sábado, maio 12, 2007

E O NOME?

DJANIRA SILVA

Escreveu vários livros. Com sacrifício publicou alguns. No entanto, para se tornar conhecido dependia da divulgação e da distribuição. Tinha, no entanto, tinha um sonho maior ver seu nome impresso nos jornais.

A cada nova publicação, acendia-se a esperança de ver chegado o momento de ter seus livros divulgados e reconhecidos pela mídia, colocados com destaque nas vitrines das livrarias, adotados nas escolas. E o nome? Bem, era prioridade. Tanto, que em todos as capas era colocado em letras garrafais, mais vistoso do que o título do livro.
Durante muito tempo peregrinou pelas livrarias onde era tratado com a mais fria e absoluta indiferença. Afinal, não passava de um velho escrevinhador desconhecido para quem não havia lugar no mercado literário. De tanto insistir, conseguiu deixar alguns poucos exemplares em uma pequena livraria.

Só por vaidade, para poder dizer o seu nome, telefonava, de vez em quando para saber se dispunham daquele título. O funcionário, visivelmente desinteressado, pedia para aguardar. Diante da demora, a ligação caia. Um dia, foi lá, queria saber se já haviam vendido algum. Perdeu metade da manhã seguindo o balconista que teve dificuldade para localizá-los. Não fosse o recibo teria perdido, além da esperança também os livros. O gerente aconselhou-o a levá-los, sob a alegação de que a livraria era pequena e o espaço disponível mínimo.
Por ocasião dos lançamentos mandava convites para os jornalistas atuantes na área. Um deles deu uma notinha mixuruca e ainda o chamou de revelação o que veio confirmar o quanto era desconhecido apesar de que, desde muito jovem, fora colaborador de diversos jornais, tendo inclusive, alguns trabalhos premiados em concursos literários. Há muito percebera que de nada lhe valiam nem os prêmios nem as menções honrosas que sua mulher, sabiamente, chamava de horrorosas.

Como sonhar não é proibido, continuou sonhando, dormindo ou acordado. Acordado a imaginação tinha seus limites. Dormindo soltava-se. Via seu nome em letreiros luminosos, nos prédios mais altos, nas portas dos cinemas, em balões coloridos, destes de propaganda, amarrados aos helicópteros.

Quando voltava à realidade, continuava a via-crúcis junto aos jornais. Mandava convites e livros para redatores, cronistas sociais, comentaristas de arte. Num dos lançamentos, um deles, talvez para preencher espaço, publicou uma notinha insossa que bem poderia se referir a qualquer pessoa: será lançado no dia tal às tantas horas um livro de contos de um escritor local. E o nome? Bem, o nome fora omitido sumariamente.

Chegou à conclusão de que a sociedade só valoriza sobrenomes ilustres. Infelizmente, o seu, era um da Silva qualquer.
Foi então que viu no jornal e ouviu na televisão a notícia da mulher que havia furtado um pacote de manteiga e, da noite para o dia, ficara famosa e conhecida em todo o Brasil.

Viu, naquela notícia, a fórmula infalível para se tornar conhecido.
O dia seguinte era um sábado, ocasião em que os supermercados recebem um considerável número de clientes. Não pensou duas vezes. Colocou numa sacola alguns exemplares dos seus livros para poder exibi-los frente às câmaras de televisão, caso fosse entrevistado.
Filas imensas, gente por todos os lados. Entrou e começou a executar o plano. Fingiu um acesso de tosse para chamar a atenção de um segurança que estava ali por perto. Na prateleira das manteigas, pegou um pacote de margarina para ser diferente da outra. Ganhou ânimo e, para dispor de mais espaço, retirou os livros da sacola. De longe, o segurança o observava. Sempre tossindo, repetiu a operação. Na prateleira seguinte deixou escorregar para junto da margarina uma garrafa de suco de uva, na outra, uma barra de sabão, um vidro de xampu, e assim até encher a sacola. Quando já não suportava o peso e o desconforto dos livros embaixo do braço, fez menção de se retirar sem passar pelo caixa. Foi abordado por um fiscal, previamente avisado pelo segurança, que, segurando-o pelo braço, levou-o para a gerência não sem antes recolher as provas do furto. Satisfeito com o andamento da aventura, o homem tentava se explicar, moço, eu sou escritor, estou aqui fazendo uma experiência, meu nome é fulano de tal, os livros, são meus, têm até o meu retrato. Veja meus documentos, minha identidade, sou escritor.
No escritório, nem o gerente nem o vigilante davam importância ao que ele dizia. Por se tratar de pessoa idosa e temendo a repercussão que o caso poderia ter, o advogado da empresa aconselhou que o liberassem.

Antes de sair avistou um jovem que fazia anotações. Na camisa, um crachá de jornalista. Aproximou-se: moço, eu sou escritor, veja meus livros, anote aí meu nome. O rapaz. Sem ao menos levantar a vista, continuava escrevendo.
- Fique calmo, senhor, fique calmo. Não se preocupa.
- Obrigado, meu filho, obrigado, anote aí meu nome, é este aqui. E, apontava para a capa do livro, as mãos trêmulas, o coração disparado.

Afinal, depois de se certificar de que havia impressionado o jornalista retirou-se, crente de que, no dia seguinte, seu nome estaria estampado em algum jornal. Levantou-se mais cedo. Foi à banca de revistas. Ficou estatelado diante do que viu. Na primeira página, nas chamadas do noticiário, lá estava a manchete: Vovô esclerosado, dizendo-se escritor, pratica furto em supermercado.

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