Yoani Sánchez
O Estado de S.Paulo - 13-02-2011
A cena durou alguns segundos na tela, um clarão fugaz que nos gravou na retina a imagem de milhares de pessoas protestando nas ruas do Cairo.
A situação era descrita pela voz empostada de um locutor cubano, que sustentava que a crise do capitalismo havia feito explodir o inconformismo no Egito e as diferenças sociais estavam afundando o governo.
Ele apenas mencionou que um ciclo de quase 30 anos estava desmoronando em apenas uma semana, justo lá, um país onde a história se mede com números de quatro cifras.
A alusão entre nós à prolongada permanência no poder de Hosni Mubarak foi - como observa o cancioneiro popular - o mesmo que "falar de corda em casa de enforcado", insinuar que em nosso próprio quintal um autoritarismo de cinco décadas também excedeu sua data de validade.
Talvez para evitarmos essa comparação, os meios de comunicação estatais se mostraram cautelosos com as notícias que chegavam do Norte da África. Eles nos administram a colheradas a narração dos fatos, sem insistir em todos os motivos que empurraram o povo a colocar limite ao mandato personalista de um octogenário.
Apesar do sigilo jornalístico, outros fragmentos do ocorrido chegaram até nós pelas redes alternativas de informação.
A prudência oficial não pôde evitar que nos surpreendêssemos com a vista aérea da Praça Tahrir que vibrava ao ritmo da espontaneidade, quando por estes lados há muito anos que não se vê essa fraqueza na sóbria e cinzenta Praça da Revolução.
Era inevitável que, ao observar a multidão manifestando-se com cartazes, terminássemos fazendo a pergunta que aquele locutor queria afastar de nossas mentes: Por que não ocorre algo assim em Cuba?
Se nosso governo é de data mais antiga e o colapso econômico se converteu em elemento inseparável de nossos dias, o que impede que empreendamos o caminho do protesto civil, da pressão pacífica nas ruas?
O Egito veio sacudir-nos em nossa mansidão e o arrojo de outros nos defrontou com nossa apatia, nesta nação onde o tempo se mede em efemérides "revolucionárias".
Yaoni Sanchez é uma filóloga e jornalista cubana que alcançou fama internacional e vários prêmios por seus artigos e críticas à situação na ilha de Fidel Castro e de seu hermanito, Raúl Castro. É conhecida por seu blog Generación Y, (14º Blog de baixo para cima na lista de blogs, à direita de quem vai), editado desde 2007, com a maior dificuldade, simplesmente porque não pode acessá-lo de casa, razão pela qual se auto-definiu uma blogueira "cega". A revista Time a incluiu em sua lista de "cem pessoas mais influentes de 2008", dizendo que "debaixo do nariz de um regime que nunca tolerou dissensão, Sánchez exerce um direito não garantido aos jornalistas que trabalham com papel: liberdade de expressão". Há poucos dias Yaoni Sanchez iniciou sua colaboração com "O Estado de São Paulo". HC
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