segunda-feira, outubro 29, 2007

RECUERDO 27 - O BÊBADO E O DESEQUILIBRISTA


Hugo Caldas

Tudo aconteceu no Aeroporto Internacional dos Guararapes em príscas eras. O personagem principal deste recuerdo, era à época, um moleque mal saído dos cueiros. Mal educado, irresponsável e no momento dos acontecidos, se encontrava absolutamente embriagado. Portava uma arma de fogo e a exibia com a maior desfaçatez. Melhor será, daqui por diante, tratar o calhorda com o benefício do anonimato em razão das tortuosas voltas que o mundo dá. A nefanda e reles figura hoje faz parte do mais alto escalão da república e da política peçonhenta deste país. Sei que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e eu não sou bobo nem nada.

Naquele dia fatídico as coisas estariam programadas para acontecer de maneira inteiramente inusitada. O vôo 256 da Panair estava atrasado e com toda a certeza, fadado a atrasar ainda mais em razão das desventuras aqui relatadas.

É evidente que eu não havia sido treinado para revistar ninguém na hora do embarque, desde que fossem guardadas a compostura e o comedimento. O Manual da Companhia, entretanto, determinava claramente que "pessoas embriagadas não seriam admitidas à bordo das aeronaves." Ainda mais com o agravante da arma exibida a todo instante como um ornamento. Após bater firmemente com os punhos cerrados no balcão, ele iniciou o seguinte diálogo:

- A que horas sai essa merda de avião?

Não respondi e o chamei à um canto mais discreto, longe dos olhos dos outros passageiros que já se mostravam apreensivos diante daquele sujeito inoportuno e potencialmente perigoso. Disse-lhe com a maior paciência deste mundo:

- "O senhor por favor controle-se. É absolutamente proibido a qualquer pessoa, em qualquer circunstância, o embarque em nossas aeronaves portando arma de fogo, aliás a única pessoa facultada a viajar armada em uma aeronave civil é o Ministro da Guerra, (hoje Ministro do Exército) ainda mais, sinto que o senhor se excedeu na bebida e se encontra em estado pouco sóbrio"... Fui interrompido pela voz pastosa, característica de todos os bêbados do mundo. Continuou na maior brabeza:

- Sabe com quem está falando? Eu sou autoridade e exijo embarcar nessa porcaria de avião agora mesmo.

Telefonei para o box de operações e relatei ao comandante da aeronave bem como ao chefe de turma, a situação. Os dois ficaram cientes e me recomendaram insistir com o passageiro a fim de que pelo menos, ele entregasse a arma para o procedimento de praxe:
"A arma devidamente descarregada bem como a munição seriam colocadas em envelopes distintos, selados com o timbre da companhia, guardados no cofre do avião e entregues ao passageiro no destino." Desnecessário dizer que o energúmeno se recusava terminantemente a seguir o processo devido. Queria porque queria falar com o comandante em pessoa. O comandante finalmente concordou em discutir a inconveniente situação.

Levei-o até onde se encontravam os chefes e voltei à rotina do despacho dos outros passageiros e daí a cinco ou dez minutos, era requisitado a ir ter com o comandante. Perguntou-me ele se eu havia chamado o passageiro de bêbado. Respondi que havia dito que "o achava pouco sóbrio para embarcar portando uma arma de fogo."

- Então, você perdeu todo o seu direito pois para enfrentar situações desse tipo nós temos que usar de toda a diplomacia possível a fim de não ferir os brios do cliente.

- Comandante, se o senhor demonstrar uma maneira mais diplomática do que dizer a um sujeito que se encontra neste estado lastimável de embriaguez, que ele se encontra apenas "pouco sóbrio" eu dou a mão à palmatória. Senti que o resto da tripulação estava ao meu lado. O comissário de bordo revoltado gritou de lá, "no meu avião esse maluco não vai"!

Fiquei sem entender a mudança de atitude do comandante. Por que havia mudado de ideia? Por que mandara dar o embarque pelos alto-falantes e se encaminhava à aeronave para finalmente seguir com a atrasada viagem. Estive para chamar a policia da aeronáutica a fim de cercar o avião e impedir sua saída do pátio de manobras. Não o fiz.

De repente o estalo. O comandante havia sido co-piloto dos vôos internacionais e fora transferido há pouquissimo tempo para as linhas domésticas. Ele, o bêbado, o nosso heroi macunaímico, pela falta de caráter, era funcionário de autarquia federal que fiscalizava portos e aeroportos. Pronto, matei a charada. Contrabando desembarcado no Recife e enviado via doméstica para o sul. Aí estava o busílis.

Na hora do embarque, ainda na escada, quando o deletério biriteiro fez menção de entrar o comissário o deteve e ato contínuo o obrigou a entregar a arma que foi encaminhada no envelope para o cofre. Ele finalmnte adentrou e o avião deu continuidade a sua viagem. O vôo 256 finalmente iria continuar.

Após os devidos elogios à minha performance, o meu chefe de turma na sua proverbial sabença me mostra o distintivo que todos nós usávamos. Uma asa agregada a um globo contendo o dístico Panair. A dele era de ouro o que significava mais de vinte anos de companhia. "A tua asa é de latão e parece que vai ficar por aí mesmo, menos de dois anos," disse ele.

Não deu outra. Quando da verificação da documentação da viagem, o vôo 256 aparecia com duas versões diferentes para o motivo do atraso em Recife. O comandante, talvez temendo castigo maior, reportou "defeitos técnicos" e teve punição menos dura. Suspensão por seis meses, foi a pena infligida por falta grave. No meu relatório a história toda estava reportada nos seus detalhes mais comprometedores. Não fui demitido. Tive entretanto a contragosto que sair pois se negaram a renovar o meu contrato.

Quem manda eu querer ser os pés da besta?

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Hugão,
Jesus Cristo disse: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". DIZER a verdade são outros quinhentos!
Abcs

Anônimo disse...

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