sexta-feira, outubro 03, 2008

SÓ RINDO


Riobaldo Tatarana

Quando escreveram e publicaram As farpas, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão tinham por objetivo declarado cravar, no touro da imbecilidade nacional, pequenos ferrões em forma de piadas, e assim a levar ao ridículo o velho e carunchoso edifício do poder. Queriam desnudar esse circo, com seus “gênios”, seus ministros-poetas, seus deputados corruptos, enfim, “toda a malta constitucional, dos contínuos de secretaria aos pares do Reino”. Ainda hoje, relendo essas páginas, escritas na mocidade daqueles autores, a gente se torce de rir; e ao mesmo tempo se espanta com sua incrível atualidade, se transferirmos as mesmas piadas para o cenário da política brasileira, que Deus haja!

A descrição de uma sessão típica da Câmara dos Deputados pode dar uma idéia clara do que afirmo. Primeiro, os deputados começam a xingar-se descaradamente; depois, passam às ameaças de desforço físico; para então, aí já por conta da verve queirosiana, perder de vez a vergonha. Uns miam de gato, outros pedem vinho aos berros, outros ainda distribuem bengaladas. Até que o presidente, depois de exigir silêncio, pergunta ingenuamente “se estamos em uma feira?” E responde Eça: é claro que não. Em uma praça pública, esse comportamento seria imediatamente coibido pela polícia, por atentar contra a ordem. Tal bagunça só pode se dar dessa forma ao abrigo constitucional.

Andei pensando nessas coisas ao analisar alguns exemplos de propaganda política dos candidatos à vereança, e de assistir a debates dos candidatos a prefeito, no Rio e em S. Paulo. Realmente, se já descemos tanto, se já chegamos ao fundo do poço, não vejo por que a inibição dos senhores parlamentares em, por exemplo, irem às sessões de terno e gravata. Por que não a cômoda bermuda, ou a democrática tanga? E por que cargas d’água não se pode tomar uma cervejinha durante os acalorados e bizantinos debates? Que razões se podem alegar contra o uso de chinelos e pijamas dentro do recinto parlamentar? Donde procede a exigência de que os senhores deputados não possam acender um baseado durante a sessão?

Outra coisa fantástica, que nos deixa de queixo caído: o acervo da biblioteca da Câmara Federal. É um dos maiores do país, comparável talvez, em volume, ao da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Na última vez que lá estive, fiquei com pena dos bibliotecários, que bocejavam sentados em suas mesas. Quando entrei, dois deles acorreram pressurosos, com um olhar cheio de gratidão, como se dissessem: “finalmente, alguém vem justificar nossa existência”. É claro que não vai em mim a mais leve veleidade de desejar que os senhores deputados leiam. Meu senso de realidade impede-me uma fantasia tão alucinada assim. Mas então, que razões obrigam ao sepultamento de tão precioso acervo na solidão do planalto? Não seria muito melhor para todo mundo que esses livros fossem repartidos pelas várias bibliotecas públicas estaduais?

Sim, eu sei, é preciso guardar as aparências. Às vezes chegam visitantes ilustres, tem-se de deixar uma boa impressão. Mas então, por que não usar o bom-senso do Dudu da Loteca? Lembram-se desse personagem? Era um pobre rapaz do subúrbio carioca, que um dia acertou um grande prêmio na falecida loteria esportiva. De posse daquela bolada, comprou logo um senhor apartamento na Vieira Souto, “o metro quadrado mais valorizado do Brasil” (haja vulgaridade!) e contratou um decorador. Em algum recanto do seu cérebro repousava a idéia de que livro significa cultura, e a posse de uma biblioteca particular constitui um ótimo símbolo de status. Mas aí, para que gastar dinheiro com tamanha inutilidade? Ele simplesmente contratou um exímio encadernador, que fabricou fieiras de belas lombadas, com títulos eruditos, filosofia, sociologia, psicologia, antropologia.

Não é uma idéia prática? Sancho Pança não teria sugestão melhor. A coisa é fácil e simples: encomendam-se tantos volumes quantos forem os do acervo atual e os próprios encadernadores criam os títulos que houverem por bem. Esse pessoal de encadernação costuma ser muito lido, e tem boa memória. Pronto o novo “acervo”, faz-se a troca. E assim fica todo mundo feliz. Os bibliotecários da Câmara podem fazer em paz suas palavras cruzadas, as bibliotecas estaduais enriquecem seus acervos, e ainda se poupam crises de alergia que bem podem acometer nosso presidente, que trabalha ali pertinho, e é muito sensível à poeira acumulada em estantes de livros. Que acham os amigos da idéia?

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