segunda-feira, outubro 24, 2011

O MOMENTO PREGNANTE DA DEMOCRACIA


W. J. Solha

Momento pregnante, em artes plásticas, é aquele “fotograma” pelo qual se compreende ou subentendeos que lhe vêm antes e depois. Neste quadro de Caravaggio, por exemplo,vê-se que o anjo detém- com a destra - a mão de Abraão, na hora exata em que ele vai sacrificar o filho Isaque, enquanto com a esquerda aponta para o cordeiro que deverá ser imolado em lugar do rapaz.


Por que “da Democracia”? Lembro-me de que tomava lição de História Geral de meu filho ainda menino, quando ele aindaestudava no Pio X , tempo da Ditadura, e vi malícia, no livro dele, no ponto em que se ensinava que democracia plena somente fora possível em Atenas, porque, lá, todo mundo – sem terceirizar a opinião – opinava sobre todos os problemas e projetos da cidade-estado na praça pública – a famosa Ágora. Entretanto Agora – sem o acento – isso era impossível, pois a Pólis se transformara em Metrópole, que – por sua vez - pertencia a um estado, que – por sua vez - fazia parte de um país. Daí a série de “atravessadores”: vereadores, deputados estaduais, federais, senadores.

Mas eis que Marshall McLuhan, ante o futuro que vislumbrou nas inovações tecnológicas, principalmente nos meios de comunicação, cunhou, nos anos 60, a expressão que nos remeteria diretamente àquela Ágora de Atenas:


E o tempo confirmou que de fato surgia um fato novo – ou uma série deles – nesse sentido.





Resultado:



O MOMENTO PREGNANTE!

A coisa surgiu como um estouro da manada, meio louco, contra tudo que aí está, produzido pela classe dominante. A coisa surgiu fora do cânone que dizia Primeiro a Ideia – ou “No Princípio Era o Verbo” - , depois a luta para concretizá-la. Sem assemelhados aMarx, Lênin, Mao, Trotsky, Ho, Fidel, Guevara, Stálin, Allende -praticamente acéfalo - o movimento irrompe agora nos Estados Unidos, com o grito de “Ocupe Wall Street”,depois de se constatar que Barak Obama (ou qualquer outro político tradicional, mesmo que negro ou de saia ) não resolveu, não resolve, nem resolverá coisa alguma. E a História prossegue, no rastilho do facebook, alastrando-se por toda a Terra.


Dá vontade de declamar Brecht!

Sobre "ARKÁDITCH"

Astier Basílio

Solha,
terminei de ler o livro após as duas da manhã.
Há uma série de coisas a comentar. Uma delas: a cena de seu Né perdido na Lagoa é de uma beleza digna de Faulkner. O velho decrépito me lembrou dos idosos trágicos de Philip Roth - qdo Zé Medeiros limpa o velho, vc quase reencena um trecho de "Patrimônio", obra de não ficção de Roth, sobre os últimos dias do velho. Nem preciso esclarecer isso. Você já sabe tudo.
Belo romance.
Grande abraço

Arnold Sôlha

Meu caro primo Waldemar:
A conclusão não poderia ser outra: seu livro-romance é ótimo. Li-o numa arrancada só. Você, por sem dúvida, nasceu premiado. É um artista na acepção mais ampla do vocábulo.

Sérgio de Castro Pinto

Mas o melhor que eu posso dizer a respeito de Solha é que leio os seus romances. E isso, para mim, não é pouco, pois se fui um leitor voraz de ficção, tal gênero já não me atrai tanto quanto antes, pois falta aos atuais ficcionistas brasileiros, de um modo geral, o que Ribeiro Couto observou a propósito de Manuel Bandeira: “O morro do Curvelo, em seu devido tempo, trouxe-vos aquilo que a leitura dos grandes livros da humanidade não pode substituir: a rua”. E em Solha, como no recém-lançado “Arkáditch”, existem as ruas de João Pessoa, que ele as transforma, feericamente, em ruas do mundo, na medida em que as universaliza pelo poder da linguagem.

Carlos Cordeiro de Mello

Caro Solha,
Seu livro Arkáditch causou-me uma funda impressão. Tenho certeza de estar diante de um grande romancista brasileiro. Não estou ao corrente do que se edita hoje de literatura nacional, mas o pouco que conheço passa muito longe dos seus dois romances que li, inteiros, acabados, maduros e de ótima fatura. O engraçado é que, neste último, comecei achando que v. inventara uma espécie de super-Macondo, porque a João Pessoa em que nasci e vivi minha infância e adolescência está a alguns anos-luz da cidade trepidante que v. descreve. Na última vez que aí estive, há uns cinco anos, fiquei tonto, perdido numa cidade desconhecida, tentando desentranhar dela minha velha e bucólica cidade. Voltei combalido, com a sensação estranha de ter sido desterrado. Fosse eu um escritor, certamente tiraria daí um belo romance. Como não sou, vão aí essas ligeiras impressões, com meu abraço Carlos

Caio Porfírio Carneiro

Caro Solha,
Recebi o seu livro. O texto é de uma envolvência artística completa: da reportagem ao romance, da crônica ao teatro, da poesia ao cinema. É Arte totalizante. Tudo dela vem a relevo. O livro merece um ensaio, mais que um artigo. Parabéns e obrigado pelo presente.


IVO BARROSO

Meu caro Solha,
terminei (não sem percalços domésticos - a casa está parcialmente em obras) a leitura de seu livro. Pesou-me terminá-lo, pois estava gostando muito do enredo, embora te confesse que as últimas páginas me deixaram um tanto desnorteado. Tive que ler duas vezes a explicação final do Arkáditch, que me fez lembrar aqueles finais de filme em que o bandido está apontando a arma para o herói indefeso, mas, antes de matá-lo, esclarece os seus motivos... e dá ensejo à chegada da polícia. Impressão geral: você escreveu um belo romance policial cult, o que não é pouco pois se trata de gênero difícil, mormente considerando que vc introduziu nele a técnica do script cinematográfico, o que permite a visualização imediata das cenas e esconde, com o recurso dos cortes, o desenvolvimento linear da ação. Não é o seu melhor livro, reconheço; o Relato de Prócula continua alguns furos acima e muito próximo da obra-prima que todos nós seus amigos esperamos de você. Mas ele é certamente muito melhor do que o romance do José Castello, que acaba de ganhar o Jabuti. Gostei de sua explicitude na descrição de momentos escatológicos, como o vômito e a diarreia do velho Né. São chocantes, como penso que você quisesse que fossem. A onipresente Marion não me seduziu muito, talvez por eu me ter fixado na Drica (celista) para a qual eu esperava uma atuação mais destacada, embora sua promoção a mãe cinematográfica tenha restaurado, de certa forma, o segundo plano em que era mantida. Você disse que o Esdras aconselhou-o a cortar "parte dos seus excessos". Eu teria tirado duas coisas, dois trechos: a piada do bolo pin-up da p. 12 (que só funciona em filmes americanos) e todo o episódio do Alisando Cresce (112), que me parece de mau-gosto, mas confesso-lhe não se trata de falso puritanismo meu; simplesmente me parece que ele "destoa" do resto do livro. Por outro lado, cenas como a da praia (102) são dos melhores momentos que tenho visto na atual prosa brasileira: bem escrito, visual e virtual ao mesmo tempo, com palavras que parecerem pertencer a uma restrita coleção de sons inusitados embora familiares e diuturnos. Ao longo do livro, achei outros instantes semelhantes, o que prova seu domínio absoluto da arte de escrever, com as necessárias pinceladas do artista plático que vc é, conjugadas com os flashes cinematográficos do grande ator-diretor- roteirista que habita e atua em você.
No entanto, como conheço você de outros compêndios, é possível que, apesar de todas as coisas positivas que disse a respeito dele, você ache que eu não tenha gostado de seu livro, que não o tenha aprovado inteiramente. Seria falso; gostei sim, não amei-o, não o incensei, mas reconheço sinceramente que é um texto de grande alcance, repleto de ideias e discussões eruditas, coisa hoje rara ou em extinção na literatura brasileira.

Clemente Rosas

Solha:
Concordo com todas as observações do seu amigo Ivo Barroso, elogiosas ou restritivas, e acrescento algumas minhas, do último tipo: me pareceram fora de propósito as descrições detalhadas do Zé Medeiros urinando e da Drica examinando-se no banheiro, em posturas "ginecológicas". E o final me pareceu brusco e indefinido.
Desculpe-me se tomo com reserva a história de vida "independente dos personagens". Mas, se for assim mesmo, acho que caberia ao autor policiá-los, trazê-los para o leito principal do relato. Acho que o romance, como qualquer obra de arte, deve ser planejado. O pintor, quando pega o pincel, já sabe o que vai representar. Ou não?
Para encerrar: não sei se a concepção do livro como um "mix" de policial, conto farsesco, ficção intimista e romance social, resultou em seu favor. Endosso a observação dos seus colegas sobre os "excessos de pretensão". Talvez seja uma questão de gosto pessoal. Gosto de histórias mais simples, contadas diretamente, com um recado explícito. Dou-lhe dois exemplos de romances recentes que li e apreciei, nessa linha: "Leite Derramado" (o único de Chico Buarque que li, pois não valorizo a literatura intimista-pessimista de que desconfiei nos livros anteriores dele), uma comovente história de decadência, como "O Leopardo", de Lampedusa, e "Eu Vos Abraço, Milhões", de Moacyr Scliar, a saga de um esquerdista sonhador em confronto com a realidade, nos primeiros anos do século passado.
Vejo que o que agradou nosso amigo Sérgio de Castro Pinto foi também o aspecto que ressaltei: a inserção da história nas ruas da nossa cidade, fazendo-a mais viva e próxima de nós.
Enfim, já que o livro não vai ser exposto à venda, fique sabendo, pelo menos, que v. tem leitores diferenciados: daqueles que leem e analisam, para ilustrar-se e enriquecer-se. E que a leitura os prendeu, a todos, o que já é importante.

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