segunda-feira, março 16, 2009

Religião Em Xeque


Elpidio Navarro

Faz muitos anos que li uma crônica de Rubem Braga, no qual falava (mais ou menos assim) de uma proibição no Rio de Janeiro, por parte da polícia, de um culto desse hoje chamado de afro-brasileiro. O delegado justificava que aquilo era coisa de bruxaria, pois as pessoas cantavam, levantavam os braços, diante velas acesas, estátuas, fumaças com cheiro e um feiticeiro todo de branco e cheio de enfeites na roupa, levantava-se, baixava-se, fazendo sinais e dizendo palavras que ninguém entendia. Na crônica, Rubem Braga diz, ainda, que caminhando pela rua, pára diante de uma casa enorme, onde pessoas cantavam e gesticulavam diante de velas, estátuas, fumaça cheirosa e um homem de branco com a roupa enfeitada, levantando-se e baixando-se a toda hora, dizendo palavras que ninguém entendia. "Mas onde está a polícia que vê uma coisa dessa?" Pergunta ele.

Claro que Rubem Braga estava diante de uma igreja católica. Nessa época eu já não via a religião da mesma forma que via na minha infância, quando, certamente, houve a imposição familiar: pais católicos, irmã freira, nenhum "crente" na família, felizmente, o que seria até pior.

É certo que a religião católica evoluiu de alguma forma, mas nem tanto. Algumas facções sim outras não. A missa é celebrada em português mas ainda existem padres celebrando em latim. Padres não mais se obrigam a usar a terrível batina não própria para o nosso clima, outros preferem sofrer com o calor. Mas essas mudanças são menores diante da atitude de uma parcela da Igreja Católica brasileira, que lutou contra a quartelada de 1964. No entanto, em compensação, são produzidos vigários retrógrados, interesseiros, politiqueiros, como os bispos da Paraíba e Pernambuco, por fatos já bastante denunciados na mídia e condenados por grande parcela da sociedade.

Hugo Caldas enviou-me uma mensagem na qual pedia, a quem de direito, para ser excomungado, dando o nome completo, carteira de identidade, CPF, etc. Eu, por minha vez, como já disse antes noutro artigo, não preciso dar esse trabalho a ninguém: pratiquei a auto-excomunhão. E já faz um bocado de tempo.

Alguém há de perguntar por que eu casei no religioso e batizei os filhos. Simples: para atender pessoas crédulas da família e, principalmente, porque para fazer uma festa eu topo qualquer negócio.

Devo declarar que respeito todas as pessoas religiosas e suas religiões, mas esperando que a minha não religiosidade também seja respeitada. Acho que a liberdade do homem implica também nas suas escolhas e entre elas a religiosa. Portanto, desde que não façam uso dela para matar, injuriar, roubar e iludir, a considero uma individualidade que merece todo o respeito.

Do meu amigo Celso Japiassu, leio um artigo inserido aqui neste mesmo Blog do Hugão, com o título de "Religiões". Uma síntese perfeita a de Celso (sugiro a leitura), tão perfeita que me remeteu aos anos 50 quando tomei posse como membro da diretoria do Teatro do Estudante da Paraíba. O orador oficial da solenidade, Arlindo Delgado, proferindo sobre a história do teatro, referiu-se às "trevas medievais" e à condenação da arte de representar, na época. A citação causou a reação de um padre presente, que logo cuidou de defender a Igreja Católica. A verdade que está na história é que quem ousasse fazer teatro durante a Idade Média seria excomungado. O teatro foi para o povo nas ruas, com as carrocinhas e os saltimbancos e o sucesso foi tanto que resultou no uso pela própria Igreja Católica do condenado teatro, para atrair o povo para o seu lado. No Brasil, foi usado por Anchieta para catequizar os índios.

Elpídio Navarro é professor universitário, dramaturgo e diretor teatral, além de editor do www.eltheatro.com

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