quinta-feira, janeiro 05, 2012

E EU DE NADA SABIA SOBRE ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA

W. J. Solha

Foi necessária uma conjura mineira
pra que eu viesse a ter alguma noção acerca dessa mulher! Nem a dedicatória estranha, no Grande Sertão: Veredas – A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro – (Pertence?), me levou a me perguntar sobre ela, nem o símbolo que encerra o romance, o do infinito, a lemniscata ou laço de Moebius (Claro que GR não se referia ao astrônomo e matemático August Ferdinand Moebius):

Conjura mineira.

O escritor mineiro, meu amigo Hugo Almeida, fez a orelha do romance do mineiro Eustáquio Gomes – O Vale de Solombra - , que saiu agora pela Geração Editorial, que pertence ao escritor, também mineiro, Luiz Fernando Emediato, onde, nas páginas 21 e 22, se lê que no consulado brasileiro de Hamburgo o vice-cônsul mineiro - João Guimarães Rosa (depois “escritor traduzido e celebrado”) – facilitava a fuga de judeus para o Brasil, inclusive lhes oferecendo vistos e passaportes, estes sem a “estrela de Davi” e o “J” vermelho. Lê-se, também, que isso na verdade não era iniciativa dele, mas de sua companheira, a paranaense Aracy Moebius - chefe da seção de passaportes do consulado - que liberava tudo em prazos recordes, sendo conhecida, nos círculos judaicos, como “o anjo de Hamburgo”.


Ficção do Eustáquio?

Não. Eis a pedra com o nome de Schindler no Jardim dos Justos, de Jerusalém:


E eis Aracy Moebius Carvalho Guimarães Rosa, em 1985, ante a rocha que tem o nome dela, ali perto, mais o diploma do Museu do Holocausto que justifica a honraria:


Conta a Concise Encyclopedia of the Holocaust, que nem a Kristallnacht - Noite dos Cristais, de 09/11/1938 - , em que os nazistas destruíram sinagogas, residências, e estabelecimentos comerciais de judeus na Alemanha e na Áustria, dando início ao que seria a chamada de “solução final”, nem a ordem do Itamarati – então pró-Hitler – que, na Circular Secreta Nº 1.127, de Getúlio, determinava que não se mandassem hebreus pro Brasil, fizeram com que essa Aracy parasse. Metia os vistos no meio da papelada que o cônsul-geral – coisa bem de brasileiro - assinava sem ler, e chegava a esconder seus protegidos em casa, para, depois, transportá-los no porta-malas do carro do consulado, um Opel Olympia alemão.

O casal Aracy/Guimarães Rosa foi obrig
ado a voltar para o Brasil em 1942, quando o virandum, numa virada de casaca muito misteriosa, declarou guerra ao Deutschland über Alles.

Bem. Na foto acima, Aracy está com 77 anos. Como era aos 30, em 1938? Assim:

Essa bela filha de português com alemã separara-se do primeiro marido, alemão, em 1934, e se mandara com o filho Eduardo Tess para a terra do Führer, onde se empregou no consulado brasileiro de Hamburgo, cujo cônsul adjunto era o jovem João Guimarães Rosa, que também vinha de um casamento arruinado. Amaram-se, casaram-se no México, viveram juntos até a morte do escritor em 1967, aos 59 anos. Mas, voltando à dedicatória no Grande Sertão: Veredas. Olha que pergunta cavilosa:

por qué Guimaraes le dedicó ese libro, de 1956, y no los precedentes, como Sagarana, de 1946? La historia de Grande Sertao…, recreada por la memoria caprichosa de Riobaldo, quien va recomponiendo su amor por otro hombre -que se revelará un travesti masculino-, tiene una parte de desobediencia, un juego entre la rebeldía y la aparente aceptación, que podría contener algo de Aracy, la mujer que supo desafiar el orden y las órdenes de su tiempo.


Claro. Ela não deu a mínima pros nazistas, pro Estado Novo, nem pra nossa ditadura pós-64, quando, por exemplo, um ano após a morte de Guimarães Rosa, escondeu em seu apartamento, no Arpoador, ninguém menos do que o paraibano Geraldo Vandré, perseguido por causa da canção “Pra não dizer não falei das flores”.

Mas parece que Guimarães Rosa foi além.

Esta era a judia alemã Maria Margaret
he Bertel Levy.

De pais ricos e liberais, falava sete linguas e viajava muito. Até Hitler chegar ao poder. Aí, com a ajuda de Aracy Moebius, ela e seu marido Hugo partiram da Alemanha no navio Cap Ancona e chegaram ao Brasil com a fortuna intacta. Uma brasileira, católica, a outra alemã, judia, as duas, belíssimas, iniciaram ali uma amizade que se prolongaria no Rio até o fim de suas longas vidas.

Na entrevista que deu à repórter Eliane Brum, da Revista Época, já no fim da vida, Margarethe disse:

Entre mim e Aracy foi um golpe de amor
. Só que entre duas mulheres.


Eu era sexy.


E Aracy?


Linda, provocante, um corpo maravilhoso.


"Quando uma ficava doente – conta a reportagem - , a outra também ficava. Parecia que sentiam as mesmas coisas. Em 2003 as duas caíram, uma em casa, outra na rua, e acabaram ficando de cama até o final." Enquanto Margarethe morria no hospital, a respiração de Aracy Moebius, em casa, começava a falhar. Maria Margarethe Bertel Levy morreu em 21 de fevereiro de 2011– e Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa em 3 de março. Ambas com 102 anos.

3 comentários:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Que matéria formidável! Grandiosa oportunidade de aprender cada vez mais. Parabéns!!! Abraço. Márcia

zilmar gustavo disse...

fantástico. Um detalhe importante: o aniversário de Aracy - 20 de abril - também o meu - e infelizmente o de Hitler...parabéns pelo blog.

Anônimo disse...

Já postei tanta coisa sempre que encontro algo sobre Araci... Mas ainda é pouco, muito pouco: gostaria que o Anjo de Hamburgo nunca fosse esquecido. Se sou judeu? Talvez descendente, como alguns Rocha nordestinos. Se sou leitor de Guimarães Rosa? Qual o bom leitor que não o é? Valdetário Ferreira Rocha valdtr@ig.com.br