domingo, janeiro 19, 2014

Uma aventura em 1930

Hugo Caldas


Paraíba. Rua Duque de Caxias. Caminhão repleto de soldados rebeldes estacionado perto do antigo Colégio Pio X. Rapaz de 17 anos chega para assistir às aulas daquela tarde. A farda do estudante pouco diferia do uniforme cáqui dos rebeldes. Arranjam-lhe um lenço vermelho e o jovem combatente está quase pronto para a frente de batalha no Recife, não sem antes invadir, em companhia de alguns soldados, o Colégio das Neves onde estudava a minha futura mãe, sob a justificativa esfarrapada de caça a um perrepista. À vista daquela porção de homens decididos e armados pelos corredores do estabelecimento fez com que algumas freirinhas desmaiassem. Os "invasores" arrependidos e nervosos (matar freira e padre dá um azar danado) decidem voltar para o caminhão que os levaria para a guerra no Recife, de  onde o nosso estudante retorna preso dois dias depois, por ordem expressa do senhor seu pai, o Desembargador Caldas Brandão. O Recife inteiro já havia caído, com exceção de um um "carro blindado" que vivia atazanando a vida do inimigo e de um atirador solitário encastelado com uma metralhadora MG 42 - Lurdinha - de fabricação alemã numa das guaritas da Casa de Detenção, a varrer tudo que se movesse na Praça Joaquim Nabuco. Os rebeldes da Paraíba mal conseguiam se mexer, protegidos por enormes pneus de trator. À noite, o Sargento Nunes chega se esgueirando como podia por entre os pneus e grita: “Tem um estudante por aqui?” Eu, responde o nosso herói. “Ta preso”, vai voltar comigo para a Paraíba de madrugada“.



A Viagem de Volta:

Confiaram-lhe uma pasta, contendo documentos importantes e algum dinheiro para ser entregue em mãos ao tenente Juarez Távora que se encontrava homiziado na casa de Odon Bezerra, em Tambiá. Em hipótese alguma deveriam parar o carro. Para qualquer tetativa de parar o automóvel a ordem era atirar para matar. Nas proximidades de um lugar conhecido como Maricota, divisaram alguém no acostamento dando com a mão. Sem  diminuir a marcha o Sargento Nunes perguntou, ordenando:

- Qual é a ordem, estudante? O nosso herói sem um pingo de convicção aperta o gatilho. Neste exato momento o carro é crivado por uma formidável rajada de balas... Ninguém se feriu mas o carro chegou ao destino todo costurado com os tiros..

Em Tambiá, o Tenente Juarez Távora os recebeu em pé, verificou o conteúdo da pasta, encaminhou-se até o estudante e disse circunspecto:

- "A Pátria está muito orgulhosa e agradecida pelo seu trabalho". Um dia você será devidamente recompensado. Fez-lhe um pequeno afago nos cabelos e retirou-se. Já de volta ao automóvel o Sargento Nunes pensava:

Entregar a pasta ao Tenente Juarez foi fácil. E mal disfarçando um sentimento de afeição... "O duro vai ser entregar esse estudante ao Doutor Juiz".

E assim foi feito. Doutor Caldas os recebeu vestindo um robe de chambre por cima do pijama azul. Ajeitou mecanicamente o pince-nez no topo do nariz e...

- Doutor Juiz aqui está o seu rapaz, são e salvo.

- Sargento, eu e a minha família lhe somos eternamente gratos pela proteção dada a esse maluco. Vira-se para o nosso herói e:

- "Agora é conosco"! Ciente do que poderia acontecer, o Sargeno Nunes apressa o passo para a saída, dá um abraço afetuoso no estudante e diz num quase sussurro: "Boa sorte, você vai precisar"!

A BRONCA

- Isso é coisa que se faça!
- Mas, meu pai...
- Não tem MAS nem meio MAS. Você é menor de idade e eu sou o seu pai. Não poderia ter ido sem a minha permissão. Sua mãe adoeceu e passou mal e tudo por sua culpa...

Após ouvir uma série de reprimendas o nosso herói pondera que realmente desejava juntar-se aos revoltosos e dessa vez pede a permissão paterna. Permissão concedida, alista-se, volta ao Recife naquele mesmo dia e participa como ativo guerreiro da Revolução de Trinta ao lado dos Liberais.

A volta  veio confirmar o que se falava há muito. O Recife havia caído, apenas resistindo com um atirador solitário e um tal "blindado".

A coluna paraibana  encontrava-se refestelada em uma confeitaria da Rua da Imperatriz.quando o blindado apareceu. Tratava-se de um furgão, desses para a entrega de cigarros no qual acharam de colocar umas tantas placas de aço à guisa de blindagem.

Freou bruscamente em frente à confeitaria e suprema audácia, atirou para dentro do estabelecimento. Após constatar que não havia feridos, o Sargento Nunes grita:

- Moçada, vamos ver se esse blindado é bom mesmo: Ao meu comando: Fogo centrado!

O blindado rodopiou uma, duas, três vezes até bater em um poste do meio da rua. De súbito um fio de sangue escorre no estribo da viatura. Abrem as portas com cuidado: Dentro, onze legalistas mortos. Retiraram os mortos e os deitaram em fileira no leito da rua. O estudante ainda teve tempo para uma oração, enquanto trocava as perneiras de marca "Carnaúba", o que de melhor havia no mercado, nas pernas de um tenente. Delicadamente colocou as suas perneiras usadas nas pernas do defunto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Genial, Hugo!!!

Não há nada mais rico do que ver a História acontecendo.

Solha

Almir disse...

Excelente!

ana arnaud disse...

Excelente!O texto é seu? E esse Sargento Nunes,
quem é?

Minervino disse...

Sargento Nunes já é falecido há muito tempo. Era tio de Valdez.

Firmino disse...

Prezado Hugo-salvo engano, esse sargento Nunes depois que deixou a farda, já na década de 1960, foi garçom no Elite Bar, Churrascaria Bambu e no antigo Restaurante Lido, que existia na Rua Duque de Caxias, vizinho a sede do Clube Cabo Branco.