quinta-feira, novembro 10, 2011

O CORONEL CHICO INÁCIO



Hugo Caldas


O engenho era lá pras bandas do município de Espírito Santo, no brejo paraibano. Coronel Chico Inácio, o seu nome. Pode até parecer personagem de música sertaneja, mas ele realmente existiu. Chegava a ser meu contraparente. Um de seus filhos estava de casamento acertado com uma irmã do meu pai. O casamento foi realmente efetivado algum tempo depois dos sucessos aqui relatados.

Contam-se inúmeras histórias sobre a controvertida figura. O Coronel era um brutamontes, mas tentava ser gentil à sua maneira, evidentemente. No dia aprazado para a festa do noivado da sua filha, meu pai, um garotão mal saído dos cueiros, chegou atrasado à casa grande e quase foi impedido de entrar confundido que foi com algum penetra das redondezas. Negociações, idas e vindas, finalmente, chega o coronel que, satisfeito com as respostas do jovem, saiu-se com essa:

- "Então, é irmão da moça? Entre, não dê bom-dia, a casa é sua!”

De uma feita, um dos seus moradores veio até a casa grande, humildemente pedir ao "coroné" que o ajudasse a comprar uma galinha na feira, pois a sua mulher estava parida e a parteira havia receitado uma canjinha para recobrar as forças. Nesse instante, toda a sabedoria do coronel, mesclada com a maior das ironias, veio à tona. Sentindo-se meio injuriado com essa conversa de canja de galinha pra mulher de morador, berrou lá pra dentro da casa:

- Etelvina, o que é que tu come quando tá parida?

- Jenipapo, Chiquin, foi a resposta imediata.

- Tá vendo? A mulher do Coroné Chico Inácio come jenipapo quando está nos seus resguardos. O que é que a sua tem de melhor para ter de comer canja de galinha? Que conversa é essa?! E acrescentou...

- Tá vendo àquele pé de jenipapo ali perto da porteira? Pois bem, vá lá pegue um dos que estão no chão, só um, e leve pra sua mulher. Ela que não pense que é melhor do que a minha... mas olhe, é emprestado, viu?! Qualquer dia você vem aqui e me dá de volta outro jenipapo. Negócio de homem.

O morador, que jeito, teve que se contentar com essa malsinada solução e se encaminhou até a entrada do engenho. Apanhou um, só um e se preparou para abrir a porteira quando ouviu o coronel chamando-o de volta. Prestimoso, voltou, jenipapo na mão.

- Mas rapaz, tu já viesse pagar o jenipapo que eu te emprestei?

- Você é realmente uma pessoa por demais honesta e isso conta muito ponto comigo. Pode deixar o jenipapo aí mesmo no chão e não precisa agradecer. A patroa deve de estar passando bem, espero!

De outra vez ele foi contra as forças dos Elementos e da Religião:

Conta-se que havia chovido demais no sertão. Certa manhã o coronel foi acordado pelos empregados do engenho que davam conta estar o Rio Paraíba enfurecido, vinha comendo um galo, arrasando tudo que encontrava pelo caminho, cheio e forte que nem um castigo.

De imediato, Coronel Chico Inácio tomou suas providências. Havia em terras do engenho uma pequena capela consagrada à São Benedito. Anos fechada. Deu ordens expressas para que a casa de Deus fosse devidamente aberta e passasse por uma limpeza em regra. Um padre foi contratado na capital. Missas e novenas foram rezadas durante uns quinze dias. Para enfrentar o rio, tudo feito de acordo com o figurino da santa madre igreja.

Uma bela manhã, ao acordar, oh decepção, oh dor! Só restavam uns catoquinhos de cana na outrora verdejante plantação. Prejuízo total. O rio levara tudo.

Decidido, o coronel dor lancinante no peito, mastiga a ponta de charuto na boca e se dirige à capela. Com um vigoroso pontapé abre de par em par as portas. Morcegos voavam desencontrados pela nave.

Encara o Santo Padroeiro...

- Negro safado! Então é assim que você me paga pelo que eu gastei botando ordem na sua casa? E o padre, e as missas, as novenas, de nada valeram? Cheio de ódio, exorta os morcegos...

- "Caga morcego, faz tulha na cabeça desse corno!"

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Hugo,

É ser bem mercenário, não?E como eram!!!! Abraço. Márcia