Hugo Caldas
Desde o feriado da quarta-feira, uma semana após os meus netos atravessarem o Atlântico de volta para casa na França, que tento escrever esse texto. Está difícil. As palavras teimam em não dar o ar da graça. Parece greve. Por outro lado, descubro que o coração ainda aperta.
Dois meses que passaram voando. Pode quem quiser me chamar de piegas, Vô Bestalhão, mas é assim que eu me sinto. A cabeça um tanto zonza, haja Captopril. É bem verdade que eles não estavam sempre aqui conosco, mas quando estavam, a casa vivia a algazarra de uma festa. Após a partida me parece absolutamente vazia. Um silêncio ensurdecedor. Revivo agora os bons momentos, desde a chegada meio acanhada e tímida até a explosão, de beijos, abraços, e as mais diversas expressões de afeto, em que se tornou a nossa convivência. Faz-me muito bem relembrar.
Pedro Bloch médico e dramaturgo, "As Mãos de Eurídice", "Morre Um Gato Na China", "Dona Xepa", "Esta Noite Choveu Prata", "Os Inimigos Não Mandam Flores", manteve por muitos anos uma coluna na revista Manchete com o seguinte título: "Criança Diz Cada Uma". A maioria das histórias colhidas em seu consultório médico.
Pois é, as minhas crianças também dizem cada uma!
A "Fogueirinha D'água"
Por detrás do antigo prédio do Grande Hotel existe uma velha igreja. Na frente do templo uma acolhedora praça com uma pequena fonte. É a denominada Praça 17. Eis que certo domingo saímos a passear num velho volks, "Pé de Boi". Trajano com 3 ou 4 anos de idade. Ao cair da noite a fonte da tal praça estava ligada e acesa. Ante o belo espetáculo ele saiu-se com essa:
- "Olha painho, uma fogueirinha d'água”.
Parei o carro e nos sentamos no banco da praça a apreciar a tal fogueirinha.
"O Palhaço"
Em plena era dos anos de chumbo, morávamos em Casa Caiada. Em frente à casa um imenso descampado que era usado pelo 7º RO (Regimento de Obuses) para manobras. Eu implicava com aquele mundão de marmanjos metidos em uniformes verde-camuflado a efetuar marchas e contra-marchas e inadvertidamente, certa vez deixei escapar baixinho, "bando de palhaços". Ocorre que eu havia sido destacado pela Diretoria da escola onde trabalhava para dar aulas de inglês neste mesmo RO. Toda terça e quinta aportava à casa um jipe do exército para me apanhar. Não deu outra. Certa manhã, Maria Eugênia, minha filha mais velha, na época com dois ou três anos, grita lá do portão, a plenos pulmões, ao ver o jipe chegar:
- "Painho, o palhaço chegouuuu!”
“Meu fofo!”
Huguinho, filho mais velho do segundo casamento sempre foi um garoto muito bonito e simpático nos seus 5 anos de idade. Muito descuidado também. Certa vez eu havia comprado para ele dois pintinhos. Vivia com os galináceos mirins no bolso pra cima e pra baixo. Eis senão quando, por absoluto descuido deixou cair os pintinhos em uma bacia com água e quase que os coitados se afogam. Fiquei indignado com a falta de atenção e lhe apliquei umas duas palmadas. Muito a contra-gosto, diga-se. Fui trabalhar e a cena constrangedora não me saía da cabeça. Passei o dia absolutamente mortificado lembrando o meu gesto impensado. Ao voltar para casa à noite matutando como estaria o seu estado de espírito, o meu estava lá embaixo, quando abriram a garagem, e quem estava lá, braços abertos, de pijamas pronto para ir dormir, iluminado pelos faróis do carro? Ele mesmo, Huguinho gritando alto e em bom som:
- “Painho, meu fofo!”
Éden, meu caçula, também fez das suas. Uma tarde estava eu deitado na rede do terraço interno preparando umas aulas para o dia seguinte quando ele, bem pequeno ainda, lembro que estava inclusive usando fraldas, tirou rapidamente alguma coisa do lixo que a empregada havia juntado a uma das colunas. Tirou e veio cantando uma melodia estranhíssima que dizia mais ou menos assim:
- Tam-Tam, Tam-Tam...! Foi um custo verificar que o que ele havia coletado do lixo era uma gravura de Batman e Robim e Tam-Tam era a música característica do seriado que ele assistia na TV.
Ele que ainda não falava direito, me presenteou com o surrado papelão "dizendo":
- "Hum!"
Até hoje tenho o "presente" guardado dentro de um dos meus dicionários!
"As Vóres"
Essa me foi contada pela avó Rachel. Certo dia Cláudio Henrique, filho de Nenena, Cacau para os íntimos, desfiava, aos oito anos de idade um rosário de queixas contra o mundo todo e mais alguém. Rachel querendo ser simpática concordava com todas as queixas e sempre lhe dava razão. Certo momento ele se vira e diz:
- "É, as "vóres" (avós) sabem compreender melhor os netos do que os pais."
"Quase"
Essa ocorreu com o Gabrielzinho, menino com cara do Pequeno Príncipe, sabido, cinco anos de idade. Tem um eterno xodó com o pai. Vez em quando ele corre de lá se abraça com Trajano dizendo...
- “Pai, eu te amo”. Trajano então faz a eterna pergunta,
- De zero à dez qual é a nota? Gabriel responde impreterivelmente,
- "Infinito"
A Tia Nena (Eugenia) muito animada pergunta:
- E eu, Binho, você também me ama?
- Claro, responde ele. Ela continua, infinito, também?
- E ele, "Quase"!
"Mas é Bom!"
Certa manhã estava à mesa tomando o café da manhã, comendo a minha obrigatória dieta de frutas com mel de abelhas e granola quando Tatá, sete anos, aparece na sala recém acordada, cabelos desgrenhados, linda.
- O que é isso, Vô? Disse referindo-se à granola. Expliquei que era uma mistura mágica danada de boa para a saúde e perguntei,
- Quer provar?
- Quero, diz ela. Consegui uma colher de chá e ela provou.
- Então, gostou? Perguntei
- E ela, "não tem gosto de nada, mas é bom"!
Uma coisa é certa: os três jamais vão esquecer estas férias. Aqui eles assistiram a todos ou quase todos os espetáculos de teatro infantil. Passaram uma semana em Gravatá onde foram à feira, ao alto do cruzeiro e até tiraram leite da vaca. Visitaram o Jardim Zoológico de Dois Irmãos, passearam de catamarã, atravessaram de barco de Maria Farinha até Nova Cruz. Foram à praia diversas vezes, até pela noite. Andavam sempre de sandálias. Adoraram andar de ônibus. Visitaram diversas feiras típicas. Foram ao Marco Zero, tudo isso devidamente registrado pelas inúmeras fotos. Somente eu consegui o incrível número de mais de 2.500 fotos. Sem esquecer evidentemente os banhos de mangueira no jardim da casa da avó.
Finalmente chega o dia da partida. Voltaram na quarta-feira dia 31 de agosto pois teriam que recomeçar as aulas na segunda, dia 5 de setembro. Nos falamos pelo telefone no domingo, dia 4. Apesar do cansaço da viagem de volta estavam todos bem. Ainda bate forte uma frase de Naomi:
- "Vô, eu estou bem, mas com muita saudade"!
6 comentários:
Hugão!
Que delicia de post...
As palavras fluiram a partir do coração...
parabéns!
Girley
Realmente eles nunca que vão esquecer dessas férias.
O conto que mais gostei foi a de nenena, do "Palhaço", foi ótimo!!!, kkkkkk...
Pena que eu não passei muito tempo com eles, mas valeu!
Estimado primo Hugo,
Quanta emoção ao ler esta bonita matéria.Como é bom ter momentos assim para recordar.
" A última olhdinha"é demais...Dá um nó na garganta.Um grande abraço. Márcia
Mestre Hugo:
Ainda dizem que o paraíso não existe!
Parabéns pelas belas imagens que tornou concretas para todos nós.
Caro Hugo.....Você tem uma linda "NINHADA" DE NETOS...
Imagino o ARREPENDIMENTO das palmadas por conta do pinto quase se afogando......Do 8 a 12 p.p. passei em Fernando Noronha em companhia de mais 3 casais amigos...
Curiosamente conheci as instalações da Italcable que la foi instalada em 1925...
E lembrar que nós a utilizavamos para comunicações nos tempos da Panair...Um abraço..témais ver...Luna
HUGO
Não podia deixar de ser de outra forma.
Você ama seus netinhos não somente pelos laços familiares, mas sobretudo por que essas criaturinhas são incrivelmente especiais.
As lembranças que você narra no seu texto sobre as ótimas "tiradas" dos seus pequenos e todo o encantamento que eles lhe oferece, é felicidade grande e certa.
Seus netos são lindos e pelos rostinhos inteligentes, revelam que terão um futuro promissor.
Afinal têm a quem puxar ...
Nas fotos observei os traços inconfundíveis de Tia Dalva e de Tio Américo.
O jeito agora é só aguentar a saudade e esperar que o ano passe depressa para que outra vinda deles repita a felicidade e alegria que essa estada lhe proporcionou.
Você é um Avô orgulhoso e tem razões suficientes para assim ser.
Mais uma vez, meu carinho e meus parabéns.
O texto de FHC - Ótimo !
Beijos - LISE
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