quarta-feira, outubro 19, 2011

O perigo da inteligência

José Virgolino de Alencar

Estou recolocando este artigo, escrito em 2007, primeiro por ser um tema atual e segundo porque o Brasil e a Paraíba nunca precisaram tanto dos homens de inteligência que, com essa arma letal que a palavra, conseguem abalar as estruturas do autoritarismo, da prepotência, da arrogância, do personalismo, da apropriação indébita da verdade, tudo isso tão em voga no país, como em nossa pequena e sofrida Paraíba.

Do eterno girar do tempo e dos seculares conflitos entre os poderosos e as sociedades humanas, são incontáveis os exemplos de que a inteligência é um perigo, de que o talento causa susto aos títeres e aos incompetentes e despreparados que detêm o mando, seja o econômico, seja o político. A ascensão ao poder e a conquista de riquezas são fatos que, com raríssimas exceções, ocorrem com personagens medíocres, pouco familiarizados com o saber culto, mas sabidos (não sábios) nessa artimanha de dominar a cena, monopolizando o comando político e a propriedade dos bens de produção.

Apesar do poder e da riqueza, tais personagens são inseguros e medrosos diante da inteligência, do talento e da competência. Vivem assustados ante a possibilidade de ver seus alicerces de poder e de força econômica minados pela letalidade da palavra dos sábios, que costuma ter efeito de canhão quando mirada na direção da mediocridade do poderoso.

Quando Winston Churchill, ainda jovem, fez seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, ao terminar, perguntou a um parlamentar mais antigo o que ele achara do pronunciamento. O experiente membro da Câmara inglesa põe a mão no ombro de Churchill e dispara: “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável! Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta”.

A lição dada a Churchill pela velha raposa do parlamento britânico, mesmo com um certo quê de ironia, de certo modo traduz uma verdade observada em todas as épocas da evolução da humanidade, com muitos episódios em que o talento assustou até os impérios e seus Kaisers, sendo inúmeros os casos em que reinados caíram sem guerra armada, mas derrubados pela palavra de pensadores talentosos e corajosos. Como também a história registra fatos de perseguição, degredação, exílio e aniquilamento de homens inteligentes que desafiaram o poder, quando este, infelizmente, dispunha de armas e força física invencíveis.

Mesmo vencido, o talento incomoda, quando expõe uma verdade crua fustigando os poderosos. Rui Barbosa é um exemplo de brasileiro talentoso, ousado, que incomodou o império e a velha república com sua palavra de fina ferinidade. Vejam esse epigrama/trova do velho Rui, espicaçando ironicamente a burrice: “Ha tantos burros mandando/em homens de inteligência,/que, às vezes, fico pensando/que a burrice é uma Ciência”. Pela obstinação e capacidade que têm os burros de conquistarem poder e riqueza, é de concluir-se que a burrice tem uma qualidade oculta a desafiar a ciência, a psicologia, a sociologia, enfim, o conhecimento mais remoto do ser humano. O burro não vai ter, por isso, reconhecida qualquer competência, mas ter-se-á uma explicação para o fenômeno, estranho, misterioso.

Acho que, mesmo em sendo um trocadilho definindo o paradoxo entre o medíocre e o competente, “o burro é sagaz para ganhar dinheiro; o inteligente é inapetente para conseguí-lo”. O filósofo André Comte-Sponville diz que “há gênios infelizes e há imbecis felizes”. Contudo, é de se notar que a infelicidade do gênio não é nenhuma frustração, mas pura lamentação pelo domínio da burrice. A felicidade do imbecil é mera alienação, felicidade esta que geralmente é estragada pelas estocadas dos sábios, com suas certeiras flechas do saber.

De forma refinadamente bem-humorada, Nelson Rodrigues também ironiza o medo do poderoso burro diante do talento, afirmando: “Finge-te de idiota, e terás o céu e a terra”. A sutileza de Nelson Rodrigues ensina que se o talento meter-se a besta, o burro pode destruí-lo. Então, para sair-se bem e não ser incômodo, o talento deve fingir-se de idiota.

Disso tudo, se conclui:

O talento é um perigo!

Escrito em setembro de 2007

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