sábado, janeiro 08, 2011

PIONEIRO NO BANCO DE CARONA

W. J. Solha

Certa vez a Geny, enfermeira do serviço médico do Banco do Brasil, que no começo dos anos 70 ainda tinha uma única agência em João Pessoa, a que hoje ainda permanece no Varadouro, pediu pra ler minha mão.

- Desculpe – eu lhe disse - mas não acredito nisso, colega. Ela insistiu. E então me revelou, primeiro: que eu jamais sairia do país. Lembrei-me disso na Ponte da Amizade, fronteira com o Paraguai, em minha primeira viagem ao exterior... e a cruzei, rindo. Mas a Geny acertou em outra coisa, ao referir-se à aura que a recente produção do primeiro longa-metragem paraibano de ficção em 35 mm me dava:- Você vai sempre parecer que é o mestre-sala, mas nunca passará de porta-bandeira.

O mestre-sala a que ela se referia era o José Bezerra Filho, também do BB, que aqui vemos como é hoje:
Na verdade tinha sido ele, no entusiasmo de ver seu romance “Fogo” premiado pela Secretaria de Cultura do então estado da Guanabara, que decidira transformar esse livro em filme, para o que teve de ser criada uma empresa, a Cactus Produções Cinematográficas Ltda. Fui apenas aquele que – mais do que ele – acreditou no projeto, investindo 25 mil cruzeiros na firma – para o que tive de vender minha casa e um caminhão-caçamba, depois mais 3 mil, na fase de laboratório. Ele entrou com 6 mil, enquanto o resto dos acionistas, com 500 cada. O filme deu-me um prejuízo tremendo, mas o fato histórico foi feito. De carona.

Outra carona de pioneiros, que peguei em Pombal, foi na criação da primeira agência bancária da cidade, a do BB, inaugurada em 16 de março de 1963. Eu era um dos três funcionários da casa, naquele dia, além do gerente e subgerente.

Em 1979, mais um pioneiro, o maestro José Alberto Kaplan, compôs, regeu e gravou a primeira cantata em língua portuguesa – a Cantata pra Alagamar.

Veja quem esteve com ele, nisso:O problema era que ele não encontrava quem fizesse a letra da obra – pois era “subversiva” e vivíamos a ditadura militar – e foi então que me ofereci pra lhe fazer os versos de cordel, martelo agalopado e gemedeira.

Em 74, a União Brasileira de Escritores – UBE Rio - fez do Prêmio Fernando Chinaglia o primeiro, no país, a dar – além do dinheiro – o direito de o vencedor ter seu romance publicado pela gigantesca Editora Récord. Foi assim que tive meu “Israel Rêmora” disponível nas livrarias, hoje dos sebos.

Já agora, no final de 2010, dois grandes cineastas pernambucanos – Kléber Mendonça Filho e Marcelo Gomes resolveram criar os primeiros filmes a abordar a classe média urbana, contemporânea, de uma grande metrópole nordestina, e rodaram “O Som ao Redor “ e “Era uma vez Verônica”, no Recife. Tive bons papeis nos dois.


No ano anterior – 2009 – o maestro Eli-Eri Moura fora contratado – no mesmo Recife - para a criação da primeira ópera armorial:

A Geny acertou mais uma vez: Eli-Eri me contratou para criar o enredo e os versos desse trabalho, e disso resultou “Dulcineia e Trancoso”, que teve estréia no Teatro de Santa Isabel em novembro daquele ano:

Já no finzinho de 2010, o cineasta Laércio Ferreira, do município de Aparecida, a 400 km de João Pessoa, rodou seu primeiro curta de ficção – “Antoninha” – em que, pela primeira vez no cinema, aborda-se o drama da seca verde. Eu estava no elenco:

Como se vê, a enfermeira e quiromante Geny acertou: tive a sorte de estar, sempre, ao lado de pioneiros. E na verdade isso foi muito bom.

Escritor, dramaturgo, ator e poeta.
wjsolha@superig.com.br

Um comentário:

Carlos Mello disse...

Hugão, este artigo do Solha me deixou a um tempo entusiasmado e frustrado. Vibro ao saber que no Nordeste se rodam tantos filmes, compõe-se uma ópera armorial (deve ser linda, imagino), escrevem-se grandes livros, e a gente aqui não está sabendo de quase nada. O jeito é ficar de olho no circuito alternativo e nos festivais, o que representa uma mão de obra de grandes proporções para um idoso. O eixo Rio-SãoPaulo continua mandando na cultura do país e impondo uma estética por vezes ultrapassada e requentada, uma padronização idiotizante e uma exaltação louvaminheira de gente que há décadas "faz cinema" sem fazer um filme que preste. País dificil esse nosso, meu irmão...