UMA TRIBO COMO NUNCA SE VIU NA HISTÓRIA DESTE PAÍS

David Hulak

Postagem Um

Onde se conta de como uma coisa boa poderia dar certo, mas não deu. Se você só pensa naquilo, tire o cavalo da chuva. Esse caso que vai ser narrado não se refere a pessoas, partidos políticos ou mesmo a saliências. Vamos contar, eu e Hugão, da perda de grande patrimônio cultural e industrial do Brasil, a fábrica Rozenblit e o seu selo Mocambo, com todo o seu acervo.

Instados, vamos contar.

Vivemos a grande e frustrada aventura de tentar salvar aquele patrimônio e colocá-lo a serviço de quem fazia música neste país, os compositores e os intérpretes. Foi assim:

Em 1977, éramos ambos os narradores e mais o finado Nilsino Nogueira, produtores culturais de teatro e música. Produtores, sonoplastas, iluminadores, carregadores de piano e contra-regras. Um dos mais fiéis “produzidos” era Paulo César Batista de Faria, doravante denominado PV ou Paulinho da Viola, como é mais conhecido nas rodas da marcenaria e da sinuca.

Um belo dia, já muito de noite, após uma récita no Teatro do Parque, em seu camarim, o referido PV, apresentou uma questão relevante.

Amante do Recife e de Olinda queria ter um pé aqui, sobretudo porque cá estando, creio eu, poderia se encontrar mais vezes com Canhoto da Paraíba e tocar com ele, em saraus e tardes de quintais, trocando choros e valsas e sorrindo um para o outro. Sorrisos cúmplices de quem sabe e gosta do que faz.

Declarou aquele depoente que dispunha de certo capital e queria investi-lo no Recife. Não sabia bem em que. Pensava inicialmente em uma sala para música, como a Cecília Meireles, no Rio. Havia ganhado um dinheiro razoável por conta de uma turnê internacional e Toninho Moraes, aplicador de recursos de nove entre dez estrelas da MPB, compra-lhe uns terrenos que, com o tempo, seriam muito valorizados. Acho que eram ali pela Barra ou São Conrado, não lembro.

Nogueira propôs, sacando rápido, a instalação de um verdadeiro sinucódromo como um que havia na Barata Ribeiro, pois PV havia arrematado umas mesas inglesas das boas e que estavam estocadas no mesmo galpão do seu Karmanguia, objeto cult a ser restaurado.

Para não tergiversar poderemos voltar a essa restauração em outra oportunidade.

Havíamos lido, no entanto, naquela semana, uma matéria no Diário de Pernambuco, sobre a situação pré-falimentar da Rozemblit. Uma cheia cruel que havia inundado as suas instalações na Estrada dos Remédios, a concorrência feroz e a dificuldade de acesso aos canais de distribuição no sul maravilha, além de defasagem tecnológica dos equipamentos e da gestão as teriam conduzido àquela situação.

De fato, a Rozenblit, por mecanismos de oferta de garantias reais, deveria àquela fase pertencer aos bancos, sobretudo ao BANDEPE, Banco de Estado de Pernambuco, de saudosa memória, hoje incorporado por sucessivas aquisições.

Começamos a imaginar e a fazer contatos.

Madeira Coimbra, gente fina e bom banqueiro era o presidente do Banco e iniciou as primeiras conversas, com espírito público e com a honesta visão de se livrar de penhoras, daquelas conhecidas nos meios financeiros, à socapa, como “pepinos”.

Os recursos disponíveis pelos três pernambucanos, mesmo liquidando todo o parco patrimônio, representado por algumas telas de promissores pintores olindenses, umas talhas de Pacheco, salvados do Bumba Meu Bar, no Pátio de São Pedro, um Fusca e um Chevette não seriam suficientes. Nem os terrenos na Barra ou em São Conrado, sei lá. Seria necessária a incorporação de novos investidores

A idéia era ótima. Produtores e autores de posse dos meios de produção! Saber quantos discos havia sido vendidos, gravar o que quisessem. Uma boa.

Através dos contatos de PV, a gestão de Toninho Moraes e as articulações locais pelos empreendedores pernambucanos, empolgaram-se pela empreitada e a ela se associaram os seguintes: Francisco Buarque de Holanda, conhecido como Chico; Cynara, Cyva, Dora e Sonia, conhecidas como Quarteto em Cy; Milton, Sérgio, Ruy e Waghabi, conhecidos como MPB4; Fernando Faro, conhecido como Baixinho e Zuenir Carlos Ventura, conhecido com Zuenir Ventura. Maurício Tapajós veio em seguida, na qualidade de consultor, pois tinha tido dupla militância como arquiteto-construtor e grande compositor.

Fundamos e registramos, todos, a Tribo- Empreendimentos e Participações Ltda, empresa que realizaria o negócio, tendo como garantia todos os terrenos que Toninho Moraes havia adquirido para os sócios e sobretudo os seus direitos autorais, pois passariam a gravar na empresa pernambucana resgatada de um provável triste fim.

Tudo certo e começou verdadeira corrida de obstáculos, sem ganhadores. Ao final todos perderam. José Rozenblit, a Tribo, o Bandepe, Pernambuco e o país ficaram pelo meio do caminho. Muitos autores e intérpretes, apesar de não terem se tornado sócios, declaravam que passariam a gravar com a Tribo. Deu notícia aqui e lá. Saiu na Veja e em jornais de circulação nacional. Só não deu na Globo. Melhor seria ter ficado na moita.

As cenas da próxima postagem dessa emocionante série ficarão por conta de Hugão e ameaço voltar a ela.

Não percam os próximos episódios.