Clemente Rosas
Excelência: Quem lhe escreve não é um correligionário, tampouco um aliado, sequer um eleitor desta cidade. Mas é alguém que, sem nenhum compromisso com o seu partido, e mesmo inicialmente crítico quanto à sua gestão, aprendeu a respeitá-lo pelo bom desempenho e pelo destemor das suas decisões. Por isso, alimento a esperança de que estas palavras sejam acolhidas como crítica construtiva, e mereçam reflexão.
Confesso também que ao vê-lo, já investido da autoridade de governante, distribuindo panfletos na rua, numa atitude de populismo inconseqüente, fiquei ainda mais desanimado. Mas aos poucos vieram as providências que foram dando a tônica da sua administração, tão bem traduzida pelo lema: “A Grande Obra é Cuidar das Pessoas”. Medidas corajosas, contrariando às vezes interesses poderosos, mas sempre voltadas para o bem estar da população.
A retirada do “Recifolia” da orla marítima foi das decisões mais valorosas, um desafio que seus antecessores não se dispuseram a encarar, apesar do clamor de milhares de prejudicados. O disciplinamento do transporte alternativo foi outra, que teve de enfrentar a fúria dos “piratas” do trânsito. E também a inversão do fluxo automotivo nas avenidas Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar, de resultados tão evidentes, apesar da resistência inicial de comerciantes imediatistas. A urbanização de Brasília Teimosa, o binário da Avenida Caxangá, o Canal do Cavouco, a Academia da Cidade são mais alguns exemplos de realizações saudáveis e democráticas.
Por tudo isso, constrange-me vê-lo obstinar-se em levar adiante uma obra que a população rejeita, numa verdadeira traição ao anseio popular motivador da conquista do terreno para abrigá-la. O parque de Boa Viagem, sabemos todos, foi idealizado como reserva de verde, refúgio ecológico como a Jaqueira, nunca espaço para “shows” e multidões barulhentas. O belo projeto de Niemeyer, fruto, ao que parece, de uma “encomenda mal especificada”, não é para aquele lugar. Arquitetos recifenses, mobilizados pela onda de insatisfação popular que se alastra, já apontaram localizações alternativas: Cais José Estelita, Rua da Aurora, Pina, Vila Naval. Qualquer delas mais adequada que a densa zona residencial de Boa Viagem.
Não vou discorrer aqui sobre as contra-indicações à concepção adotada, já apresentadas em numerosos artigos: fluxo de veículos e pessoas incompatível com o entorno, poluição sonora, ausência de vegetação em área hoje carente de árvores. Chamarei apenas a atenção para a dimensão política do caso, pois esta pode envolver o êxito ou o fracasso da carreira de qualquer homem público.
Posso ser acusado aqui de pretender ensinar padre-nosso a vigário. Mas quero lembrar a afirmação de Friederich Engels: o erro mais comum em política é confundir os desejos com a realidade. Por isso um observador distanciado pode alertar para algo que o político militante se recusa a ver. A que pode levar, por exemplo, essa precipitada campanha publicitária, a crítica a supostas “elites” egoístas, o anúncio de pesquisa de opinião para ouvir, dicotomicamente, “pobres” e “ricos”, a comparação das atuais resistências dos munícipes à dos contraventores do transporte alternativo?
A campanha é pouco séria, pois mostra uma obra ainda em reformulação, e só vai exacerbar os seus opositores. O pressuposto implícito na pesquisa anunciada, de que “pobres” e “ricos” têm opiniões divergentes e interesses conflitantes, não parece saudável. E o protesto de cidadãos conscientes não pode ser comparado à reação de interesses contrariados de grupos econômicos ou facções corporativas. Não são só os residentes em Boa Viagem que reclamam. E ainda que assim não fosse, seria irracional localizar um projeto de suposto interesse da “cidade” em um bairro que o rejeita.
Resta a acusação às “elites”. Mas não são elas, Senhor Prefeito, que combatem a sua proposta. Não são elas que colhem assinaturas nas ruas, distribuem manifestos, escrevem nos jornais. É a classe média: a grande formadora de opinião, definidora de eleições, berço de lideranças. E hoje também, se tomada “lato sensu”, o segmento numericamente mais expressivo da população urbana, pois o operariado fabril há muito perdeu a predominância que tinha ao tempo de Marx e Lenin. Assim, o grande risco da intransigência é perder o seu apoio, o que seria um erro político irremediável.
Considere, pois, a possibilidade de, num gesto de modéstia e de grandeza, reconsiderar a sua decisão, localizando o projeto de Niemeyer em espaço alternativo, e assegurando aos moradores de Boa Viagem o refúgio bucólico que outros recifenses já mereceram. Para inspirá-lo, com todo o respeito, invoco o exemplo de homens como De Gaulle, Churchill, Bóris Yéltsin ou Adolfo Suarez, que passaram à História por atitudes simples mas corajosas, tomadas em momentos decisivos.
Clemente Rosas é consultor de empresas
clementerosas@terra.com.br
3 comentários:
Peço licença para discordar das críticas ao Parque Dona Lindu. No ano do centenario de Niemeyer e com projeto que prioriza segurança e cultura não vejo porque o parque cause rejeição. Se reconsiderando, houve aumento do percentual de área verde, se ha kilometros de calçadão de frente e paralela ao mar pergunto para que mais área pra Cooper??? E finalmente porque os ecopoliticos de ultima hora não criaram um projeto antes??? Acho que´a razão para a crítica está na homenageada..no nome de mulher nordestina,pobre e mulata...Peço autoestima recifenses...Glauce
Clemente amigo
Sempre admirei os seus escritos. Concordo com tudo o que você expos aqui. Sinto mesmo que o nobre amigo foi bastante educado... mas a citação em latim...? Será que "eles" vão entender? Tenho cá as minhas dúvidas.
Sou contra o parque pelo ridículo do nome, e pela excessiva predileção, beirando as raias do absurdo, do sr. Niemeyer por concreto armado. Pode ser maravilhoso na França mas aqui no Recife irá apenas aumentar o calor do bute reinante.
Meu abraço. Hugo
Caro Hugo,
O pior é ter que agüentar o nome do "parque"!!! Quem foi essa pessoa? O que que ela fez para enaltecer Pernambuco? Não vale responder que ela foi mãe de alguém que "nunca houve na História do Brasil um igual a ele"...
Abcs,
Agnes Maia
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