quarta-feira, outubro 19, 2011

COMENTÁRIOS SOBRE O ROMANCE "ARKÁDITCH", DE W.J. SOLHA

Meu caro Solha,

Terminei (não sem percalços domésticos - a casa está parcialmente em obras) a leitura de seu livro. Pesou-me terminá-lo, pois estava gostando muito do enredo, embora te confesse que as últimas páginas me deixaram um tanto desnorteado. Tive que ler duas vezes a explicação final do Arkáditch, que me fez lembrar aqueles finais de filme em que o bandido está apontando a arma para o herói indefeso, mas, antes de matá-lo, esclarece os seus motivos... e dá ensejo à chegada da polícia. Impressão geral: você escreveu um belo romance policial cult, o que não é pouco pois se trata de gênero difícil, mormente considerando que vc introduziu nele a técnica do script cinematográfico, o que permite a visualização imediata das cenas e esconde, com o recurso dos cortes, o desenvolvimento linear da ação. Não é o seu melhor livro, reconheço; o Relato de Prócula continua alguns furos acima e muito próximo da obra-prima que todos nós seus amigos esperamos de você. Mas ele é certamente muito melhor do que o romance do José Castello, que acaba de ganhar o Jabuti. Gostei de sua explicitude na descrição de momentos escatológicos, como o vômito e a diarreia do velho Né. São chocantes, como penso que você quisesse que fossem.

A onipresente Marion não me seduziu muito, talvez por eu me ter fixado na Drica (celista) para a qual eu esperava uma atuação mais destacada, embora sua promoção a mãe cinematográfica tenha restaurado, de certa forma, o segundo plano em que era mantida. Você disse que o Esdras aconselhou-o a cortar "parte dos seus excessos". Eu teria tirado duas coisas, dois trechos: a piada do bolo pin-up da p. 12 (que só funciona em filmes americanos) e todo o episódio do Alisando Cresce (112), que me parece de mau-gosto, mas confesso-lhe não se trata de falso puritanismo meu; simplesmente me parece que ele "destoa" do resto do livro. Por outro lado, cenas como a da praia (102) são dos melhores momentos que tenho visto na atual prosa brasileira: bem escrito, visual e virtual ao mesmo tempo, com palavras que parecerem pertencer a uma restrita coleção de sons inusitados embora familiares e diuturnos. Ao longo do livro, achei outros instantes semelhantes, o que prova seu domínio absoluto da arte de escrever, com as necessárias pinceladas do artista plático que vc é, conjugadas com os flashes cinemetográficos do grande ator-diretor- roterista que habita e attua em você.

No entanto, como conheço você de outros compêndios, é possível que, apesar de todas as coisas positivas que disse a respeito dele, você ache que eu não tenha gostado de seu livro, que não o tenha aprovadointeiramente. Seria falso; gostei sim, não amei-o, não o incensei, mas reconheço sinceramente que é um texto de grande alcance, repleto de ideias e discussões eruditas, coisa hoje rara ou em extinção na literatura brasilera.
Abraços gratos do seu Ivo Barroso

Waldemar Jose Solha para Ivo

Ivo, agradeço-lhe muito sua leitura especial do Arkáditch. Seu comentário não me deu aquela tristeza típica de quem já fez algo considerado melhor, porque na verdade Arkáditch é de fatura anterior ao Relato de Prócula.Mas se me fazem a pergunta habitual - de qual desses romances você gosta mais? - digo que são filhos com suas semelhanças genéticas, diferenças individuais. Relato puxa pro clássico. Arkáditch, pro barroco. Os autores costumam dizer que seus personagens tomam os freios nos dentes e fazem coisas que não deveriam. É verdade. A cena do Alisando Cresce, por exemplo - farsesca, grotesca - é homenagem que faço a um dos grandes conhecedores do interior paraibano - José Cavalcanti, que a contou num dos seus vinte livros sobre a verve do nosso matuto, tipo Piadas e Potocas, Casca e Nó, Sem Peia e Sem Cabresto, etc. Como não costumo censurar o que meus personagens fazem, lá se foi a cena pro papel. Sua inserção na passeata pelo Impeachment de Collor, deve-se à sua premonição incrível da vinda de Lula.
Acredito que não há nada mais difícil de se fazer do que um romance. Talvez, apenas, um poema longo. Chega-se num ponto, na sua realização, em que o impasse do autor é total. Eu estaria perdido, no Relato, se não fosse a ajuda de amigos como você, Esdras, Hugo Almeida, Carlos Trigueiro e Paulo Bentancur. Mas o Relato, pelo menos, saiu de uma "empeleita" só - como se diz por aqui. O Arkáditch teve quase tantas idas e vindas quanto o poema longo Trigal com Corvos e quanto as que estou sofrendo, agora, com o Marco do Mundo. Mas o show tem de continuar. Obrigado, grande Ivo.

Caro Solha. Seu livro Arkáditch causou-me uma funda impressão. Tenho certeza de estar diante de um grande romancista brasileiro. Não estou ao corrente do que se edita hoje de literatura nacional, mas o pouco que conheço passa muito longe dos seus dois romances que li, inteiros, acabados, maduros e de ótima fatura. O engraçado é que, neste último, comecei achando que v. inventara uma espécie de super-Macondo, porque a João Pessoa em que nasci e vivi minha infância e adolescência está a alguns anos-luz da cidade trepidante que v. descreve. Na última vez que aí estive, há uns cinco anos, fiquei tonto, perdido numa cidade desconhecida, tentando desentranhar dela minha velha e bucólica cidade. Voltei combalido, com a sensação estranha de ter sido desterrado. Fosse eu um escritor, certamente tiraria daí um belo romance. Como não sou, vão aí essas ligeiras impressões, com meu abraço. Carlos Mello

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