segunda-feira, julho 28, 2008

UM PROFESSOR E O NORDESTE


Clemente Rosas

O Professor Malaquias Batista Filho aposentou-se pela compulsória, mas continuou ajudando os seus alunos. E recebeu, este ano, o título de Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco. Convidado para a cerimônia, não pude comparecer, por motivo de viagem de trabalho. Presto-lhe agora a minha homenagem, por uma vida de dupla dedicação: à pesquisa científica e às questões sociais, nele saudavelmente harmonizadas.

Quis o acaso que, após ler três livros editados pelo IMIP que meu amigo Malaquias escreveu, co-escreveu ou organizou, me caíssem às mãos as memórias de Assis Lemos, o ex-deputado paraibano líder das Ligas Camponesas no nosso Estado. E nelas aparece a figura destemida do então estudante de medicina, à frente de concentrações e atos públicos, denunciando os latifundiários mandantes de crimes contra os camponeses. Malaquias, já naquela época, conciliava atribuições discrepantes: médico em formação, escritor (editorialista do jornal paraibano “A União”) e militante político, movido a puro idealismo. Hoje, ocupando o espaço pioneiro de Josué de Castro e Nelson Chaves, mantém a mesma polivalência, pois que a nutrição é o campo da medicina onde a dimensão política se apresenta com maior intensidade.

Pena que sua extrema discrição tenha impedido, até agora, o reconhecimento social que o seu trabalho merece. É possível mesmo que ele seja mais conhecido no resto do país, ou no exterior, onde participa de conferências científicas, do que no Estado que escolheu para viver, ou na sua terra natal. Aliás, das quatro figuras ilustres que a cidade de Taperoá e a Paraíba deram ao Nordeste, apenas uma conquistou notoriedade: Ariano Suassuna. Ainda restam Manoelito Dantas, engenheiro, pecuarista e teórico dos problemas do Semi-Árido, e Sebastião Simões Filho, químico, pioneiro da COPERBO, companheiro de Rômulo Almeida na montagem do Pólo de Camaçari, e pensador das grandes causas da humanidade. É o registro que me cumpre fazer, neste momento.

Os livros de que falei, publicados pelo Instituto Materno- Infantil Prof. Fernando Figueira – IMIP – “Viabilização do Semi-Árido Nordestino” (Malaquias “et aliis”), “Alimentação e Nutrição no Nordeste do Brasil” (Malaquias e Teresa Cristina Miglioli) e “Sustentabilidade Alimentar do Semi-Árido Brasileiro” (Malaquias sozinho) – estão a merecer comentários. Mas temas tratados com profundidade, mesmo quando polêmicos, nem sempre repercutem entre nós, enquanto afirmações levianas são facilmente endossadas, glosadas ou refutadas – com a mesma superficialidade. Há que esperar por quem se disponha a mergulhar fundo nos textos, e oferecer alguma contribuição séria ao desejável debate de idéias.

Não tenho aqui espaço para tal empreitada, além do que me alinho plenamente com as teses e propostas das obras referidas. Ressalto apenas algumas revelações – verdades antigas ou recentes, mal assimiladas pelas nossas lideranças – que merecem ser incluídas na pauta de discussões sobre o futuro da nossa região.

Para começar com uma novidade, até certo ponto alvissareira, no campo da nutrição “stricto sensu”, consideremos que a desnutrição infantil reduziu-se expressivamente no Nordeste (70%), enquanto a obesidade de adultos, seguindo tendência mundial, marcha para a epidemia (300%). Temos assim um novo problema a enfrentar, confortados com a confirmação de que o desafio da fome deixou de ser matéria de conhecimento científico ou de recursos naturais, e passa a exibir, claramente, a sua feição político-social.

Por outro lado, reconheçamos que a velha lição, vinda de Guimarães Duque, de que não adianta lutar contra a seca (como não se luta contra a neve, nos países frios) e sim conviver com ela, embora não contestada, não se tem traduzido em decisões das nossas autoridades. Talvez porque a receita – abandono da agricultura de subsistência, cultivo de plantas xerófilas, pecuária de pequeno porte – contrarie velhas práticas e ponha em questão obras ambiciosas como a tão falada transposição das águas do São Francisco. Nunca será demais, portanto, revisitá-la, reapresentá-la, proclamá-la, até que entre na cabeça dos nossos tomadores de decisão. Inclusive porque as terras irrigáveis, onde se pode fazer uma agricultura de alta produtividade, não representam mais que 5% do Semi-Árido.

Finalmente, mais uma questão melindrosa, de que se evita até falar, é posta às claras: a “pressão antrópica” sobre as terras secas, e a necessidade de reordenação demográfica, como forma de proporcionar melhores condições de vida aos sertanejos. O Semi-Árido nordestino é o mais populoso do mundo, e continuará pobre, enquanto o for.

Aí estão, portanto, três temas candentes, entre vários cientificamente tratados por Malaquias e seus companheiros, nas edições do IMIP. Minhas reverências a todos. E que sejam lidos e entendidos, como merecem.

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