sábado, novembro 25, 2006

DEU NAS FOLHAS & OUTROS SUCESSOS

Hugo Caldas

Vez por outra, amigo me recrimina quando acho de comentar o que andou saracoteando na mídia, chamando a atenção desse pobre marquês, de uma maneira ou de outra.

- "Deixa isso pra lá, diz ele, já está escrito", vai escrever os teus. Mas às vezes não dá.

Recebi de outro amigo um PPS sobre envelhecimento. Existe coisa mais abominável do que um pps? Os slides se sobrepondo desfiando uma prece ou historinha edificante tudo isso marcado por trilha sonora para gáudio dos ouvidos de um débil mental qualquer. "Envelheço quando me fecho para as novas idéias, quando o novo me assusta e a mente insiste em não aceitar. Quando me torno impaciente, intransigente e não consigo dialogar." Será?

"Envelhecer é a prova de que o inferno existe, diz Neiza Teixeira, brasileira, filósofa, nascida na ilha de Parintins. Ou será que, como os vinhos, nos tornamos melhores e mais exigentes à medida que a idade avança? Não será então, a troca dos valores que parece estar emporcalhando tudo?
O que era certo virou errado e vice-versa? O belo virou feio...

Abaixo o relato de algumas notícias veiculadas por diversos jornais na semana. Confesso que ando bastante temeroso, roendo as unhas, quase em pânico, pelo rumo que as coisas poderão tomar. Na medida do possível não citarei nomes, apenas acontecimentos.

Folha 1 - 18-11

- Um sujeito aqui, no Recife, lança livro infantil com o belo alvitre de "subverter a idéia de histórias com começo meio e fim." O livro tem por tìtulo "Uma História Sem Pé Nem Cabeça," onde as questões se transformam em um poema-história que "problematiza" a arte de escrever. Ora, vá...

- Diz o autor: "Não há muito que explicar como as histórias nascem. Elas aparecem do nada, não se sabe como nem o porquê, e vão a lugar nenhum."

- Tenho pra mim que sei para onde vai isso tudo aí.

Vai é entortar a cabecinha dos nossos putos (depressa, chama o Aurélio) que são em última análise o futuro "deste país". Já temos gerações de tresloucados e aloprados, teremos mais outras de candidatos a cargos eletivos desde governador, senador. Tudo cabeça ôca! Presidente nós já temos. Se virar moda é aí que reside o perigo. Sabemos que lá na Corte reina um monarca que nunca abriu um livro sequer, um Almanaque Capivarol, nada.

À propósito, a historieta que segue abaixo aconteceu mesmo!

- Corta para a beira de uma piscina onde estavam uns rapazotes a conversar, sobre assuntos vários (deles) quando alguém se saiu com a citação de uma música gravada por Engenheiros do Hawaii que falava "Não vou deixar pro meu filho a pampa pobre que eu herdei do meu pai." Antes que eu pudesse colocar os meus poucos neurônios para funcionar, um dos garotos, que se achava um pouco distanciado berrou de lá:

- E não é pra deixar mesmo! "Dá o maior problema de carburação."

- Ainda ouvi um resto de discussão..."o problema é que é muito difícil pensar!"
Oh, céus, oh dor!

Folha 2 - 21-11

A exposição de pintura tem o sugestivo nome de: "Ausência Substantiva".

- Mas, não é que me aparece, assim, que nem assombração, uma pintora que "liberta-se do uso da cor!?"

- Diz a crítica especializada: "Poderia-se (sic) dizer assim, que a mostra é dividida em dia e noite, simbolizados pelos tons opostos explorados pela autora."

- Diz a autora: "Na verdade eu trabalhava com tinta guache colorida. Mas a cor me atrapalhava muito, foi aí que resolvi extraí-la e explorar o cinza."

- No que obrou muito bem, digo eu. Já imaginaram a Última Ceia de Da Vinci toda em cinza? Os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina tudo cinzentinho da silva? Quem sabe, obras como "A Persistência da Memória," "São João da Cruz," "O Grande Masturbador," de Salvador Dali, tudo no mais belo e puro cinza? Van Gogh e mais uma plêiade de energúmenos que somente sabiam e como, trocar tintas, mas nunca imaginaram a singeleza de poder "evocar essas pinturas contemplando-as com forte teor minimalista?" Eu, hein!?

É o que eu digo: Já que não mais cultuamos a ética que pelo menos se respeite a estética...

Folha 3 - 16-11

Desculpem, mas dessa vez terei que falar o nome do santo.

- Ariano Suassuna foi e está sendo notícia "neste país" semana que passou. Andou elogiando o coronel de fancaria, Hugo Chavez, por haver ressuscitado Simão Bolivar, para ele, (Ariano) o homem mais importante da America Latina.

- Como, cara pálida? Como seria possível ressuscitar alguém que nunca morreu?
É só dar uma passadinha por Caracas para se certificar que Bolívar vive ainda no coração e na mente de todos os venezuelanos e demais países bolivarianos. Mas, como se pode elogiar um Bufão daqueles, professor?

Onde o Ariano de anos atrás? Onde o Ariano que durante Festival de Teatro no Recife na década de cinqüenta, se sentindo boicotado de alguma forma, escreveu uma fala no verso de papel prateado de um maço de cigarros e reduziu mais da metade do ato. Eu decorei aquela fala.

O Auto de João da Cruz estava sendo encenada pelo Teatro de Estudantes da Paraíba. Era uma peça pesadona mesmo. Mais para ler do que encenar. Não tinha o vigor e a leveza de A Compadecida. A platéia se retirava durante a encenação. Não deve ter sido fácil para ele naquele momento. Como não está sendo fácil agora, para mim vê-lo hoje, tecer elogios ao falastrão Chavez. Lamentável! E vamos, por favor, deixar de lado essa tal "latinidad" que já era velha no tempo de Nabucodonosor e só funciona quando toca um bolero. De preferência com a Sonora Matansera. Y viva Agustin Lara, viva Simon Diaz, y Gregório Barrios, y Bienvenido Granda y Lucho Gatica y más y mucho más!

Amiga que mora nos States me envia e-mail abaixo e pede comentários.

“Já foram muitas as vezes em que ouvi a pergunta: “mas o que há de poesia nisso?”. Esse “nisso” torna o rap algo pequeno e insignificante, ao contrário do que ele realmente é. Mas para muitos é fácil de entender porque na área de Letras estudamos os cantos indígenas brasileiros e de tribos africanas (que também compõem um grupo socialmente excluído), por exemplo, mas é quase impossível entender porque estudar manifestações da periferia brasileira e, mais difícil ainda, fazer ceder o preconceito para poder enxergar que na periferia se faz poesia de ótima qualidade.” Marília Gessa: estudante do curso de Letras da Unicamp ”Pesquisadora do projeto: "A poética do Rap brasileiro: uma abordagem sociolingüística.

N.R. Como essa turma gosta de complicar, não? H.C.

Bem senhora Hornung, andei pesquisando e descobri que RAP significa, na língua das ruas, em inglês Rhythm and Poetry ritmo e poesia, "expressão musical-verbal" da cultura Rhythm And Poetry. O Rap é um "gênero musical" surgido no início dos anos 70 nos Estados Unidos. A "música rap" é um dos elementos do "hip hop"; é uma espécie de texto com rimas "falado em ritmo" com instrumentos musicais.

Desculpe cara senhora, mas não posso levar à sério uma coisa que dizem ser um dos elementos do Hip Hop, seja lá o raio que isso signifique. Pensava, honestamente, que hip-hop fosse uma doença estomacal que se manifestava através de repetidos soluços.

Nestes termos....










quinta-feira, novembro 23, 2006

UM "CAUSO"

VALDEZ JUVAL


Ano de 1959. Cidade de Santos, Estado de São Paulo. II Festival Nacional de Teatro, presidido pelo então Ministro Pascoal Carlos Magno. A Paraíba presente como quase todo o Brasil. Espetáculo de apresentação do Teatro Paraibano: João Gabriel Borkman, de Ibsen, numa tradução livre de um texto em espanhol, do Dr. Walter de Oliveira, Diretor do espetáculo.
Na data pré-estabelecida, não foi possível a encenação em virtude de o cenário que viajou de caminhão, não haver chegado ao destino. Ficara acertado que se o problema fosse sanado, a nova data seria após a encenação do último espetáculo a se apresentar no Festival.
Agora se imagine montar um cenário, confeccionado em madeira, com pavimento superior e um público praticamente saturado de assistir tantos espetáculos em cerca de oito dias consecutivos (média de 3 por dia). Lógico que a impaciência começou a aflorar e as palmas pausadas de protesto do público se fez ouvir.. A solução foi abrir as cortinas e de cena aberta, mostrar à platéia tudo que estava sendo feito, até que chegasse a preparação final.
Exaustos, mas aguerridos, os paraibanos entraram em cena e foram soberbos no desempenho. O público vibrou e de pé, com a cortina se fechando e se abrindo por quatro vezes, gritavam viva! viva!.Vitória total. Mas, o mais importante de tudo foi quando um assessor da Comissão Julgadora nos confidenciara que Henriette Morineau, presidente da referida Comissão, acabara de convocar todos os membros para uma reunião em caráter de urgência tendo em vista que o julgamento que já haviam feito teria sido uma precipitação, pois, embora não menosprezando a Paraíba, jamais imaginaram que se pudesse oferecer algo tão superior e marcante como o que foi encenado.
E o resultado apresentado na Assembléia Geral e Final do Festival foi a inclusão nos Prêmios de Melhores Espetáculos, Melhores Atrizes para Risoleta Córdula e o de Melhores Atores com o qual fui agraciado. Até hoje apresento o meu troféu na estante e o diploma na parede do meu gabinete, lamentando apenas nunca ter recebido a viagem à Grécia que fora prometida por esta conquista.

vjuval@hotlink.com.br

sexta-feira, novembro 17, 2006

ATENDENDO A PEDIDOS

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quinta-feira, novembro 16, 2006

O BRASIL FORMA CIDADÃOS?

LIANA ALCANTARA

Tendo em vista o nosso constitucional direito de exercer a soberania popular, há muito dando voltas em minha mente, está um poderoso e legítimo instrumento de manifestaçaão direta da democracia, a nossa não muito conhecida, INICIATIVA POPULAR.

Um projeto de lei que pode ser construído pelo povo e depois submetido a votação pelo congresso nacional. Ainda que a meu juízo pessoal, deveriam ter elaborado esta lei de maneira que fôsse mais fácil, para a população atingir este objetivo, considerando a necessidade de uma elevada cifra de 1,2 milhões de assinaturas de eleitores e que devem estar distribuídas em pelo menos 5 estados brasileiros, para que essa meta possa ser atingida. Apesar que um recurso eficaz como a internet, faz aumentar a propabilidade de realizar uma manifestação de cidadania, desse tipo.

Correndo em minhas artérias e veias, um sangue mesclado de sentimento, razão, raças, climas, culturas, lutas, história, da maravilhosa e reveladora diversidade brasileira, nego-me a deixar de SONHAR e os convido a compartilhar de minhas idéias, que provavelmente outros já pensaram igual, para que as palavras se fortaleçam de mente em mente, e se materializem em uma nova história para a educação de nosso QUERIDO POVO BRASILEIRO.

Creio que se desperdiça demasiado tempo e energia pessoal, no tradicional sistema de ensino do Brasil, tanto público como privado. Não sou profissional da área de educação, move-me um profundo sentido de justiça e desenvolvimento social, que necessariamente originaria melhor organização política e crescimento econômico para nosso país. E todos viveríamos melhor.

Tenho sugestões para revolucionar a educação brasileira. Sonho?...Utopia?...Insensatez?...Oxalá, pudera ser realidade um dia!!!... Primeiro, vejo a urgente necessidade de diminuir a quantidade de coisas "não práticas" do conteúdo programático das escolas públicas e privadas, desde o nível primário, do antigo ginásio e antigo científico.

Seria cortar os amontoados de palavras, datas, números, informações pouco práticas, que
mais parece servirem para preencher carga horária. E ao final, lês e estudas tantos detalhes de todas as diciplinas convencionais, com tanta profundidade, e com o passar dos anos, em tua vida adulta cotidiana, te esqueces de um montão delas, não as utilizas para nada na profissão ou caminho que escolhestes pra seguir. E fica a sensação de tempo perdido que poderia ter sido utilizado em estudos mais relacionados a tua inclinação pessoal, e de como seria poupado teu cérebro e tuas energias para que se ocupassem em criar com mais fluidez.

Não proponho cortar disciplinas, mas ministrar o básico de cada uma delas.O imprescindível para o desenvolvimento da linguagem falada e escrita, da lógica, da criatividade, da autonomia, da memória etc, etc.

Ou seja, direcionar, desde o mais breve possível, o ensino específicamente para cada aptidão individual do aluno. Através da ação de pessoal qualificado, com testes psicotécnicos e outros instrumentos criados por esses profissionais. Seriam as "mini-faculdades pré-universitárias".
Por exemplo. Todos os alunos aprendendo o básico da matemática, física, história, português, das diciplinas convencionais etc, etc, e gradualmente iriam sendo separados, de acordo com suas inclinações, para salas de ensino "enxuto", direcionado. E desde cedo já existiriam as salas separadas para os de ciências exatas, ciências humanas etc. E aí se aprofundariam, pouco a pouco, as disciplinas. E assim, evitava-se um stress desnecessário de um aluno
que tende para a psicologia ou arte ou medicina etc, e que tivesse de usar grande parte de seu tempo com cálculos muito complexos de física e matemática, por exemplo.

Estes seguiriam estudando essas ciências exatas, mas de uma forma mais amena e orientada para a prática cotidiana. E por outro lado, se dedicariam com mais especificidade ao que sua natureza pede para estudar. E um ensino assim fomentaria mais facilmente o aparecimento das mentes brilhantes, dentro de cada profissão. Se formariam menos profissionais medianos e
mais profissionais altamente capacitados. Ou seja, o tempo economizado neste processo de reforma do ensino brasileiro, seria utilizado, inteligentemente, nas "mini-faculdades" para:

-Capacitar excelentes profissionais. Que serao pessoas mais felizes, sujeitos ativos das transformações positivas sociais de nosso Brasil.

-Ensinar noções de direito civil, tributário, constitucional, conceitos básicos de sociologia, economia e política.

-Ensinar a elaboração de projetos sociais.Criando um compromisso natural do futuro profissional com sua sociedade.

-Diminuir a repetência escolar.

-Aumentar a aprendizagem.

-Fomentar a conscientização de ser cidadão, formador de opinião pública, transformador dos rumos históricos de seu país e do mundo.

-Ensinar artes em geral.

-Melhorar a qualidade de ensino de outro idioma e de noções de informática,tao necessários para os tempos modernos, etc, etc

Deste modo, se estaria formando verdadeiros cidadãos e vivenciando os direitos e deveres de cidadania. Trocando em miúdos, todos os setores da sociedade brasileira se beneficiariam com essas mudanças e acabaríamos com uma grande parte do stress para nossas mentes, já que a vida nos aguarda sempre com tantos altos e baixos. Alguém mais assina essa quase loucura, talvez realidade, quem sabe quimera de uma revolução no ensino brasileiro???

Sou a primeira das 1,2 milhões de assinaturas para que essa manifestação se torne realidade personificada em uma iniciativa popular. Ainda que os ecos dessas linhas escritas só sejam escutados depois de décadas e que seja necessário uma equipe multidisciplinar para montar uma proposta tão complexa, ainda assim,fica a esperança.

Aguardo novas idéias para essa quase utópica intenção de elaboração de um projeto...esse quase utópico projeto....

Um grande abraço a todos!!

terça-feira, novembro 14, 2006

RECUERDO 13 - O CORVO E O SOL DO BUTE

HUGO CALDAS

Dezembro em Recife calor infernal, como soe acontecer nessa época do ano. Temperatura acima dos 40º, absolutamente insuportável. Não me saía entretanto da cabeça, um belo album de xilogravuras de José Altino, paraibano dos bons, que tinha como título "Um Sol do Bute".
Era isso mesmo o que estava acontecendo. Um sol, um calor do bute. Miolos cozinhando, esgotado o estoque de sorvetes da casa, concordei e finalmente cedí aos lancinantes apêlos da minha mulher para irmos até a praia a fim de escaparmos um pouco da canícula, enquanto ela aproveitava para encontrar umas amigas de São Paulo que estavam por aqui de férias e a esperavam em frente à famoso hotel da orla. Não foi difícil encontrar as tais amigas pois todas ostentavam o mais autêntico "verde paulista". Após as saudações e salamaleques de praxe, olho para o vizinho do lado e quem eu vejo!

Só, embaixo de um guarda sol de hotel, tendo por companhia apenas uma garrafa de refrigerante, nada mais nada menos que o sr. Carlos Frederico Werneck de Lacerda. Isso mesmo, O Corvo. Um dos personagens mais importantes, mais polêmicos da política nacional entre os anos trinta e sessenta. O destruidor de Getúlio Vargas, o algoz de Juscelino Kubistchek, Jango Goulart, Janio Quadros, o inimigo íntimo de Brizola e mais uma récua de políticos "deste país".

Me encaminhei até a barraca e perguntei meio cabreiro - (vai que não era ele!)

- Governador Lacerda?
- E ele, "até segunda ordem! Senta aí".

Bem simpático, não me apresentei como jornalista - até porque não o sou - desde o início do papo, porém de certa forma deixou claro que não falaria sobre politica e muito menos de políticos. Acho até que conseguia advinhar o que eu iria perguntar e cortava com uma indagação qualquer, coisa banal, a hora da preamar, por exemplo. Daí então eu compreendí e nem mesmo perguntei o que viera ele fazer no Recife naquela época calorenta, de "derreter os untos," como diria aquele personagem de Eça de Queiroz...
Portanto a nossa conversa, que havia se iniciado de maneira absolutamente acidental, ficará na história pelo que não foi perguntado.

Não falamos sobre os mendigos do Rio da Guarda, nem sequer mencionei a doutora Sandra Cavalcanti, nem os seus desafetos na política, como Juscelino, Jango e o Almirante Aragão dos Fuzileiros Navais, a quem ele ameaçava ao microfone de uma estação de rádio carioca, em pleno dia seguinte ao 31 de março: "Almirante Aragão, venha aqui, bandido covarde e eu lhe matarei com o meu revólver". Vì depois no "O Cruzeiro" foto histórica do momento onde ele, Lacerda, envergava um casaco de couro preto trazendo uma metralhadora portátil à mão, nos corredores do Palácio Guanabara. Mas, nada de politica. Nada de Frente Ampla, movimento idealizado por ele em Lisboa, onde aliou-se à Juscelino e Jango contra a revolução. Nada também sobre o tiro no pé disparado, segundo seus inimigos, por ele próprio, quando do atentado da Rua Toneleros, onde perdeu a vida o major Rubens Florentino Vaz, da Aeronáutica. Todas essas perguntas que eu um dia sonhara em fazer ficaram para sempre no limbo da história.

Comemos ostras e casquinhas de sirí, tomamos cervejinha gelada, tudo como mandava o figurino e as regras do bom viver. Falamos de literatura, de suas traduções de Shakespeare - traduziu e gravou Julio Cesar e Romeu e Julieta. Falamos ainda de um dos maiores tradutores de Shakespeare, Onestaldo de Penaforte, a quem parecia detestar. Drummond e Manuel Bandeira também povoaram a nossa conversa. Sabia de cor "Momento Num Café", de Bandeira, "Quando o enterro passou, os homens que se achavam no Café tiraram o chapéu maquinalmente..." Era bom orador.

As suas gravações de Julio Cesar e Romeu e Julieta, apesar do idioma ser o português são, na opinião do professor Dilermando Luna, profundo conhecedor da obra de Penaforte, bem melhores e mais convincentes do que as mesmas gravações feitas em inglês pelo ator britanico Richard Burton.

Lacerda ainda gravou em vinil, uma série de discursos de José Bonifácio, o Moço, Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa. Traduziu Winston Churchill, "Minha Mocidade" com título original "My Early Life – A Roving Comission".

Forçoso é reconhecer a falta que ele faz. Não se fazem mais políticos dessa estirpe. O polêmico, o intempestivo, o sagaz, o derrubador de presidentes... Já imaginaram o que não estaria aprontando face à esbórnia reinante? Será que este governo estaria à salvo das suas arrasadoras investidas? Aquele nariz aquilino, aqueles olhos vivos e aquela voz que assustava a tudo e a todos em nada me fizeram lembrar um agourento corvo.

A mim, pela educação, pela delicadeza, pelo trato e principalmente pela inteligência, lembravam uma personagem de certa história em quadrinhos. Uma coruja, que a todos se dirigia em tom bastante professoral, da maior simpatia, chamado Augustinho Mocho.
Carlos Lacerda morre de infarto em maio de 1977.

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sexta-feira, novembro 10, 2006

GRAÇAS A DEUS SOMOS UNS MALUCOS, AI!

LIANA ALCANTARA

Minha amiga Liana é médica, brasileiríssima, pernambucana, casada com um cubano, morando hoje em Valencia, Espanha, bem na beirinha do Mediterrâneo. Cantora, de carteirinha e tudo, bailarina, espiritualista, reikiana, mãe, simpatizante das terapias naturais e orientais, aspirante a poder trabalhar mais nesta área, etc etc. Caminhante, positivista, insiste em acreditar, que o ser humano tem um grande potencial para ser bom! Confiram no bilhete que nos manda e que desfruto com vocês agora. De tanto ler o nosso Blog terminou, quem diria, se tornando correspondente no estrangeiro. Benvinda minha querida. Hugo

Um grande abraço

A vida se move muito, e é por natureza insegura e incerta.
Querer definir, limitar, determinar a plena verdade da existência dos seres vivos e de tudo que conhecemos, com muita rigidez, seria como tentar tocar o sol, depois de subir num galho mais alto de uma árvore antiga, alta e frondosa. E se não existissem as buscas pessoais, e as inquietações, diria que já se estaria morto sem saber.

Ao menos uma coisa me parece mais certa... Que essa parte de nós, intranquila, sensível, intuitiva e que eu acredito, por experiência própria, se relacionar diretamente ao espírito, alma, energia que levamos embutido dentro de nossos corpos físicos. E que isso corrobora a sensação que tenho, de que fazemos parte, junto a tudo que nos rodeia, de uma coisa muito maior, e ao mesmo tempo sublime, que dá sentido a tudo "que existe" e impulsiona o ser humano a sair da mediocridade intelectual e moral.

Que pegadinha a dessa história de Alhandra, ah ah! E eu, só sendo louca mesmo, ai ai! Mas também, eu acho que nada seja impossível de acontecer, nessa vida.

Muito obrigada pelo convite! Será que consigo escrever algo bom pro teu Blog? Chegando a inspiração, vamos ver o que sai! Confio no seu crivo crítico, cumpadre!
Até o próximo encontro. Muita paz!!
Liana

quarta-feira, novembro 08, 2006

Recuerdo 12 - O CAVALHEIRO DA ESPERANÇA E A ORGANIZAÇÃO DO PCB

HUGO CALDAS

Crescí ouvindo as pessoas falarem que o PCB era muito organizado. Havia até quem se ariscasse a dizer que tal coisa ou, fulano e sicrano, "eram tão organizados quanto o Partido Comunista".

Em duas ocasiões distintas constatei essa tal organização. Ambas, trabalhando no aeroporto da Panair do Brasil em Recife. Na primeira vez, atendia ao vôo 256 proveniente de Fortaleza, que saía do de Recife às 11.50 da manhã com destino ao Rio. Balcão lotado de passageiros querendo embarcar. Não havia então, o pesadelo criminoso, o cáos que existe hoje. O 256 era muito disputado devido ao horário e ao lauto almoço servido à bordo logo após a decolagem. Eis que diviso em meio aos passageiros a serem embarcados ninguém menos que O Cavalheiro da Esperança, Luís Carlos Prestes. O ícone das esquerdas brasileiras. O heroi de várias moçoilas desavisadas deste meu Brasil varonil.

O que tem a ver o bolso com as calças...? Tem tudo. E muito, senão vejamos.

Na realidade o equipamento (avião) iniciava a viagem no Rio às 23:50 com o registro 254, indo para Fortaleza, com escala às 04:40 no Recife. Voltava de Fortaleza chegando ao Recife às 11:50 com novo registro, 256. O que significa isso tudo?

Vamos nos situar no tempo. Fins da década de 50, começo dos anos 60, imaginem então que Prestes veio ao Recife para subir no palanque do Dr. Cid Sampaio que queria eleger prefeito do Recife o seu cunhado, um sujeito que trabalhava no IAA e que mais tarde se tornaria famoso "neste país". Esse camarada atendia pelo nome de Miguel Arrais.

Pois bem. A comunistada, ao que se sabe, não dorme em serviço. Alguém do setor de revervas de lugares e tráfego de aeronaves da Panair no Rio de Janeiro, sabia que o "homem" estaria embarcando naquela manhã no Recife, e simplesmente, como uma espécie de homenagem, deu um jeito de escalar o equipamento com o seguinte prefixo: PP-PCB.

Pode até parecer coisa de somenos importância mas era assim mesmo que tudo funcionava. Tudo acontecia ou parecia acontecer como num fervor místico, esotérico. Àquela história de "cristão das catacumbas", meio ôba-ôba. Mas era a glória!
Pausa para um pequeno detalhe: Na década de setenta, período mais negro da revolução, o Gilberto Gil, ele mesmo, o agora Ministro da Cultura, o mesmo da "Afinação da Interioridade", conseguiu colocar um grunhido parecido com o nome de "Marighela" no meio de uma das faixas de um disco que recém gravara. Mal se ouvia, mas era como chegar ao Nirvana. Uma babaquice generalizada.
Ví muita gente boa, revirando os olhinhos. Mas voltemos.

De onde me encontrava, no balcão de despachos, dava perfeitamente para ver o Constellation L-49 ostentando o prefixo imponente, PP-PCB. Já havia tomado conhecimento do aparelho, já o conhecia de outros carnavais mas desta vez foi como num jogo de cartas marcadas. Um quebra-cabeças onde tudo se encaixava.

Fiz um ar de riso e Prestes simpático, no seu indefectível terno branco perguntou qual a razão do meu sorriso. Pedi então para que ele se dispusesse a entrar no escritório a fim de poder também verificar o avião estacionado no pátio.

- "Então, o que acha, disse-lhe num sussurro?"
Impassível, sereno, sem mexer um só músculo da face, disse apenas:
- "Não resta a menor dúvida, bem interessante, mesmo".

Impertubável, como quem conhecia perfeitamente os escaninhos e os subterrâneos da organização. Ao final dos procedimentos de praxe, terminamos o despacho do avião, todo mundo embarcado, e o 256 subiu aos céus mais parecendo uma enorme garça prateada. Chegou, como sempre, pontualmente ao seu destino. São e salvo. Naquela época não havia a irresponsabilidade criminosa de hoje. Os aviões voavam em diferentes "aerovias", recebiam e trocavam comunicações em português e inglês com as torres de contrôle. Não existiam nem mesmo esses tais "transponders" que muitos reclamam estarem desligados.

De outra feita aconteceu em um fim de tarde de uma Sexta-Feira. Estranhei o movimento incomum do aeroporto, mais parecendo dia de Domingo. Muita gente num vai-e-vem frenético. Não tínhamos conhecimento de alguma autoridade ou figurona ilustre chegando ou embarcando. Dentro em pouco descobrimos a razão de toda aquela atividade. Estava por chegar, já sobrevoando a cidade de Salvador, um Tupolev da Aeroflot, companhia da então União Soviética, trazendo uma delegação russa de volta das comemorações pela data nacional da Argentina. Soménte tomamos conhecimento da chegada do avião por um rádio do Itamaratí minutos antes da chegada. Alegavam medidas de segurança já que o Brasil e a União Soviética não mantinham relações diplomáticas. Seria apenas um pouso técnico para reabastecimento. Ninguém sabia de nada. Exceto, é claro, os comunistas do Recife que sabiam de tudo, e o que é melhor, não faziam segredo do fato. Depois do pouso foi a maior festa. Brindes, revistas de propaganda do socialismo - em português - foram distribuidos. Bandeirinhas brasileiras e soviéticas. Um sucesso.

Tive com o Cavalheiro da Esperança um derradeiro encontro. No aeroporto do Galeão quando da volta dos anistiados. Mencionei o desejo de ir até onde o fato iria acontecer e uma pessoa muito ligada a mim à época trabalhando na TVE Carioca me forneceu graciosamente colete, crachá e um lugar na sua equipe de jornalistas, bem como uma possante Pentax com flash eletrônico. Saí documentando o que me aparecia pela frente. Prestes, a figura ímpar de Gregório Bezerra, Miguel Arrais e mais uma penca de exilados. Mais uma vez a organização do PCB funcionou. De repente, como num passe de mágica todos se deram as mãos e à medida em que alguém recitava em voz alta o nome de algum companheiro morto ou desaparecido todos respondiam, como numa ladainha devidamente puxada pelo Padre Zé Coutinho, "PRESENTE."

Confesso que foi um momento tocante. Presente também, estavam as moçoilas desavisadas lá do início, já nem tão moçoilas assim nem desavisadas, mas sempre alí, junto à Prestes, o ídolo.
As fotos tiradas desse evento ficaram guardadas por anos em meus arquivos quando um belo dia achei de presentear os meus amigos comunistas do Recife. Espero tenham feito bom uso delas.

segunda-feira, novembro 06, 2006

O BOM SANTA ROZA

ELPIDIO NAVARRO

Lá se foram 117 anos de ser o melhor teatro da Paraíba. Sinto-me orgulhoso de ter participado de quase metade da sua existência, como devem também se sentir os primeiros companheiros e companheiras, como Valdez Silva, Hugo Caldas, Celso Almir, Sósthenes Kerbrie, Ruy Eloy, Hermano José, Paulo Alves da Nóbrega, Carlos Fernandes, Edinaldo Navarro, Lindaura Pedrosa, Diracy Magalhães, Jandira Mesquita, Carmem Costa, Nazareth Xavier e Gil Santos, entre os que ainda vivem nesse andar de baixo. Os que já se foram, Arlindo Delgado, José Souto, Raimundo Nonato, Martinho Alencar, Gilson Medeiros, Genildon Gomes e Francisco Saraiva, deveriam, se por aqui estivessem, sentir esse orgulho do monumento Theatro Santa Roza, que os abrigou durante muito tempo. Também não posso esquecer pessoas que, sem aparecer no palco, foram importantes para a sua existência e crescimento: além de Lima Penante, seu idealizador, Afonso Pereira, Antônio Nominando Diniz, José Pedro Nicodemus, Walfredo Rodriguez, Hélio Pedrosa e Paulo Melo, sem esquecer os seus dois maiores benfeitores: José Américo de Almeida e Tarcisio de Miranda Burity.

Como homenagem ao "Velho Casarão" da Praça Pedro Américo, foi realizada uma Mostra Santa Roza de Iniciação Teatral, onde também me senti homenageado com a montagem do texto da minha autoria "O Velório", por um grupo de alunos do curso de teatro que ali é ministrado todos os anos.

Assisti à encenação de estréia, quase um ensaio geral, onde algumas falhas aconteceram, compreensíveis por tratar-se de um elenco estreante num palco. No entanto deu para perceber o entusiasmo do grupo pela atividade e a vontade do aprender e fazer. Teatro é assim. Uma vez contaminado dificilmente a gente se cura dessa maravilhosa doença. Já sou enfermo ha tanto tempo e em nenhum momento sequer pensei em restabelecimento. E o mesmo provavelmente irá acontecer com os iniciantes do Theatro Santa Roza. Para eles o meu agradecimento e a fé de que irão seguir em frente. Arriba!

domingo, novembro 05, 2006

JOGANDO O JOGO ALEGRE DAS PALAVRAS

Vitoria nossa em conseguir o talento de Anco para colaborar conosco. Não nos vemos com frequência mas somos amigos desde os tempos heroicos do Teatro do Estudante da Paraiba. Segundo ele disse, dias atrás, nos conhecemos desde a época do "teatro sério". Eu diria mais. Anco foi o mais perfeito "João Grilo" já aparecido por estas plagas.
Seja bem vindo meu caro. Hugo

ANCO MARCIO DE MIRANDA TAVARES

Vamos jogar palavras ao vento? Fazer de conta que elas são bolinhas de sabão e nelas soprar para que tomem seu caminho.Vamos fazer troca troca com as letras, com os parênteses, com os hifens, com as propostas, com as preposições, com as alocuções, com os verbos, com os adverbios, como se eles nos pertencessem.

Vamos jogar baralho com as palavras? Identificá-las, mexê-las cortá-las, acrescentá-las diminuí-las, fazendo com que cresçam com que aumentem ao nosso sabor e naveguem num oceano de frases que faz corcova ao sabor dos ventos das vogais.Que tal fazer uma tempestade de fonemas?

E os ditongos? Jogá-los todos no baú do esquecimento e misturá-los com os breves e semibreves da musica que guardadas em estantes formam uma canção. Fazer de cada silaba um quarto onde se hospedem os sons, onde morem o que queremos dizer na verdade onde as palavras tenham seu valor em ouro.

Vamos juntar um monte de palavra com sentido numa crônica e fazer una análise sintática delas proprias? Mexer com seus sentimentos como se pessoas fossem e nadar num oceano de sons numa sopa de letras, onde os macarrões sejam sempre prosaicos P ou Q de formato minúsculo?

Qua tal um quadro negro com ilustrações brancas, ou mesmo um quadro verde com ilustrações vermelhas todos dizendo a mesma coisa, que a palavra é infinita, como infinitos são os verbos, os advérbios, os ditongos, os verbos de todas as conjugações? Que tal um mis en scene com as letras?

No nosso velho baú de palavras existem as de todas as origens as de todas as formas. Mexamos pois naquelas que nos são mais caras, naquelas cujas sílabas nos digam algo naqueles cujas letras empregadas tenham de repente, virado patrões.O emaranhado de letras que se forma é tal que quase daria um alfabeto.

Alfa e Beta. Delta e PI. Fonemas do velho alfabeto grego que quase nada mais escreve.Vamos fazer uma sopa de letras? Uma sopinha de letras como sopinha é a dos meninos que nos procuram com o alfabeto? Só assim, misturando tudo e todos, teremos as palavras todas de que necessitamos...

quinta-feira, novembro 02, 2006

Mandrake

Carlos Mello

Pois foi assim: eu era solteiro, tinha uns 25, 26 anos de idade e estava jogando buraco em casa de uns amigos, como fazia toda noite de sexta-feira. A gente sempre jogava em duas duplas de parceiros, escolhidas na hora por sorteio, e naquela noite eram meu amigo e a mulher dele contra nós dois, isto é, eu e uma vizinha deles, de cima, moça carnuda, mais velha que eu, e que a qualquer hora do dia tinha o ar de quem acaba de sair do banho, um cheiro bom de sabonete, uma pele sedosa. Perto da meia-noite, tocaram freneticamente a campainha do apartamento. Meus anfitriões se entreolharam: quem será a essa hora, meu Deus? Era um bando ruidoso de amigos deles, antigos vizinhos, que tinham descido de Santa Teresa, onde moravam, para a Feira da Providência, que naquela época – os velhos do meu tempo hão de lembrar-se – acontecia na orla da Lagoa. Tinham bebericado muito e resolveram fazer aquela visita de improviso, encerrar a noite com uma grande bagunça. Meus três parceiros deixaram a mesa de jogo, foram receber os recém-chegados, e eu, vendo que aquela partida estava encerrada, fiquei no meu lugar, brincando com o baralho.
Fizeram-se de longe as apresentações, cumprimentei com um sorriso amável e continuei a traçar as cartas. Uma moça do grupo aproximou-se, quis saber o que estávamos jogando. Eu falei que nada, não era jogo, apenas eles tinham me chamado para pôr cartas para eles, mas a seção já estava encerrada. Ela pediu súplice que pusesse cartas para ela, eu me fiz de rogado, ela insistiu. A vizinha carnuda olhava de longe, sem entender. Então fiz um ar sério, tomei o baralho com firmeza, embaralhei, mandei que cortasse e tirasse uma carta desvirada. Deu um seis de espada, ou um dois de ouro, não me lembro. Franzi a testa, esfreguei lentamente as mãos. A moça aguardava ansiosa. Fiz um tsc, tsc, tsc, com a boca e perguntei:

- A festa acabou, não é?

E ela, emocionada:

- Pois é, acabou mesmo...

Mandei que recruzasse o baralho e tirasse outra carta. Dessa vez veio uma figura, um valete ou dama, de naipe vermelho. Olhei sério para ela e falei:

- A situação não é de perigo, mas você precisa ter muito cuidado para não se machucar. Compreende?

Ela fez que sim com a cabeça, mordendo de leve os lábios.

- Tire cinco cartas seguidas, mas não desvire. Entregue aqui em minha mão.

Ela obedeceu de novo, com a seriedade de quem estivesse consultando o próprio oráculo de Delfos. Mantive o ar misterioso e solene, abri as cartas uma a uma, formando uma cruz voltada para ela. Não lembro quais eram as cartas, nem o que falei a partir daí. Só sei que segui com aquilo por algum tempo, sempre com o semblante entendido e adivinhador. Até que cansei daquela brincadeira e afirmei muito sério:

- Não dá para continuar, o baralho trancou.

Ela levantou-se, olhou para mim e disse:

- Muito obrigada, obrigada mesmo. E ainda há quem não acredite nisso, não é?

Dei de ombros, como se dissesse que no mundo não há senão incredulidade e tolice e fomos nos misturar aos amigos. Nunca mais vi aquela moça.

Por que estou lembrando disso tudo agora, passados tantos anos? Porque decidi contar como esse pequeno incidente foi a salvação da minha vida, do meu casamento e da minha família. Sabem como? Bem, durante aquela noite bebemos um bocado de cerveja, depois um dos rapazes do grupo, que trajava um suéter berrante, quis saber se havia por ali Campari. Meu amigo trouxe uma garrafa quase cheia, o rapaz do suéter explicou que o grande lance do momento era pegar um copo longo, encher até à metade de Campari e ir deitando cerveja gelada. Bebia-se aos poucos, como se fosse uma cerveja mais amarga. Topei a brincadeira e em pouco tempo comecei a sentir um fiummmm na cabeça. Recordo vagamente das pessoas se despedindo, eu a acenar um adeus frenético abraçado à vizinha de cima, que não me largou mais, levou-me para sua casa, fez-me beber um remédio.
Acordei na manhã seguinte, nu, com dor de cabeça e um gosto ruim na boca. Ouvi um leve ruído de louça, um arrastar de cadeiras, e ela surgiu no quarto de robe branco, os braços nus, o eterno ar de quem saíra há pouco do banho. E convidou-me, quase intimou-me, com a doce repreensão de uma mamãe que vê o filho fazer alguma bobagem inofensiva, que viesse tomar café. E que café! Tinha pãozinho quente e tinha biscoitos, uma chávena de chá fumegante, queijo, manteiga, suco de laranja, papaia – um espetáculo de cheiros e cores ante meus olhos extasiados de solteiro-que-mora-mal-e-sozinho. Comi tudo, obediente, regalado, vestido com um roupão felpudo que ela tirou do seu guarda-roupa perfumado. É claro que almocei com ela, ali fiquei o dia e a noite do sábado e no domingo já estava decidido a pedi-la em casamento.
Essa vizinha de cima é hoje a minha esposa, mãe de meus três filhotes. Mudamos para um apartamento maior, temos dois carros, casa de veraneio. Viajamos sempre, a família toda, para a Argentina, para a Disney World, já fomos aos lagos chilenos. Não posso me queixar da vida.
Mas a coisa não foi sempre assim. Ao completarmos dez anos de casado, perdi o emprego. Logo depois, meu sogro faleceu no Norte, a herança foi quase nada, as dívidas se acumularam. Tínhamos então apenas um filho, morávamos ainda no apartamento do nosso primeiro encontro, de apenas dois dormitórios. A poupança estava quase acabando, eu mandava currículo para todo lado, não aparecia nada. A gente quase não saía de casa. Uma vez ou outra aqueles velhos amigos apareciam, jogávamos buraco. Uma noite, quando foram embora, minha mulher perguntou se eu lembrava daquela vez em que uns amigos deles tinham entrado ruidosamente e acabado com o jogo. Respondi maquinalmente que sim, mas alguma coisa na minha cabeça começou a mexer e a dar voltas, como uma roleta, a princípio devagar, depois numa velocidade estonteante. Sentei na poltrona entretido com aquilo, ainda ouvi a esposa chamando para a cama. No dia seguinte, olhei bem sério para ela e falei:

- Descobri uma saída para a nossa situação.
- Descobriu? Quando? Sonhou com o bilhete premiado?
- Mais ou menos. Decidi ser jogador de cartas.

Noutro tempo, ela teria rido, como ria sempre de meus disparates. Dessa vez fez um ar aborrecido, como quem diz “era só o que faltava, perder o restinho do que temos em jogo”. E foi cuidar do café da manhã. Mas a decisão estava tomada. Ia ser jogador, isto é, não ia jogar cartas, ia botar cartas, adivinhar o futuro das pessoas. Tinha a mais absoluta e granítica certeza de que aquilo daria certo. E deu. Não precisei fazer cursos, nem comprar baralhos especiais, nem nada. Comecei lentamente, com alguns amigos, antigos colegas de trabalho, e suas esposas.
Não há nada mais eficiente que a chamada “propaganda boca a boca”. Em pouco tempo as pessoas afluíam, todo dia, às vezes até já bem tarde da noite. Era um que queria saber se casava ou se fazia uma viagem, outro que ia fechar um grande negócio, mais outro que simplesmente desejava saber o futuro. Eu atendia a todos solícito, comecei a cobrar por consulta, depois por hora, comprei novos baralhos, alguns importados, vistosos, com valetes, damas e reis que mais parecem tirados de um desfile carnavalesco. Mas ainda tenho meu velho baralho, o original, benemérito baralho que me deu os primeiros clientes e as primeiras alegrias da nova profissão.
Hoje tenho escritório com ar condicionado e carpete, não atendo mais em domicílio – a não ser clientes especiais – e faço tudo com hora marcada pela secretária. É cada vez mais forte em mim o fluxo de idéias que me vêm à cabeça, quando leio nas cartas o destino dos meus clientes. O que faço com a mesma tranqüilidade com que leio o jornal de domingo. E assim vou faturando alto, feliz e satisfeito, e assim irei sempre, enquanto acreditarem em meus oráculos.

UMA CRIATIVA SUGESTÃO PARA O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Riobaldo Tatarana

O que dá a gente deixar a terra natal e perder totalmente o contato com ela. Aí, vê uma notícia de lá com repercussão nacional, e fica com cara de tacho. Foi o que aconteceu dia desses a um amigo paraibano, melhor dizendo, pessoense (eta nomezinho chato!) que reside há décadas aqui em Recife e perdeu o contato com a terrinha. Em suas antigas viagens à gleba, era obrigado a atravessar o promissor município de Alhandra, à beira da rodovia - naquela época (década de 1960) ainda um acanhado burgo, com poucas casas e muitas árvores. Quem, como eu, gosta de visitar a capital paraibana (recuso-me a falar o nome, detesto essa homenagem boboca a um cara que levou um tiro por andar fuçando a vida privada de seu rival), sabe muito bem que ao longo dos anos Alhandra foi crescendo, modernizando-se, adquirindo importância não só local como regional, eis que chega a ameaçar a área de influência da poderosa Goiana, em Pernambuco. Hoje, além de um expressivo pólo cultural, com duas faculdades – Letras e Pedagogia, se não me engano – Alhandra possui a maior fábrica de vassouras de piaçava do Estado e faz parte do calendário turístico brasileiro com sua famosa festa de rua.

Mas há um ponto, que esse paraibano desbotado não conhecia, e que eu, recifense roxo, já sabia há muito tempo: Alhandra é o ponto final de uma interessantíssima política carcerária adotada pelo Estado, num processo de progressão da pena que já está sendo estudado em muitos centros internacionais, inclusive no Tribunal contra Crimes de Guerra, de Haia. A idéia nasceu no governo Burity, ganhou corpo no governo Cunha Lima, e foi finalmente implantada há uma década. Dizem até que a rivalidade Burity X Cunha Lima, que culminou com este último desfazendo temporariamente o maxilar buritizano com um tiro, deveu-se a ciúmes quanto à paternidade da idéia. Pouco importa. O que vale é que é muito boa, e tem levado à Paraíba muitas autoridades brasileiras e estrangeiras do meio jurídico, dedicadas ao estudo do sistema prisional.

O projeto consiste simplesmente no seguinte: os apenados com pena superior a dez anos começam sua trajetória carcerária na cadeia de Juarez Távora, um município sertanejo famoso por possuir o presídio mais rigoroso do planeta, construído com base em reminiscências de Caiena. Ali, o prisioneiro, além do vexame de viver numa cidade com esse nome, aprende que o crime não só não compensa como pode levar o indivíduo a percorrer, ao vivo e em cores, o círculo infernal da Divina Comédia, e sem a companhia de nenhum poeta. Surras, longos jejuns, solitárias subterrâneas, uma série de amenidades que fariam a delícia do Torquemada. Após um período – que varia segundo o tamanho da pena - nesse interessante lugar, o preso, caso tenha demonstrado bom comportamento e não tenha se metido em nenhuma encrenca, é transferido para um outro presídio, se não me engano em Piancó, depois em mais outro, mais perto do litoral, cada um progressivamente mais ameno. Até que chega ao de Alhandra, já com apenas um décimo da pena por cumprir.

No presídio alhandrense, o apenado tem que exercitar toda sua criatividade e tudo que aprendeu nos presídios anteriores, no sentido de proporcionar sua própria fuga. Há em volta do presídio fossos com piranhas, os muros são altos e eriçados de farpas eletrificadas, e os guardas possuem armas de precisão com mira de laser, de forma que escapar dali é uma obra para peritos de altíssimo gabarito. Para tornar a fuga ainda mais difícil, as autoridades proíbem rigorosamente a entrada clandestina de armas e celulares – tão comum e bem aceite nas prisões do Rio de Janeiro, por exemplo – de forma que o apenado só conta com sua inventividade. Caso consiga fugir, apresenta-se no dia seguinte às autoridades e então a Prefeitura local realiza, no final do mês, uma festa em praça pública, com banda de música e farta distribuição de birita, à qual comparecem o governador do Estado, o presidente do Tribunal, a câmara de vereadores em peso, e o fugitivo, agora com a pena oficialmente zerada, recebe uma ficha limpa e uma ajuda de custo para reiniciar sua carreira em outro lugar, com novo instrumental técnico.

Eu, que tenho estudado os sistemas prisionais de outros países, não me lembro de solução mais inteligente e interessante do que essa. Em primeiro lugar, por seu aspecto, digamos assim, lúdico, que leva o apenado a ver o cumprimento de sua pena como uma progressiva especialização, até que possa demonstrar que não ficou todos esses anos como hóspede do governo em vão, que aprendeu alguma coisa que lhe pode ser útil para o resto da vida. Em segundo lugar, porque a família do preso recebe-o não mais como alguém “que cumpriu pena”, mas como uma espécie de herói, exaltado por discursos de autoridades e com sua graduação atestada em pergaminho. Tudo isso sem falar nos evidentes benefícios para o turismo local. Consta que muitos ônibus de cidades vizinhas, até de Alagoas, até da Bahia, trazem multidões de turistas para Alhandra, que fica com os hotéis lotados. A “Festa do Se Mandou”,como ficou conhecida a cerimônia, faz parte hoje do calendário da PBTUR e já está sendo cogitada como uma das atrações de novembro, mês geralmente meio mole para atividades turísticas.

Pois bem, esse tal amigo paraibano não sabia de nada disso. E ficou assustado quando tomou conhecimento, um dia desses, que este ano a fuga contou com 28 apenados – um número recorde na história de Alhandra. A festa deverá realizar-se lá pelo fim do mês, e eu já reservei hospedagem no Acais Palace, que fica em um distrito próximo à cidade. Aproveito então para convidar os paraibanos desbotados, como esse meu amigo, a comparecerem à festa. E me digam se desde as famosas fugas do cárcere de Reading, se desde a revolta de Spartacus, já tinham ouvido falar de algo semelhante. E eu, pernambucano doente, tenho de curvar-me e reconhecer que, com essa iniciativa, em matéria de criatividade a pequenina e heróica Paraíba exporta para o mundo.