domingo, abril 21, 2013

New York, New York



 A impressão que me causou New York, quando lá cheguei pela primeira vez, foi bastante diversa daquela que tive ao chegar às duas da manhã em São Paulo, nos anos sessenta. Aqui houve realmente um impacto. Aquele “formigueiro” nas ruas, todas aquelas pessoas, aquelas luzes, um festival de gás-neon, mais parecendo a luz do dia.

New York foi assim como conhecer o Rio de Janeiro. Você apenas constata, confirma os lugares já conhecidos, por força do cinema, fotografias, cartões-postais, etc. Por esta razão não segui a trilha de todo turista deslumbrado. Até porque eu estava na cidade a trabalho. Não visitei a Estatua da Liberdade, por exemplo. Aliás, devo dizer que a Avenida Madison guarda uma certa semelhança com a Getulio Vargas, no Rio. “Não vejo nada de mais em New York”: pensava, ao sairmos do aeroporto, mal sabendo o que me esperava mais adiante.

Repentinamente a paisagem vai mudando e começa a aparecer algo semelhante a um cenário de filme musical. Arquitetura bastante familiar apresentava uns tantos prédios de três andares, largos, com uma pequena escadaria de três ou quatro degraus ao centro. Chovia torrencialmente, talvez para dar mais emoção ao momento que eu estava vivendo. Não via a hora surgir, de repente, por trás de uma esquina qualquer, o Gene Kelly com guarda-chuva e tudo, dançando e cantando na chuva. Só saí do transe quando o taxista advertiu que aquela redondeza era barra pesada e que deveríamos seguir, pois logo estaríamos na Broadway. Para encurtar a história, a viagem de táxi demorou mais de uma hora. Pedi ao “driver,” que a essas alturas já era meu amigo de infância, para seguir bem devagar a fim de que eu pudesse degustar, como um bom vinho, aquele momento mágico.

As luzes da Broadway. Times Square. Cinemas, Teatros, Anúncios: o do cigarro Camel, com o fumante expelindo rodinhas de fumaça, me era bastante familiar, o da Coca-Cola, letreiros luminosos com as notícias do dia, correndo em volta do edifício do The New York Times. Estava na capital do mundo. E tudo isso com os acordes de “Manhattan” na cabeça. Tocado ao piano por Eddy Duchin.

“Reserve já sua 2ªfeira para um delicioso show imagine com quem? Woody Allen toca com a Eddy Davis New Orleans Jazz Band em um pequeno espaço só para 90 privilegiados a US$ 85 o couvert num dos hotéis mais chiques do East Side. Melhor reservar já… de 9 de Outubro à 14 de Novembro…..” Era o que dizia um cartaz no hall do hotel onde ficara hospedado. Na década de oitenta ele tocava clarineta toda segunda-feira no Michael’s Pub. Decidi, morrer nos US$ 85. Afinal era o Woody Allen. O que não teria eu para contar aos meus netos! Que eu fizera parte de um grupo de apenas 90 privilegiados. A 85$ por cabeça, é claro.

Cheguei ao Michael’s Pub ardendo de excitação. Mas muito cedo para o espetáculo. Não havia jantado, resolvi então comer alguma coisa no Anexo ao Pub que estava pra lá de lotado. Decidimos, - estava acompanhado pelo meu grupo de trabalho - então irmos ao bar enquanto desocupava uma mesa. Foi então que coisas curiosas começaram a acontecer.

O Maitre, um velhote simpático, não tirava os olhos de mim. De maneira bastante descarada, acintosa. O pessoal já estava tirando o maior sarro da minha cara quando ao final do jantar ele veio pessoalmente trazer a conta e disse no mais perfeito português:

- “o jantar estava a seu gosto?” E olhando diretamente para mim:

- “Você não é o sobrinho do Dr. João Bernardino, que possuía uma motocicleta ”Indian”, vermelha, e andava com você na garupa pra cima e pra baixo em João Pessoa?” Empalideci.

- Pois é, cansei de servir uma cerveja para o Dr. Bernardino e uma gasosa para você. Fui garçom do Lido, aquele restaurante junto da sede do Clube Cabo Branco, na Rua Direita. Você não mudou quase nada.

Terminei não indo assistir ao Woody Allen (economizei 85$) para ficarmos conversando e bebericando com João Brasileiro, enquanto ele contava a sua vida de aventuras. Resumindo, em remotas eras, deixara ele o porto de Cabedelo em um navio cargueiro, indo dar com os costados na Holanda onde casou, abriu um restaurante brasileiro, e viveu por mais de vinte anos. Nunca voltou à Paraíba. Trabalhava agora como maitre porque gostava e não por necessidade. Já estava aposentado havia muito tempo.

Nos despedimos com um abraço forte e na minha cabeça ficara apenas uma indagação: como explicar o detalhe de que ao tempo descrito por João eu tinha oito ou nove anos de idade?

Dia seguinte visitei o Central Park com todo aquele verde e um belíssimo lago. É certo que não existia, como nos versos de Manuel Bandeira, "lá longe, na outra margem, o sertãozinho de Caxangá com seus banheiros de palha. Muito menos a moça nuinha no banho, mas New York foi um alumbramento”. HC

5 comentários:

Carlos Cordeiro disse...

Isso é que é brogue! Muito bom, surtout as memórias. Deixa essa porra desses moluscos pra lá. Eles não são dignos de nossa atenção. V. convida a gente pra entrar no seu brogue, dá-nos aperitivos, cafezinho, iguarias finas, e depois destampa o esgoto?!!!!! Pô, meu véi, tu ainda não descobriu que merda de país é esse? Então, deixa pra lá. Valorize seu brogue, encha-o com seu texto gostoso de ler. Carrim

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,
A vida é mesmo cheia de surpresas... Este fato é por demais interessante! Nem se tivessem combinado seria tão fácil...Abração. Márcia

Edith disse...

Relato maravilhoso. Lindo, lindo. Lí tudo e garanto, sem pestanejar. Agora, vou dormir !!!!

José Afonso - Aracaju-SE disse...

Grande Hugo-toda vez que voce cita nos seus artigos a cidade de João Pessoa, me dá uma saudade imensa daquela linda Capital, onde residi oito anos. Viver em João Pessoa é um privilégio.

Mary Caldas disse...

Hugão
a cidade de Nova York é maravilhosa em todos os aspectos. É boa para morar, trabalhar, à passeio, para compras...mas encontrar um paraibano por lá no mesmo restaurante que você estava, servir do mesmo jeito como há muitos anos é impressionante.