domingo, outubro 06, 2013

Fogo

Umari Pereira

FINAL

À tardinha, o major retornava à sua cadeira de balanço, portando sua bengala, não que precisasse dela para se apoiar, era apenas um acessório,que lhe emprestava elegância e autoridade. E se alguém, porventura, ousasse lhe desrespeitar, "levava com a bengala nas orelhas", como gostava de avisar. Como já esperava um cafezinho fumegante e cheiroso, acabara de chegar pelas habilidosas e ágeis mãos de Ana Rita. O major Ulhôa , recebe a xícara enquanto se demora, mais do que de costume, fitando o rosto da bela mulher, que finge não reparar, postando-se ao lado da cadeira, com o braço esquerdo sobre o encosto, pronto para balançar a cadeira do Major,  assim que ele terminar de sorver o seu café. Depositando a xícara vazia na mesinha do lado esquerdo e se ajeitando na cadeira, o Major acende seu cigarro lançando baforadas em direção ao bueiro que também fuma. A fumaça do cigarro, soprada pelo Major Ulhôa, se confunde com a fumaça da chaminé do engenho num duelo, quase infantil, entre aquele homem sisudo e a edificação do engenho.  Entre divertida e zombeteira, Ana Rita observa  a discreta peleja do Major, como se naquele instante ele quisesse mostrar toda a sua virilidade e gênio folgazão.

O sol se pondo vai trazendo as sombras da noite e com elas os ruídos dos insetos e o murmúrio vindo das bandas das senzalas, que se preparam para dormir. Na casa grande, o silêncio só é quebrado por um ou outro ranger de móveis e o som cadenciado do engenho do grande relógio na sala de visitas.

Quem demorou a pegar no sono, apura os ouvidos pras bandas da casa grande, tentando adivinhar sussurros e murmúrios, quase gritos abafados... Alguns se benzem se esconjurando... Outros, em estado de pura excitação, chegam a visualizar cenas eróticas, por trás daquelas grossas paredes. Levado a se ausentar do Fogaréu, para resolver assuntos na Capital, o Major Ulhôa se demora na cidade. Quando volta ao engenho encontra Ana Rita ressabiada, desconfiada, ofendida. Calada, sem a alegria costumeira. Ana Rita continuava sua rotina de afazeres e cumprindo o ritual do cafezinho e da cadeira de balanço todas as tardes. De vez em quando, passava um trabalhador, cumprimentando o Major, que respondia com leve aceno de cabeça. A cena se repetiu pela tarde inteira, parecendo que todos os moradores do Fogaréu, queriam olhar a cara do Major Ulhôa, que imediatamente mandou chamar o chefe dos trabalhadores, para esclarecer a estranha movimentação. Ana Rita sumiu para dentro do casarão. Foi aí que Ulhôa ficou sabendo que Ana Rita tinha emprenhado.

- Quem foi o "filho de uma égua", que teve a audácia de bulir com a moça?  Perguntou o Major, enraivecido, aos gritos.

- Ninguém sabe Major! E ela não conta pra ninguém... Não teve jeito!

- Chame essa menina aqui! Berrou o Major Ulhôa.  Você pode ir se embora, pro seu trabalho!

Ana Rita chegou de mansinho, amedrontada, chorando baixinho. O Major procurando acalmá-la prometeu que o "cabra" iria pagar muito bem pago, pelo que tinha feito a ela. Ana Rita, entre um soluço e outro, disse que não havia "cabra" nenhum. Que nunca conhecera outro homem a não ser o Major Ulhôa! Foi como se o Major tivesse levado o coice de uma mula!

- Na minha idade! Você tem certeza?

- Pela hóstia consagrada, jurou a moça de joelhos.

Tempos depois, o Major recebe o rábula, que llhe fazia as vezes legais. Assina um papel e o despede em seguida.

Ana Rita teve um menino, da sua cor e os olhos azuis do Major. Todos a tratavam com respeito e ai de quem tirasse gracinha com ela!

Depois que o Major faleceu, o rábula trouxe-lho papel assinado pelo Major: era o testamento dele, deixando o engeho Fogaréu para Ana Rita e seu filho, Ulhôa de Souza Filho.


5 comentários:

Anônimo disse...

Beleza, Hugo. O susto positivo do velho.

Solha

Maria Lúcia-Bananeiras-PB disse...

Gostei bastante do fechamento do conto. Guy Joseph, além de fotógrafo, ensaista e documentarista de primeira grandeza, mostra-se, tambem, como ótimo escritor. Muito boa a estória aqui apresentada, resumida em duas publicações e com final inusitado. Para tudo dar certo para Ana Rita e Ulhoa Filho, tenho absoluta certeza que o major era "solteirão" e não tinha outros filhos com paternidade reconhecida. Parabens Guy Joseph, que tive o prazer de conhecê-lo aqui em Bananeiras, durante um churrasco. Quando da primeira publicação, neste maravilhoso blog, fui a primeira a desconfiar que Umari Pereira tratava-se de Guy. Em seguida, o Professor Xavier fechou com chave de ouro, afirmando e corroborando comigo que o autor tratava-se de Guy.

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,
O belo texto bem que poderia ser maior....Adorei! Grande e afetuoso abraço. Márcia

Mary Caldas disse...

Hugão pede pra Guy escrever o 3° capítulo. Está tão bom que podia ser maior...Parabéns ao Guy.

Guy Joseph disse...

Hugão, meu caro primo, o texto nasceu, com a intenção de servir de argumento para um curta metragem em vídeo, que será inserido no documentário, Cana Fogo e Bagaço sobre os engenhos de cana de açúcar. Por acidente, terminou virando um conto.
Agradeço os comentários de quem gostou, mas, não pretendo seguir carreira literária.
Um grande abraço.
Guy Joseph