O 007 Lusitano e a A Tia Emma
Em aeroportos internacionais costumam acontecer mil coisas e você entra em contato com as pessoas mais diversas com seus dramas e suas alegrias.
Um belo dia, no calor de setembro de 1960, estava eu escalado no turno das 14 às 22hs quando um "gajo" fazendo caras e bocas, maior mistério, me aborda de maneira bastante estranha. Ostentava uma pose pernóstica, metido a besta, pedante, mania de grandeza, maneira de nos olhar de cima para baixo, do mais puro desdém.
- "Tenho lhe observado por mais de 30 dias e vejo que você é bem traquejado, desenvolto, fala bem o inglês, portanto merecedor da minha maior confiança, razão pela qual lhe faço uma proposta irrecusável."
- Que achas de ir até à Inglaterra apanhar uma encomenda e voltar? E de supetão: "pagarei o dobro do que recebes de salário por mês!"
- Coisa mais maluca era aquela, pensei com todos os botões da minha camisa? Pedi explicações!
- Naturalmente terás que ir nos teus dias de folga até o Rio de Janeiro. De lá embarcas em um avião da SAS com destino à Londres. No aeroporto, ao sair do aparelho deverás ostentar uma orquídea amarela na lapela que será o sinal para que encontres o teu contato. Ele, portando uma orquídea idêntica, virá te abraçar e dirá a "senha...”
- "Como vai a Tia Emma?”
- Tu responderás ...”bem, apesar do acidente sofrido."
Ele então te entregará duas caixas do tamanho exato de uma caixa de charutos que porás no bolso do sobretudo e com passagem já confirmada, voltarás em avião da TAP duas horas mais tarde fazendo uma escala em Lisboa, indo diretamente para São Paulo. De lá farás o itinerário de volta." Perguntei o que havia dentro das caixas mas ele desconversou. Não dei resposta definitiva, é claro. Ficou então de aparecer mais tarde no balcão para fecharmos o negócio.
Aquilo ficou, como diria anos mais tarde, "Zeca Diabo", "varrumando o meu miolo." Recebia de salário Cr$ 7.500,00 por trinta dias de trabalho e me aparecia a chance de receber o dobro em apenas dois dias...!
A maneira que encontrei de tirar toda aquela maluquice da cabeça foi contar tudo para o meu chefe de turma da Panair, pra todo mundo e mais alguém da companhia. À noite quando ele veio receber a minha resposta o pessoal da turma estava em peso no balcão, esperando. De longe o gajo entendeu e deu marcha a ré nos seus propósitos de me iniciar no florescente ramo do contrabando. Nunca fiquei sabendo qual o conteúdo das caixas. Alguém falou que deveriam ser agulhas para toca-discos da marca Shure muito requisitada à época.
Vez por outra, passados tantos anos, nos esbarramos pelos supermercados da vida. Ou nas farmácias, de Boa Viagem. Ele não me reconhece mais. Está bem mais velho, é claro. Mas ainda ostenta a mesma pose, a mesma mania de grandeza, a mesma maneira de nos olhar de cima para baixo no mais puro desdém. Deve pensar que ainda somos colônia. Parece não ter prosperado muito com o criminoso comércio. Não voltou, entretanto à "terrinha." Terá criado raízes aqui ou então, a PIDE - Policia Internacional de Defesa do Estado - o SNI de Portugal à época - o conhecia muito bem e vivia querendo lhe por as mãos. Preferiu ficar é claro, neste país, onde tudo quanto é criminoso de filme sempre termina, são e salvo, numa boa.
Qualquer semelhança.......
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