segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Bentinho


Delmar Fontoura.

Da janela do trem, que já se punha em movimento, Bentinho despedia-se de mim abanando arremedos de braços em cujas extremidades se percebia pontas com pequeninas unhas, que aparentava serem de artelhos menores de um pé infantil, embora fossem de um adolescente, ao mesmo tempo transbordava seu sorriso contagiante misturado às palavras de despedida ao dizer:

– Primo dá um beijo na Maninha, outro na Clô e um beijo bem grande na tia Quinota. Vou sentir muita saudade de vocês – falou com sua voz fina, embargada por evidente emoção, mas seguiu:

– Diz pra elas, que, quando voltar, venho tomar café com bolacha de marinheiro e contar sobre meu tratamento e as novidades da nossa "Boca do Monte".

Bentinho era mais angelical do que humano. Enfrentava a deformação, que a Talidomida lhe causara e outra complicação de saúde, deixando transparecer sua alegria e pureza de alma. Mas a Maria Fumaça e seus quatro vagões, que seriam companheiros inseparáveis da viagem, se afastavam, lentamente, misturando: o lamento abafado dos tchucs... tchucs... e o estalo da passagem das rodas sobre as junções dos trilhos ao sopro do vapor com seu cheiro característico de carvão de pedra queimado.

Ouviam-se os agudos piuíííí... piuíííí... misturados aos graves tchucs... tchucs... denunciando o esforço que a velha máquina fazia para ganhar velocidade e levar Bentinho já na boleia do último vagão. De lá, escancarando seu sorriso, ele abanava seus arremedos de braços ao mesmo tempo em que sumia na curva encoberto por uma bruma deixada pela fumaça... ...Já não se ouvia mais os tchucs... tchucs..., só o último e lamentoso piuííííí... do apito da velha Maria Fumaça como se quisesse despedir-se de mim com seu derradeiro adeus.

Bentinho? Nunca mais voltou!..

Não ouço mais nem tchucs... tchucs... nem Piuííííís...


http://jpfontoura.blogspot.com/

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Quanta emoção o texto transmite. Parabéns!Abraços. Márcia