sexta-feira, janeiro 13, 2012

REFÉM


Djanira Silva

A amiga Djanira Silva anda meio sumida. Vamos postar este seu belo texto na esperança de tê-la de volta. HC


Criança, quando chorava, mandavam-me engolir o choro. Dentro da alma um vale de lágrimas.

Cresci. Quando falava, mandavam-me engolir as palavras. Nem sempre podia dizer o que pensava, o que desejava, enfim, ninguém precisava saber das minhas dores e dos meus medos. Mais tarde, Exupéry me consolaria: “A linguagem é uma fonte de mal entendidos”. Palavras, palavras, testemunhas que nem sempre contam a história certa.

O tempo libertou-me de muitas cadeias. Envelheci carregando na alma um arquivo onde lágrimas e sons sufocados se rebelavam dentro de mim. Resolvi libertá-los. A voz que vigiava minhas lágrimas e freava minhas palavras, desaparecera. Agora, eu era dona de todas as minhas angústias e agonias. Na palavra escrita encontrei o caminho. Poderia até escrever chorando, as palavras que quisesse sem o comando daquela voz que me inibia.

Naquela manhã, ao traçar as primeiras palavras, lembrei-me, de uns antigos Cadernos de Caligrafia onde, entre duas linhas, as letras eram desenhadas. Começava-se embaixo levava-se o lápis até em cima e, com mão trêmula e inábil, garatujas informes iam aparecendo. Prisioneiras das linhas, ali ficavam. Também, das cadeias desses cadernos, me libertei. Cadeias que limitavam meus espaços e os movimentos da minha mão. Nunca as idéias.

Tenho diante de mim um papel sem linhas. Vazio, sem juízo. As palavras dançam sobre ele num bailado louco, ora para cima, ora para baixo, para um lado, para o outro. Idéias revoltadas, agitadoras tramando atentados.
Já não preciso engolir lágrimas, nem palavras, nem ordens de ninguém. Tenho vontade de rir. Rir muito. Rir de mim, dos meus enganos, das minhas ilusões. Rir dessa falsa libertação que me entregou um espaço vazio deixando-me atônita sem saber o que fazer com ele. Este espaço não é meu. Recebo um mundo arrumado por outras mãos, mãos que se foram sem me ensinar os segredos das paralelas, das folhas em branco, das portas e das janelas quebradas onde as cortinas tremulam feito velhas bandeiras.

Nos meus pesadelos algumas vezes escuto o antigo comando: engula o silêncio, engula a solidão.

Deixo os pensamentos escaparem como condenados que se embrenham pelo mundo em busca de liberdade.

E de repente, a palavra me chega, louca ou quase louca ou qualquer coisa assim meio parecida com gente. Altos e baixos, silêncios prolongados, conversas compridas. Já não tenho forças para dominá-la. Esbarra nas paredes, nas portas nas janelas. Nas portas fechadas escreve silêncios. Nas abertas vigia o desconhecido. Pelas janelas escorrega e se mistura às mazelas do mundo.
Quando tento pronunciá-la ninguém ouve, se acaso ouve não consegue entender.

Quanta ironia, soltei a palavra e dela me tornei refém.

Um comentário:

Ana Arnaud disse...

Só posso dizer: Lindo! Maravilhoso! Não existe palavra que revele o que sinto ao ler os textos de Djanira. Sõu fanzoca! Amo!