domingo, setembro 30, 2012

Deu no Jornal

A União João Pessos, Paraíba - Domingo, 30 de setembro de 2012

Coluna de Agnaldo Almeida

Moacir Japiassu: a crítica bem-humorada da imprensa 

Japiassu: No Brasil, o diploma de jornalista é necessário, mas não deveria ser obrigatório
Setentão, descontraído e com passagem por alguns dos postos mais importantes do jornalismo brasileiro, o paraibano Moacir Japiassu não se incomoda com o tempo: se renova a cada ano e não perde a jovialidade, seja no texto que produz, seja na visão que tem do mundo. Prova disso é o seu “Jornal da ImprenÇa”, editado semanalmente. Com 50 de profissão, é jornalista, escritor e torcedor do Vasco. Trabalhou, entre outros, no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Cláudio Abramo. Também escreveu nove livros (dos quais três romances) e o mais recente é a seleção de crônicas intitulada “Carta a Uma Paixão Definitiva”. Pois é com ele, e bebendo de sua sabedoria, que a coluna Deu no Jornal conversa hoje. Enviei perguntas a Japiassu (com quem tenho mantido contatos permanentes) e ele respondeu com a maior brevidade. Vamos ao que diz Japi:

P - O seu perfil no “Jornal da Imprença” informa que você é paraibano. Você é pessoense? E quanto tempo morou na Paraíba?

R - Nasci em João Pessoa, na Rua da República, em 4 de julho de 1942. Há alguns anos passei a dizer e escrever que sou “sertanejo de João Pessoa”, tanta é minha identificação com os lugares por onde passei durante a infância.

P - Seu ingresso no jornalismo, até onde sei, se deu em Minas em 1962. Como foi que tudo começou?

R - Posso dizer, sem cometer nenhuma injustiça, que devo tudo ao meu pai, funcionário do Dnocs, um sertanejo nordestino, homem muito simples. Para ele, se alguém lia os livros da escola, tudo bem; mas se ficasse o dia inteiro a “perder tempo” com romances e livros de poesia, como fazia o filho... O velho implicava comigo, que, aos 19 anos, estudava muito, mas também passava as tardes na varanda de casa, em Belo Horizonte, a ler os bons autores. Muitos destes me eram apresentados por meu irmão, o jornalista e poeta Celso Japiassu, três anos  mais velho do que eu. Numa tarde em fins de 1961, o velho chegou aborrecido, me viu agarrado novamente com um livro e deu aquela bronca. Eu era um malandro, deveria procurar emprego, e isso aos gritos!!! Celso era jornalista, chefe de reportagem da edição mineira da Última Hora, estava em casa naquele instante e escutou a discussão, porque não fiquei calado e respondi indignado àquela injustiça paterna. Mais tarde, meu irmão me aconselhou: “Por que você, que gosta de ler e escrever, não tenta trabalhar em jornal? Uns amigos meus, Guy de Almeida e Dídimo Paiva à frente, estão a formar uma equipe, vão lançar um jornal”. O Correio de Minas deveria estar nas bancas em março do ano seguinte. Guy e Dídimo eram dois dos maiores jornalistas de Minas e do Brasil. Fui à sede do jornal ainda em construção, fiz um teste para repórter e me aprovaram. Começou o treinamento, e, no final de março de 1962, o Correio de Minas chegava às bancas. Eu lá estava, com matéria assinada, para orgulho da família. Meu pai achou o máximo...

P - Você ocupou cargos importantes na chamada grande imprensa. Conte um pouco dessa trajetória.

R - Na verdade, não foram tão importantes assim, porque jamais gostei de chefiar coisa alguma; sempre dei um jeito de recusar os convites que recebi no início da profissão. Por exemplo, no Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, onde trabalhei entre 1964 e 1967, o editor Murilo Felisberto recebeu uma proposta da Editora Abril, voltou para São Paulo e queria que eu ficasse no lugar dele. Respondi que não era a pessoa indicada, sugeri o nome de um jornalista competente e grande amigo, Samuel Dirceu, e eu mesmo viajei a Belo Horizonte para lhe fazer o convite em nome do Murilo. Samuel aceitou, e, com ele, tivemos um ótimo período na Pesquisa. Em 1967, José Itamar de Freitas me convidou para ser o chefe de Redação de uma revista que era ainda um projeto, a Enciclopédia Bloch; eu novamente tentei tirar o corpo fora, mas ele me disse algo que mudou minha vida daí em diante: “Se você, um jornalista honesto, recusa convite para ser chefe, pode acreditar que um filho da puta vai ocupar o cargo. E ligeirinho!” A vida me provou a verdade de tal assertiva... Chefiei algumas vezes, mais para evitar o filho da puta citado por Itamar, porém jamais gostei. Comandar jornalistas exige uma paciência que não tenho, infelizmente. Gosto de passar experiência, de ensinar o que aprendi, sempre me dei bem com os focas; mas a verdade é que quase ninguém aceita críticas. Por mais jovem que seja, o elemento se considera um gênio e isso transforma o relacionamento num inferno.

P - Além de jornalista, você é escritor com nove livros publicados. Li um (e gostei) ambientado na Paraíba dos anos 30. Fale deles.

R - Você se refere a Concerto para Paixão e Desatino, cujo cenário é a Paraíba, antes e durante a Revolução de 1930. Me deu enorme alegria escrevê-lo, pois o tema é de minha, digamos, extremada predileção. Transformei José Américo de Almeida, encantadora figura, em protagonista da história. Escrevi ainda os romances A Santa do Cabaré, cujo cenário é o Sertão no qual os cangaceiros “se astrevem”, e Quando Alegre Partiste, ambientado em Belo Horizonte e Rio de Janeiro nos idos de 1964. Permita-me sugerir que você e os seguidores de sua página aqui em A União leiam também esses dois romances, os quais foram muito bem recebidos pela crítica, como é possível conferir no Google. A Santa que dá título ao romance sertanejo é “filha” de um personagem muito conhecido dos paraibanos de minha geração, o “Doutor Meira”. Os outros livros são: Unidos pelo Vexame, novelinha juvenil; O Sapo que Engolia Ilusões, com “causos” nordestinos, principalmente paraibanos; Danado de Bom!, com receitas nordestinas, pois sou cozinheiro de razoável talento, modéstia à parte...; Jornal da ImprenÇa, com críticas bem-humoradas extraídas da coluna que publico há 25 anos e que nos últimos dez está abrigada no Portal Comunique-se (www.comunique-se.com.br). E, antes que me esqueça, devo assinalar também Os Presidenciáveis (perfis políticos), Editora Retour, 1983. Coube-me escrever o perfil de... Paulo Maluf!

P - Como surgiu o Jornal da ImprenÇa?

R - Eu estava na agência Denison Propaganda desde 1986, quando, no início do ano seguinte, recebi a visita de dois amigos, Paulo Markun e Dante Mattiussi. Vieram me apresentar o projeto de um jornal chamado Imprensa. Para viabilizá-lo, precisavam de anúncios, patrocínio, essas coisas. Como eu era diretor de comunicação da agência, os dois amigos pediam minha intercessão e assim procedi, com o maior prazer, diga-se. O projeto foi literalmente “adotado” pela Denison e entraram tantos anúncios que o jornal se transformou em revista. Então, Dante e Markun me convidaram para escrever uma seção de crítica bem-humorada à imprensa, seção intitulada Perdão, Leitores. Foi um sucesso. Todavia, ainda hoje, passados 25 anos, acho que o convite era apenas uma forma de bajular o diretor e conquistar novos anúncios...

P - E o considerado Janistraquis? É seu amigo do peito?

R - Janistraquis é amigo de infância, mas “nasceu para o jornalismo” numa coluna esportiva que mantive no Jornal da República, criado pelo Mino Carta em 1979 e que morreu aos sete meses de idade. Registre-se que esse primevo Janistraquis ainda não se importava com as graves questões jornalísticas; somente em 1987 o “caçador de besteiras” emergiu das cinzas do Jornal da República, na revista Imprensa, e ali inaugurei a coluna intitulada Perdão, Leitores, conforme contei acima.

P - Errar, todo mundo erra, mas por que o Português é tão maltratado na imprensa?

R - Credite-se o fenômeno à ignorância que grassa neste país a partir do Descobrimento. Creio que o único texto rigorosamente jornalístico e bem escrito daquele período em diante, até nossos dias, foi a Carta de Pero Vaz de Caminha... Você dirá que autores ilustres se valeram de jornais e revistas para publicar incontáveis obras de arte, mas note que me referi a textos “rigorosamente jornalísticos”, ou seja, notícias e reportagens.

P - Jornalismo: diploma sim ou diploma não?

R - Eu e muitíssimos de minha geração não temos diploma; nem de jornalismo nem de coisa alguma. Contudo, sou a favor de que a mocidade interessada na profissão procure fazer os cursos disponíveis, todos bastante sofríveis, infelizmente. Mas num país de analfabetismo tão, digamos, tsunâmico, qualquer estudo é benéfico, é necessário. O que  não admito é essa história de “diploma obrigatório”. Pessoalmente, tenho horror a tudo o que é obrigatório.

P - Qual a sua relação hoje com a Paraíba?

R - Relação de amor e saudade. Sou um canceriano, o passado me fascina. Lembro-me sempre da vida na Rua General Bento da Gama, na Torre, onde vivi de 1946 a 1956; os amigos de infância, os Serranos, que moravam na Marechal Deodoro: Valdir, Bito, Haroldo, Bom. E ainda passeia pela memória deste velho a carinha linda de Maria Ellen, a primeira de algumas paixões pela vida afora; era 1950, o vizinho embevecido tinha oito anos, assim como sua musa, e, recorde-se, também Beatriz, que foi o paraíso na vida de Dante Alighieri; e se o poeta jamais esqueceu aquela inocência, imagine o que não faria Maria Ellen ao coração de um menino de sua idade...

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