
No verão de 1952 conheci Wilson Veloso. Ele era atleta da natação. Físico bem desenvolvido, adorava desafiar as ondas do mar de Tambaú. Eu o observava e o admirava pela coragem de enfrentar o mar. Aos poucos, comecei a acompanhá-lo nessa ousada aventura mar adentro. Ficávamos uma a duas horas exercitando o esporte e apreciando a costa de Tambaú, à distância. Ao retornarmos à areia, ouvíamos os comentários dos que nos observavam:
— Esses dois um dia serão devorados pelos tubarões!
O prazer que sentíamos e o desafio das braçadas sobre as ondas faziam com que desconsiderássemos esses comentários. Nadar passou a ser a minha diversão favorita nos dias de folga a partir daquele verão.
Certo dia, quando estávamos distantes da praia, assustei-me ao ver que próximo de nós, alternadamente, descia e emergia a lombada de um grande peixe, de pele escura, e em desespero gritei para Veloso:
— Cuidado! Olha aí, um peixe grande, cuidado!
Veloso olhou ao redor, desnorteado, até localizar o peixe que, em sinuosa evolução, ia em sua direção. Ele sabia que não tinha como fugir e, sem perda de tempo, aproximou-se o quanto pôde e, estando lado a lado com o bicho, desferiu-lhe um firme soco, fazendo-o afastar-se suavemente. Aproveitamos aquele momento e desenvolvemos, nas braçadas, uma velocidade além da nossa capacidade, voltando para a praia. Extenuados, contamos para os amigos o acontecido. Eles riram muito de nós, dizendo que era conversa de pescador. A partir desse dia, passamos a ser mais cautelosos e não nos afastávamos tanto da costa. Até hoje, quando conto essa história, tento dar-lhe veracidade, mas não consigo que uma só pessoa acredite.
E assim, até outubro de 1953, eu segui ouvindo e vivendo histórias ingênuas desprovidas de maiores preocupações, descuidando do meu grande sonho que era encontrar uma cidade grande para viver e estudar.
Certa noite, os companheiros foram bebericar na praia, como era costume, e eu preferi ficar sozinho descansando na rede, no interior da “mansão”. De repente, meu olhar foi atraído para a porta da cozinha e vi, de pé, uma jovem clara, magra, de cabelos negros e lisos até os ombros, trajando um longo vestido branco de mangas compridas, com um camafeu colorido fechando a gola, junto ao pescoço. Seu semblante era tranqüilo e me fitava sem nada dizer. Senti um forte calafrio e, tremendo de cima a baixo, pulei da rede em disparada, indo para junto dos amigos contar a cena que eu acabara de presenciar. A palidez do meu rosto e a minha incontrolável gagueira fizeram com que eles também se amedrontassem. Para me acalmar, empurraram-me uma reforçada dose de cachaça. Depois de algum tempo, retornamos para casa juntos e naquela noite, apesar das “biritas”, ninguém conseguiu dormir tranqüilamente.
No dia seguinte, o assunto se espalhou pelas proximidades e “Paizinho”, antigo morador do lugar, recordou que ali, exatamente na área onde fora construída a “mansão”, existiu um cemitério, que foi desativado para dar lugar às construções existentes.
Com o tempo, isso foi esquecido por todos, mas eu, particularmente, passei a ter medo de dormir sozinho, no escuro.
Aliás, outros fantasmas começaram a surgir, fazendo com que eu acordasse para a realidade de uma vida marcada por uma turbulenta separação recente. Até aquele momento, eu pensava que voltara a ser um homem livre, mas, aos poucos, fui percebendo que estava enganado. Com o passar do tempo, via que estava sendo refém dos meus próprios conceitos e que continuava preocupado com o julgamento que os outros poderiam fazer de mim. A preocupação em ser apontado como um indivíduo irresponsável e leviano continuava impedindo-me de viver.
Apesar de conversar com algumas moças de família que freqüentavam a praia nos dias de verão, eu evitava estabelecer com elas algum diálogo que pudesse ser interpretado como paquera ou namoro. Fugia de qualquer indagação que revelasse a minha vida e jamais falava dos meus sentimentos. Dessa forma, comecei a perceber que, na verdade, eu era um escravo de minha própria história e dos meus próprios receios. A vida em João Pessoa se tornava um suplício. Convenci-me de que eu deveria retomar o sonho de viver numa cidade verdadeiramente grande, onde eu pudesse me tornar um homem inteiramente livre.
A inquietação voltou a tomar conta de mim.
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