Lula, valendo-se de uma frase que disse em 2005 sobre o escândalo do mensalão para se referir agora ao indiciamento por corrupção ativa de Rosemary Noronha, sua ex-secretária, nomeada por ele chefe de gabinete da presidência da República em São Paulo e interrogada no último sábado pela Polícia Federal
Comentário
Ao se convencer que o Supremo Tribunal Federal seria duro com os réus do mensalão e despacharia para a cadeia cabeças coroadas do seu governo, Lula observou outro dia numa roda de amigos: "Não serão juízes que escreverão o último capítulo da minha biografia, mas o povo".
A memória coletiva é falha. Não costuma guardar frases longas.
Lula poderia ter dito algo do tipo: "A História me absolverá".
Foi
Fidel Castro quem disse em 1953 depois da tentativa malsucedida de
assaltar o quartel de Moncada na província de Santiago de Cuba.
Como advogado, e ótimo orador, fez questão de se defender no tribunal. Aí cometeu a frase.
Não sei se a História absolverá Fidel.
No
caso de Lula é ainda cedo para prever quem escreverá o último capítulo
de sua biografia. Só digo para não confiar muito no povo.
Em
1960, por exemplo, Jânio Quadros se elegeu presidente com uma votação
recorde. Renunciou com sete meses de governo. Imaginou voltar ao poder
nos braços do povo.
Desconfiado, o povo não se mexeu.
Na
véspera de tomar posse em 1985, o presidente Tancredo Neves baixou
hospital. Viveu apenas mais 39 dias para ser operado sete vezes.
Foi uma comoção.
Um ano depois, pouca gente ainda o citava.
Lula
só terá a chance de ver o povo escrever o último capítulo de sua
biografia se for de novo candidato a presidente. Do contrário, o
mensalão ficará para sempre como o desfecho de uma trajetória - toda ela
- excepcional.
Quem
diria que um fugitivo da miséria do Nordeste, um ex-torneiro mecânico
semianalfabeto, governaria o Brasil duas vezes? E elegeria seu sucessor?
Quem
diria que o partido dele, dono do discurso da ética e da honradez,
patrocinaria um dia o maior escândalo de corrupção da história recente
do país?
É
patética a reação de alguns dos condenados do PT às decisões tomadas
pelos ministros do Supremo. Sugerem que os ministros trocaram de lado se
unindo aos conservadores e reacionários.
Culpam a imprensa por isso. (Jamais em parte alguma vi uma imprensa tão poderosa...).
E incitam os chamados "movimentos sociais", movidos a dinheiro público, a promover o "julgamento do julgamento".
Voltaremos à época dos júris estudantis simulados? Se voltarmos estarei dentro!
Os mensaleiros foram sentenciados por uma larga maioria de ministros que Lula e Dilma escolheram.
A
imprensa é livre para defender seus pontos de vista, embora seja falsa a
ideia de que atua em bloco cobrando a condenação dos réus. Até porque a
maior fatia dela é chapa branca, sempre foi e sempre será.
Como não tem independência financeira não pode sequer fingir que tem independência editorial.
Por esperteza e sensatez, Lula aguarda em silêncio o fim do julgamento. Deveria se sentir obrigado a comentá-lo mais tarde.
Não
é possível que nada tenha a dizer sobre a condenação daquele a quem
chamou um dia de "o capitão do time" - José Dirceu. E sobre o pedido de
desculpas que ele próprio apresentou aos brasileiros quando se disse
traído e apunhalado pelas costas.
Admite que o Supremo identificou os traidores?
Se responder que não é porque sabe quem o traiu.
Que
tal aproveitar a ocasião e explicar o que o levou a avalizar para
cargos importantes do governo nomes indicados por Rosemary de Noronha,
secretária de Dirceu durante mais de 10 anos?
Ao
herdar Rosemary, Lula a promoveu a chefe de gabinete da presidência da
República no escritório de São Paulo. Sempre que viajava ao exterior,
Rosemary o acompanhava.
Pois
bem: na semana passada, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e
indiciou mais 12, acusadas de fraudarem pareceres em agências e órgãos
federais.
Acusada
de corrupção ativa, Rosemary faz parte do grupo, e mais dois irmãos que
ela empregou no governo. A nomeação de um deles foi recusada duas vezes
pelo Senado em dezembro de 2009.
Lula forçou a mão e no ano seguinte a nomeação foi votada pela terceira vez. Finalmente saiu.
Por que tanto empenho para atender um pedido de Rosemary?
Enganado de novo, Lula?
Sei.
Seja pelo menos original. Não fale em traição. Nem em apunhalamento pelas costas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário