
É natural que eu pense na morte agora, ao inteirar setenta anos, coisa com que, até então, não me havia ocupado, sempre me sentindo de corpo fechado, eterno, daí me meter algumas vezes – sem medo - em situações de risco. Na verdade... continuo sem me preocupar com ela, seja bem-vinda, mas este texto provém do resultado de ter visto, num dia destes, o último filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, surpreendente num diretor sempre tão... pragmático. Creio que o tema lhe veio da idade, onze anos maior que a minha. A obra, além de pachorrenta, pareceu-me tão inconvincente quanto “Bezerra de Menezes”, de que participei como ator. Mas quem é perfeito? Shakespeare deixa escapar, no monólogo “Ser ou não ser”, que – na sua opinião - a morte é “a região desconhecida de cuja fronteira nenhum viajante retorna” (“The undiscovered country from whose bourn no traveller returns” ), numa contradição ao próprio espetáculo que cria, que começa justamente pela aparição do espectro do pai do príncipe – numa cena dramaticamente arrepiante - o finado rei vindo diretamente do Inferno pra Elsinor, pra conclamar o filho à vingança pelo seu assassinato. Pergunto: por que, não acreditando em coisas desse tipo, o Bardo concebeu tal cena? Claro que pelo seu sentido – o crime estava no ar - tão poderoso que inspirou a primeira frase do Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels: “Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo.” (Ein Gespenst geht um in Europa: das Gespenst des Kommunismus).
A experiência de “quase morte” durante um tsunami, vivida pela personagem Marie (Cécile de France), de Clint, é apresentada - por sua semelhança com a de tantas outras pessoas - como prova de que existe vida após a morte. É a mesma tese dos sempre inconclusivos apresentadores do programa “Caçadores de OVNIS” (UFO Hunters), do History Channel : porque muita gente já viu misteriosas luzes no céu (eu mesmo vi três, numa só noite, em Guarabira, há uns dez anos), isto aqui é constantemente visitado por alienígenas. “Não estamos sós”, dizia um dos muitos cartazes do filme “Encontros Imediatos de Terceiro Grau”, do Spielberg.

Mas... toda vez que vejo uma folha soltando-se de uma árvore, penso que é como serei descartado. Aquele fragmento de ser vivo – em vez de equivaler a uma célula minha que morre – parece-me eu mesmo. E, se apesar da aura revelada pelo efeito kirlian, que muitos vinculam ao perispírito kardecista,...

- “Quem pode dizer que o espírito dos filhos dos homens vai para cima, e o espírito dos animais para baixo da terra?" diz o Eclesiastes, dando um toque de bom senso à Bíblia.
Reveja-se com que... naturalidade... a Natureza se desfaz de nós:





Resultado?



“Como não reconhecer que a colméia é realmente, e não metaforicamente, um único organismo, do qual cada abelha é uma célula unida às outras por laços invisíveis?” (“Comment ne pas reconnaître que la ruche est réellement, et non pas métaphoriquement, un organisme unique, dont chaque Abeille est une cellule unie aux autres par d'invisibles liens?”)
James Lovelock, o pai da ecologia, levou isso adiante:
“Novas evidências científicas mostram, a cada dia, que de fato a Terra é um superorganismo (the Earth is a superorganism), dotado de auto-regulação.”
Chego a meu ponto: considero o Universo um megaorganismo, dentro do qual a Terra é um hiperorganismo, no qual o Homem (a Humanidade) - como o cupinzeiro, o formigueiro, a colméia - é um superorganismo... do qual somos células ambulantes. Isso nos torna insignificantes? Não, se encararmos o universo como círculo inteligente cujo centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma, frase que também não é minha, mas que também avalizo.
Então, não é do Nada que se trata. Mas de Tudo.
Simples assim.
W.J. Solha - Escritor, Dramaturgo e Ator
wjsolha@superig.com.br
Um comentário:
... "toda vez que vejo uma folha soltando-se de uma árvore, penso que é como serei descartado". Elas não têm alma> O mesmo pensamento me assaltava, quando criança, voltando da aula de catecismo na Igreja do Rosário e ia caçar formigas e tanajuras no quintal do meu avô
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