um cachorro enorme branco e feroz. Era o terror da rua. O cachorro, evidentemente.

E tinha também o Luís, ah, o Luís! Sujeito magricela, meia idade, recém-casado, era bom alfaiate. Vivia às turras com a mulher sempre terminando suas desavenças num Grand Finale digno dos melhores filmes da Pelmex. Se ensopava de querosene e ameaçava atear-se fogo. A empregada, coitada, escondia todos os fósforos da casa e corria apavorada em busca de alguém a fim de impedir o tresloucado gesto do seu patrão. Meu pai, por ser amigo de Luís, era sempre o escolhido que ia meio a contragosto, salvar o candidato a suicida. Até o dia em que encheu o saco, ao chegar mais uma vez à casa de Luís, à essas alturas mais uma vez encharcado de querosene, a procurar por algo que fizesse fogo. Ameaçava, qual monge budista, imolar-se a fim de ver o que a sua digníssima cara metade faria. Ela, sentada numa cadeira de balanço, não dava a menor bola, acostumada que estava à corriqueira palhaçada. Meu pai, decidido tirou do bolso uma caixa de fósforos entregou à Luís dizendo:

- Está aqui, Luís. Toca fogo, vamos lá, não é homem, não?

Foi água na fervura. Cessaram ali, para sempre as ameaças suicidas do seu Luís. Dizem que depois dessa viveram felizes para todo o sempre. Não sem antes, procedimento da maior sabedoria, demitir a empregada trocando-a por outra.

A Travessa descia mais um pouco e terminava na Rua Rio Grande do Sul perpendicular à entrada do logradouro. Ali, moravam a família de Seu Nelson, um pernambucano que veio transferido do Recife a fim de abrir um escritório da "Arrozina" um produto de alta aceitação. Gente muito boa, família grande: Nelson Filho que terminou casado com Zenilda, filha de Dona Jarina, Dei (era assim mesmo que o chamavam) um outro irmão meio artista, que gostava de tocar bateria nos móveis da sala e mais duas filhas. Uma se chamava Haidée e eu até me enfronhei em ter um namorico com ela. Talvez porque achasse o nome bonito, ela era bonitinha, e eu havia lido recentemente "O Conde de Monte Cristo" onde havia a princesa Haidée. Soube que ela teria enlouquecido tempos depois. Uma pena.

Finamente havia os Pordeus. Família de matemáticos. Meu pai contratava um deles, se não me engano, Gilberto, para me dar aulas extras pois sempre fui burroide na matéria. Tempos depois encontrei José Pordeus trabalhando na Receita Federal no Recife. Basílio era da minha idade e nos dávamos muito bem. Sujeito engraçado, pois via tudo como uma eterna piada. Certa vez veio me mostrar o dedo polegar inchado por conta de um minúsculo pedaço de madeira que acidentalmente havia entrado. Às gargalhadas falava que o que estava dentro do seu dedo tinha dois nomes pra lá de hilários: uma "filepa" ou uma "felpa" e embolava a sorrir. Tinha uma irmã, Terezinha que andou de namoro com um amigo meu, o Celso Almir, mais novo um ano ou dois do que ela. O que nos matava a mim e outros amigos de inveja por ele estar namorando uma "moça de verdade."

À noite a minha casa se enchia de amigos e íamos para a esquina conversar potocas. Vinham Almir, o Cego Silvinha, Serafim, O Magro Gilvan, Paulo Jubert e Calico de vez em quando e o Eudes do Oriente. Durante o dia havia ainda as garotas Célia e Eunice que moravam perto.

Por onde andam todas essas pessoas? Alguns tenho certeza que já se foram. E hoje, ao desdobrar esse filme na minha mente me atrevo a fazer a pergunta do belo poema de Manuel Bandeira:

"Onde estão todos eles?
Estão todos dormindo.
Estão todos deitados.
Dormindo. Profundamente."

hucaldas@gmail.com

EPISÓDIOS DA VIDA ESTUDANTIL: DO GINASIAL AO COLEGIAL

Breno Grisi


EPISÓDIO II – O CIENTÍFICO. Ver os colegas de antigamente nos dias de hoje, profissionais com títulos acadêmicos e com destaque na sociedade, competentes, sisudos, não dá para associá-los às figuras irrequietas, energéticas, cheias de idéias criativas e ardilosas, que foram nos cursos ginasial e colegial.

Exemplifico com os episódios vividos por Calui (hoje, médico dermatologista Carlos Fernandes Martins), Sérgio Rolim Mendonça (engenheiro sanitarista de renome internacional) e até mesmo o contador de estórias que ora vos alcança através deste “blog”.

No primeiro ano científico, na bagunçada turma de 1959 no Pio X, um de nossos mestres era o irmão Herman que, já um pouco idoso, era alvo de inúmeras brincadeiras dos (ainda) “pestinhas” adolescentes. O lema dessa turma de desvairados era gritado orgulhosamente por um dos seus comandantes, o Cláudio Macaco-Branco (“vulgo” Cláudio Mello e Silva; hoje advogado, aposentado do Banco Itaú):

- Se a vagabundagem está atrapalhando os estudos ... deixe os estudos!

Certo dia, andava o irmão Herman pelo corredor, num intervalo de aulas, quando foi surpreendido por uma “manguitada” bem no meio das costas; ou seja, um atrevido tinha-lhe acertado um fruto imaturo de manga, conhecido como manguito. O irmão Herman virou-se e pensou ter flagrado o agressor, dissimulando com a leitura de um livro, sentado próximo ao acontecimento. Era o nosso pacato colega Calui lendo um livro de José de Alencar, mas que ao ver o irmão Herman vociferando impropérios acusadores em sua direção (se não me engano um ... “Ah! Foi você, sêo moleque!!!), foi obrigado a correr pelo Colégio afora. Dava para se ouvir alguns gritando, entre risadas, ... pega ... pega!!! O bom preparo físico do Calui versus a idade do irmão Herman resultou na vitória do primeiro, que escapou ileso.

A indisciplina reinante era vez ou outra adicionada de toques inusitados, ou melhor dizendo, ruídos inadequados, como no dia em que Sérgio Rolim encheu uma lata com grilos e os soltou em lugares estratégicos na sala, simulando uma manhã na floresta! Na turma de 1960, que tinha o irmão Herman como regente de classe, arranjava-se qualquer motivo para se interromper as aulas. Carlos Antonio Ribeiro Coutinho (filho de Renato Ribeiro Coutinho, grande usineiro na época) simulou um desmaio e aos comentários do irmão Herman ... “aula dramática ... aula dramática” , era carregado entre as filas das carteiras, esforçando-se para conter o riso, sem conseguir. Paulo Cêta (que apelido hein???) o abanava freneticamente.

Já no terceiro ano colegial, turma noturna concluinte de 1962, o irmão Luiz, apelidado de Tupiniquim (pelos seus esforços inexauríveis em defesa da língua pátria), às vezes repelia energicamente as nossas interferências. E num desses dias, rejeitou um sussurro meu e gritou

– Breno! Pula fora!

Eu até que ia sair obedientemente. Mas, um colega provocador (se não me engano, o hoje engenheiro civil Tadeu Pinto), incitou-me à irreverência, falando-me pelo canto da boca

– Obedece Breno! PULA!

E eu, “obedientemente” abandonei a sala com uma pequena corrida e um grande pulo. Não precisaria dizer que ao fundo ouviram-se tremendas gargalhadas.

– Tô lascado!

Ainda pensei. Mas Tupiniquim era também um ser compreensivo. Talvez por façanhas como essas, fizeram algumas pessoas me chamarem de “sonso”, adjetivo que eu odiava! Dissimulador, talvez fosse uma denominação suavizadora mais adequada.

... e éramos, de verdade, todos felizes.

sexta-feira, abril 25, 2008

MEMÓRIAS DE AMOR


Kátia Dias

Sob o céu azul — calor do sol aquecendo meu corpo e minha alma — ao som do mar, relembrei meu grande amor. Recordei mais uma vez o dia mágico em que nos conhecemos.

Como que por encanto, naquele oceano de gente, um ser logo se destacou! Tudo nele me chamou atenção: olhos, cabelos, boca... Naquele instante, senti o tempo parar, e quase cheguei a cair, quando, em verdadeiro transe, o vi caminhar em minha direção. No momento em que ele se dirigiu a mim, não pude conter o nervo-sismo, falei feito autômato sobre assuntos sem importância como o tempo, o sol, o calor e coisas mais, tudo sem nexo. Até que,lentamente,fui recobrando o controle, e a conversa passou a fluir com algum sentido.

E aí nasceu nossa amizade.

Após um mês de telefonemas diários e passeios com amigos, veio, finalmente, o primeiro beijo. Quando isso aconteceu, tive a sensação de que meu coração iria explodir. Foi desse beijo — desse encantamento — que tudo começou a se solidificar entre nós.

A cada dia que passava, me sentia mais envolvida pelo sentimento mágico. Dia-a-dia íamos nos conhecendo, nos admirando e nos tornando mais e mais próximos. Aos poucos, fomos perce-bendo, o quanto éramos necessários um ao outro. Nossa cumplicidade crescia, compartilhávamos desejos e anseios, esperanças e frustrações.

Lembrei do dia em que ele tentou terminar o namoro. Que fracasso! Chegou a ser engraçada a situação. Ele queria colocar ponto final no sonho, pois precisava de liberdade, segundo disse. Mas queria terminar sob a condição de continuarmos amigos, como havíamos combinado que sempre o seríamos. Contudo, não mais aceitei tal idéia, desejava-o como namorado, unicamente. Diante de minha firmeza, com lágrimas nos olhos ele pediu perdão, voltou atrás. Posteriormente rimos muito desse quase lastimoso fato.

Transcorrido algum tempo, partimos para algo mais sólido: o casamento. Momento inesquecível e maravilhoso vivido por nós. Na bela cerimônia, achei-o lindo como nunca. Tenho que admitir, eu também estava deslumbrante. Quanta felicidade a nos envolver! A ventura era tanta, que quase se podia ver seus raios emanarem de nós em todas as direções. Nossos familiares e amigos não cansavam de comentar, de dizer da felicidade que se lia em nossos semblantes.

Após um ano de completa ventura, a emanação continuava a mesma. Quando, em conversa com pessoas amigas, carinhosamente me referia a meu marido, todas perguntavam há quanto tempo estávamos unidos. Diante da resposta, manifestavam-se surpresas: ah, está explicado tanto amor, ainda estão em lua de mel! Em seguida, algumas dessas pessoas vaticinavam como aves de mau agouro: esperem o tempo passar... Mas, contrariando todos os presságios, após dez anos, ainda nos sentíamos vinculados, dependentes um do outro.

Com o passar do tempo, as pessoas continuaram percebendo a amplitude de nossos sentimentos. E já não se admiravam da intensidade de nosso amor. É claro que aconteceram dificuldades entre nós, ele sabe tanto quanto eu. Juntos, passamos por momentos dolorosos. Lembro-me, com dor no coração, do pior desses momentos, a morte do pai dele. Presenciamos ruir, à nossa frente, um dos pilares de nossas vidas. Mas eu estava ao lado dele, pronta para consolá-lo e dar-lhe o apoio necessário a fim de superar essa dor.

Durante dezessete anos, simbolizamos a encarnação do amor devotado. Nos últimos tempos, porém, passamos a ver as coisas de forma diferente. O curioso é que, até nessa mudança de ótica, concordávamos. Ambos estávamos vendo possibilidades outras em nossas vidas. Descobrimos que, nem mesmo esse grande amor seria suficiente para manter-nos unidos e felizes.

Hoje estamos separados, cada um com sua vida. Estamos felizes, graças a Deus, com os caminhos que escolhemos. E continuamos amigos. Amigos de verdade. Torcemos de coração um pela felicidade do outro. Tenho certeza de que, em qualquer situação, podemos nos amparar mutuamente. Por tudo isso, posso concluir que almas gêmeas existem. Mas essas almas não precisam, necessariamente, partilhar a vida para estarem felizes e realizadas. A felicidade e realização podem ocorrer só por se saber da felicidade e realização do outro. Mesmo quando se está longe.

Enquanto estas lembranças vão fluindo à minha mente, o calor do sol, ao som do mar, continua aquecendo o meu corpo e a minha alma.

Sou feliz.

quarta-feira, abril 09, 2008

POEMA DE DJANIRA SILVA




ESCRITA DO TEMPO


Lágrimas frias o olhar tristonho

Esconde as cores do meu desencanto

Encerra uma tristeza no meu pranto

Deixa saudade no lugar do sonho


Recordo sempre de um olhar risonho

E de um sorriso de alegria e espanto

Ao descobrir o amor em cada canto

Sem inda saber que a vida é apenas sonho


E assim o tempo amortalhou a vida

Nos sorrisos, da face envelhecida

Na ilusão dessas saudades mortas


E agora tenho no lugar do rosto

O meu passado revelado, exposto

Escrito certo nestas linhas tortas

http://blogdjanirasilva.blogspot.com