domingo, março 17, 2013
A Páscoa e os bastidores da Paixão
Antigamente, quando eu era menino, a Páscoa era celebrada sem esses salamaleques de hoje, tais como Coelhinhos e Ovos de Chocolate. Tradição, que tradição? Deletéria invenção da ganância comercial. Os coelhos são da família dos leporídeos, não são ovíparos, ou seja não põem ovos. Muito menos de chocolate. Já imaginou o pobre coelhinho botando um ovo daquele tamanho? Um horror! Mente doentia quem inventou toda essa historiada.
Bacalhau era comida de pobre. O velho Cavalcanti, avô paterno do meu primo Guy Joseph, se dava ao luxo de ficar sentado na calçada de casa com uma barrica de bacalhaus ao lado, distribuindo com os pobres da Paraíba. Hoje, você precisa pedir empréstimo ao banco pra comprar um quilo.
Na Páscoa se celebra a ressurreição do Cristo depois da sua morte por crucificação. As comemorações da Páscoa na realidade se iniciavam na missa do Domingo de Ramos. A minha avó trazia da igreja uma palha de coqueiro que ela mesma transformava cuidadosamente em uma pequena cruz e colocava dentro do santuário em meio aos seus santos prediletos. Ali a pequena cruz iria permanecer durante todo o ano até o póximo Domingo de Ramos quando então, tudo recomeçava.
Durante as celebrações da Semana Santa nas igrejas, belas e intermináveis missas solenes, bem como cerimônias fora do comum como o Lava-Pés. Nas ruas toda a pompa e circunstância da Procissão do Senhor Morto com a Banda de Música tocando a Marcha Fúnebre. Não se usavam sinetas e sim "matracas," instrumento de madeira e argolas de ferro que agitadas produziam um som de estalidos secos e sinistros. As imagens dos santos nos altares estavam sempre cobertas por um pano roxo. Cenas que pareciam imaginadas pelo maluco do Fellini nos seus filmes intrigantes e memoráveis.
Na Rádio Tabajara apenas música clássica, especialmente na Sexta-Feira Santa. Íamos ao cinema e aos circos mambembes. No cine Metrópole a praxe era assistir à "Paixão de Cristo made in Hollywood". As cópias de tão antigas e estragadas que dizia-se, "os soldados romanos não conseguiam identificar Jesus para prendê-lo".
Os circos "Deus-tomara-que-não-chova", eram o máximo, onde o texto estava mais para comédia do que para um drama:
"Este pão que vós vai cumê é o meu corpo. Cumei-o. Este vinho que vós vai bebê é o meu sangue. Bebei-o".
Circos mais tradicionais como O Gran Circo Garcia e o Circo Nerino invariavelmente levantavam as suas lonas na Lagoa, e levavam espetáculos mais elaborados. Porém, sempre havia um senão. No Circo Garcia, durante uma das funções da "Paixão de Cristo", acho que ainda hoje alguém deve lembrar, uma briga feia entre Jesus, que andava enrabichado pela mulher de um dos centuriões, o qual sentindo-se injuriado aproveitou o ensejo para o flagelar de verdade, baixando o sarrafo sem dó nem piedade. O Cristo jogou a cruz ao chão e deu de garra de uma sete polegadas. Fechou-se o tempo.
A Paixão de Cristo de Nova Jerusalém sempre mexeu comigo. Cheguei a ensaiar um mês (ensaio de mesa) o papel de Caifás. Foi logo após a grande reformulação do espetáculo com a conseqüente redução de uma centena ou mais de papéis para apenas 20 ou 30 personagens fixos. O resto seria figuração. Pimentel que dirigia a Paixão à época se lembrou de mim e isto me envaideceu muito. Tive, no entanto, que pedir para sair em razão de estar envolvido na implementação de uma escola de línguas aqui no Recife. Era muita trabalheira, o que requeria a minha presença. Ainda hoje lastimo ter saído.
Sempre acreditei que teatro é bem melhor para quem faz do que para quem assiste. Existem histórias incríveis acontecidas nos bastidores e coxias dos teatros. Uma delas nas apresentações de Fazenda Nova. O caso eu conto tal como me foi relatado.
Tudo aconteceu no início da década de setenta.
Muito se falava sobre o desempenho de Clênio Wanderley no papel de Judas Iscariotes, o traidor que recebeu um mensalão de trinta moedas de prata. O enforcamento na figueira então, era o seu ponto alto. Clênio, um misto de dentista e ator/diretor era uma pessoa irascível ao dirigir uma peça e um doce de pessoa na convivência diária, apesar de forçar uma cara de Mefistófeles nordestino. Eu mesmo fui dirigido por ele em uma peça de Ariano Suassuna, "O Auto de João da Cruz", uma das minhas últimas incursões pelo teatro da Paraíba.
Clênio adorava quando descobria na platéia amigos ou conhecidos seus porque aí então ele se esmerava na interpretação. Certa noite, um dos ganchos do colete onde se prendia a corda para o enforcamento partiu-se, o laço saiu do prumo e o movimento brusco apertava-lhe cada vez mais o pescoço. Qualquer tentativa de se livrar e tomar o fôlego, a corda estreitava. Ele estrebuchava. O pessoal da técnica bem como o resto do elenco a tudo assistia, alguém até comentou: "Deve ter muita gente conhecida de Clênio assistindo porque ele hoje está se botando". Foi quando se deram conta do que realmente estava acontecendo. Ouviu-se um grito: "corre que o homem está morrendo." Rapidamente apagaram as luzes e correram a acudir o Judas.
O pobre do Clênio quase morre enforcado mesmo.
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4 comentários:
Fiz Pilatos durante três anos, num grande espetáculo também ao ar livre, diante do Teatro Santa Roza, aqui em João Pessoa. Tudo aquilo me remetia à infância, aos filmes "sacros" da juventude, tipo Ben-Hur, Manto Sagrado, Quo Vadis?, à grande religiosidade de meus pais. Você tem razão: são coisas que marcam muito. Como as programações com música clássica, nas emissoras. Nota cômica: meu pai era carpinteiro. Ouvia o Sermão das Sete Palavras pelo velho rádio Pilot, contrito, até que ouviu a frase "E José, humilde carpinteiro..." Meu pai esbravejou: "Humilde o que, padre burro!"
Solha
Hugo, nota dez para o artigo que acabo de ler nesta manhã quente aqui na Capital das Acácias. Hoje, aos 74 anos, aposentado como telegrafista dos Correios e Telégrafos, confesso que dava uma fugidinha do trabalho para assistir alguns momentos da Paixão de Cristo na Praça Pedro Américo. Quanto aos circos Nerino e Garcia, fui um assíduo frequentador.
Hugão: maravilha de relato! Só tenho a acrescentar que, o meu velho avô Cavalcanti, além do bacalhau, entregava também, um coco seco. Para os que preferissem comer o bacalhau ao leite de coco.
Teus "recuerdos", são um verdadeiro aperetivo, para o lançamento do ansiado livro!
Abraços
Guy Joseph
Enquanto voces falam de Circos Nerino e Garcia, que tambem conheci, instalados na Lagôa, onde posteriormente foi construida a malfadada e de triste memória "Churrascaria Bambú", não posso esquecer tambem o Circo Caramuru, que se instalava nas 5 Bôcas de Mandacarú, em João Pessoa-PB. Década de 1950. O Circo Caramuru não tinha coberta nem arquibancada e muito menos cadeiras. A gente ia assistir aos espetáculo levando bancos ou qualquer tipo de assento. No final tinha um drama intitulado "O Crime da Meia Noite". Vou dizer sem medo de errar: se aqueles artistas ou atores estivessem vivos, com certeza teriam trabalho no teatro, cinema ou televisão. Querem saber a origem do Circo Caramurú ? Distrito de Várzea Nova, Santa Rita-PB. Viva a arte, viva o circo, mesmo sem lona na coberta. Obrigado pela publicação. Antonio Veloso, ainda morando em Mandacaru e com saudades do "Circo Caramurú".
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