segunda-feira, julho 11, 2011

FASCISTAS DENTRO DO ARMÁRIO


Carlos Mello



A coisa mais triste do mundo é um fascista travestido de democrata. Sabem por quê? Porque o fascismo é uma patologia insidiosa, que muitas vezes o próprio portador não percebe – ou finge não perceber. E aí fica tirando uma onda de civilizado, de humanista, de mente aberta e outros penduricalhos para disfarçar sua cabeça podre. Mas basta prestar um pouco de atenção, basta raspar um pouco com a unha sua carapaça de verniz mal posto, e logo aparece a lepra mental.

Tive, ao longo de minha vida, o desprazer de conviver com muitos portadores dessa doença – alguns deles contados entre pessoas que considerava meus amigos. Outros foram pessoas a quem eu admirava, por sua inteligência, ou por sua cultura, ou por suas posições políticas “de esquerda”- na verdade, um biombo ideológico para esconder sua verdadeira ideologia. Lembro-me, há muitas décadas (na minha idade, já não se contam os tempos por anos), no final da adolescência, resolvi fazer teatro amador em João Pessoa – tive a honra de ser contemporâneo do Valdez Juval da Silva, do Hugo Caldas, do Orley Mesquita, do Elpídio Navarro, do Raimundo Nonato e do Paulinho Pontes, do Arlindo Delgado – para ficar só nestes nomes ilustres.

Naquela época, havia um fantástico agitador cultural a serviço do teatro, o Genildon Gomes. Sem contar com nenhum recurso público, nenhuma verba, nenhuma benesse, usando tão somente seu entusiasmo quase fanático, promoveu um festival de teatro que atraiu ao Santa Roza vários grupos amadores, não só da capital, mas de cidades do interior, entre elas Santa Rita. E até um grupo formado por seminaristas. Não lembro mais de todos, apenas do TEP (Teatro do Estudante da Paraíba), ao qual pertenciam os nomes citados acima, o TAP (Teatro Amador da Paraíba, do Cilaio Ribeiro) e o TCP (Teatro de Cultura da Paraíba, o meu grupo). Elpídio é que tem a memória intacta desses tempos.

Eu, empolgadíssimo com a idéia, atraí alguns amigos para o TCP, outros foram trazidos pelo Genildon – o médico Dr. Eugênio Carvalho e sua esposa Ofélia, o Luís Hugo Guimarães e sua esposa Laís, o Heitor Falcão, meu irmão Virgílio Cordeiro, minhas primas Carmen Maria, Dorita e Risoleta Córdula... o Geraldo Carvalho. Comparecia aos ensaios, ouvia os mestres com atenção, procurava ler e informar-me. Um dia, um grupo de amigos de fora desse meio procurou-me com ar preocupado: tinham sabido de minha adesão ao teatro e vinham pedir-me para abandonar essa idéia maluca. Juntar-se a um bando de homossexuais... Foi a primeira vez que senti o gosto amargo da cólera fascistoide.

Depois fui morar em Recife, tornei-me membro do “glorioso”- assim chamávamos o PCB – e dispus-me a trabalhar. Cursava então a Faculdade de Direito e tinha entre meus colegas um judeu chamado David, que se tornou meu grande amigo até hoje. Ele recebera a missão de dirigir a UJC (União da Juventude Comunista), e teve a boa idéia de criar um grupo de teatro, a fim de levar aos sindicados e associações de bairro peças populares, para “ampliar a consciência crítica do povo” (éramos assim, nos primeiros anos da década de 1960). Um dia, um velho comuna, a quem muito admirávamos por seu passado de luta, disse-me contrariado que sempre fora contra a entrada de judeus no Partido, “porque eles logo vêm com alguma viadagem, como essa de pôr os companheiros para fazer teatro.” Parece inverossímil? Concordo. Querem nomes? Sinto muito, não estou aqui pra dedurar ninguém. Só quero demonstrar que os fascistas se escondem nos lugares menos prováveis. Neste caso, um fascista que odeia judeus e homossexuais, enlurado no Partido que representava nossa esperança de uma sociedade justa e aberta. Que trambolhão!

Já que estou falando de judeus, lembro de outro grande amigo, um irmão, Fernando Zisman, com quem convivi muitos anos. Uma vez ele me disse que o que mais o entristecia era verificar a existência de “judeus que reforçam o anti-semitismo”. Triste coisa, mesmo. Vim comprovar sua preocupação anos depois, no Rio, quando tive o desprazer de conhecer essa praga – judeus de direita, preconceituosos e racistas. Como é possível que um povo que passou por tão tenebrosos sofrimentos devido ao racismo, ainda abrigue em seu meio essas lacraias? Não faz muito tempo, discuti com outro amigo, também judeu, por sua intolerância de skin-head contra os nordestinos. Pergunto: há esperança para o gênero humano?

Agora, assistimos a luta, aparentemente vitoriosa, dos homossexuais pela conquista do respeito à sua orientação sexual. Uma luta que arrasta milhares – até milhões – em suas passeatas (poluídas infelizmente pela presença de políticos). Ao que parece, os homossexuais conseguiram abrir a mente de muita gente, arejar nossa sociedade tacanha, impor seus direitos. Mas o fascismo continua latente. Acabo de assistir a um programa de TV de uma emissora de S. Paulo em que se apóia a idéia de que o homossexual deve “sair do armário”, ou seja, declarar obrigatoriamente e em público sua condição, sem direito a ficar no anonimato que desejar. A pergunta que orientou o programa, dirigida aos convidados, já dá uma idéia do veneno “Você é homem ou é gay?” Não lembra a estrela de Davi, que os judeus eram obrigados a portar como sinal de identificação, para não passarem por arianos?

Repito a pergunta do parágrafo acima.

7 comentários:

Germano Romero disse...

Brilhante. Brilhantíssimo! Genial. Apesar de tratar de mentes doentes, tem leitura agradável, com gosto de conto. Obrigado pelo envio.
Um forte abraço. Germano

Glaucia Côrtes Abreu disse...

Querido Carlos,
Muito bom o artigo. Gostei bastante. De fato, é desanimador. Mas creio que essa situação mudará em um futuro não proximo. Ainda falta muito para o nosso planetinha evoluir. Quem sabe, no final deste milênio ou no próximo, a Humanidade alcance um outro patamar e desenvolva o Amor. Assim, espero.
Beijo, Glaucia.

Victor Cavagnari Filho disse...

Corretíssimo. Nada a alterar. Abr.
Victor

W.J. Solha disse...

Cada vez mais rara uma indignação como essa, sua, Carlos. Nota 10 para a sua fúria santa! Solha

Eduardo Neiva disse...

O artigo testemunha o que é tão frequente. Mas que, por isso mesmo, merece vir a público. Já pensou escrever suas memórias? Seria um documento interessante. O artigo tem um tom memorialístico. Eduardo Neiva

Murilo Lelis disse...

Li e gostei muito, pois exprime, de fato, a verdadeira situação existente, tanto aqui quanto lá fora, no estrangeiro... Não penso que seja somente por 'culpa' de tais grupos violentos de oposição aos homossexuais (muitos deles enrustidos, mas sem coragem de se identificar publicamente como tais)... (lembro-me de muitos do partido nazista que eram homossexuais ou simpatizantes, mas que disfarçavam esta condição). Repito, não só tais grupos, mas também líderes religiosos e seus 'fieis' praticam tais barbarismos e violências contra os gays, lésbicas etc., isto em todo o mundo.

O Cristianismo dessa gente está looooonge, bem longe, de ser o do Cristo, mas elas se julgam 'as viúvas', os 'ungidos' e 'eleitos' do Senhor... Muita ignorância em toda parte... Creio que ainda muitos séculos passarão antes de haver qualquer mudança quanto ao aqui tratado. Muito sofrimento ainda pela frente e vexames de vermos pessoas a quem admirávamos vomitarem coisas contra seus semelhantes, somente por causa de essas pessoas serem 'diferentes' ou de terem escolhas outras que não as que eles 'assinariam em baixo'... Muita hipocrisia! Mas, a Humanidade evolui, mesmo a passo de cágado, e anda pra frente, pois assim está determinado pelo Alto. E contra as leis divinas só se pode fazer uma mímica de enfrentamento... e nada mais... botando o 'galho dentro', pois são leis que valem para todos e em qualquer parte do Universo, não é isso mesmo?

Grande abraço e parabéns pelo artigo (lembra mais uma crônica), que invoca o passado e traz recordações de pessoas do seu tempo, muitas, com certeza, que já não estão mais na crosta terrestre. Um dia nos reuniremos com elas, pois o nosso verdadeiro mundo é o 'do outro lado da vida', como vc bem o sabe. Murilo Lelis

Noelia Melo disse...

Carlinhos
Como sempre, v. brilha em tudo que escreve. É mesmo uma corja travestida de democracia ou direito de ser canalha e intolerante. Mas os homossexuais também são fascistas ao querer impor sua preferência sexual, assim como os negros que são agressivos e esbravejam seus direitos quando desfilam orgulhosos suas louras... O que falta em todas as classes e grupos é a falta de respeito pelo outro. Querer impor cartilha tendenciosa nas escolas induzindo ao
homossexualismo é demais...
Bjs, até breve, Noelia