segunda-feira, julho 19, 2010

Ó PÁTRIA AMADA, ESTUPRADA, SALVE, SALVE!

Carlos Mello

Aí em meados dos anos 80 trabalhei em uma favela, no Caju (Rio de Janeiro), com o pessoal de uma Comunidade Eclesial de Base. Todo fim-de-semana ia para lá, tentando montar um grupo de teatro com os jovens. A ideia era que eles mesmos compusessem uma peça, tirada de sua realidade, e eu tentaria ajudá-los a levá-la para o “teatro” – um lugar que os padres e freiras estavam nos ajudando a erguer. Nunca consegui formar um elenco com o qual pudesse fazer um pouco de laboratório e eventualmente compor e ensaiar uma peça. Toda vez faltavam dois ou três membros. Sabem por quê? Porque tinham sido presos, ou alvejados em algum tiroteio, ou estavam foragidos. Lembro de uma vez em que fomos visitar um garoto de apenas onze anos, que tinha levado um tiro na perna. Ele estava brincando próximo ao cemitério de automóveis – onde o DETRAN empilha os carros apreendidos e não reclamados pelos donos - e, ao escalar uma das pilhas de carros para soltar a pipa que ficara presa, foi alvejado pelo guarda.

Ninguém socorreu o garoto. Um taxista teve pena, levou-o ao pronto-socorro, o canalha do médico que o atendeu derramou iodo na ferida e mandou-o de volta. Ali estava ele, arrimado a um pedaço de pau. Não podia sair, porque tomava conta da irmãzinha, de cinco anos. Todo dia esquentava uma panela com arroz e frango, que a mãe deixara sobre o fogão – pois tinha de passar a semana na casa da família para a qual trabalhava. O garoto não chorava, não se queixava, respondia às perguntas por monossílabos. Creio que se não fosse o empenho da irmã Maria – uma serva de Deus realmente digna desse nome – o garoto teria a perna gangrenada e amputada em pouco tempo.

Dias depois, ligou para mim uma amiga, convidando-me a participar de uma passeata contra a violência. Iriam todos de branco, com velas acesas, percorrer as ruas chiques de Ipanema. Perguntei contra qual violência iriam protestar. Contra a violência dos deserdados, daqueles que Frantz Fanon chamou muito justamente de les damnés de la terre, que são obrigados a furtar para não morrer de fome? Ou contra a violência dos políticos corruptos, dos banqueiros rapaces, dos atravessadores que auferem lucros imorais negociando com alimentos? Ela não gostou de minha pergunta e bateu o telefone. É claro. A esquerda chique quer protestar somente contra aquilo que perturba seu bem-estar. Pouco se lhe dá a existência das centenas de favelas que pululam no Rio – como em ABSOLUTAMENTE TODAS as cidades brasileiras. Para eles, a favela NÃO é uma violência em si. É antes uma solução, como já pontificou um formidável esquerdista que governou este infeliz Estado.

O pior de tudo é que os miseráveis, que constituem uma parcela ponderável da população, estão isolados em seus guetos de miséria por uma muralha de aço que os impede de sair. Essa muralha é a educação, ou a falta dela. Dados recentíssimos do último ENEM apresentam esse quadro vergonhoso: de cada 1.000 alunos aprovados, 887 estudam em escolas particulares (não é por acaso que um dos colégios considerados como ilha de excelência é o São Bento, no Rio de Janeiro, onde estuda a fina flor dos ricaços cariocas). O restante está assim distribuído: 85 estudam em escolas federais (inexistentes na absoluta maioria das cidades brasileiras), 26 em escolas estaduais e apenas 2 em escolas municipais.

Se formos observar um outro parâmetro, a saúde, tão importante quanto a educação, o quadro é também dantesco. Embora Lula tenha declarado que este setor “está próximo da perfeição”, nós, que vivemos no mundo real, sabemos o que são os hospitais públicos e os postos de saúde. Para descrevê-los, seria necessário o gênio de um Dostoievski. E saúde não se restringe ao atendimento médico, como pensa o presidente. É um conceito muito mais amplo, que engloba saneamento, água potável, calçamento, vacinação em massa e outras medidas profiláticas. Devo fazer aqui um parêntese para dizer que não estou dizendo que o governo Lula é o responsável por este quadro caótico. Não. Afirmo até que os governos anteriores foram MUITO PIORES, incluindo o do palhaço do FHC. Em matéria de hipocrisia e descaso para com os pobres, o Lula ao menos organizou e institucionalizou a esmola e com isso realizou, em parte, o que prometera em sua linguagem rude: “encher a barriga do povo”.

Volta e meia lembro-me de uma das últimas cartas de Monteiro Lobato para seu amigo Godofredo Rangel. O velho escritor, que já perdera um filho, que fora preso por lutar a favor da indústria siderúrgica e petrolífera nacional, que escrevera algumas das histórias mais geniais para as crianças brasileiras, confessava agora sua amargura: partia desta vida com a certeza de que não havia solução para o Brasil. Outras lembranças me ocorrem. Por exemplo, as tantas vezes em que reagi com ira quando me diziam esta frase odiosa: “o Brasil é um país inviável” – e hoje tenho de engolir o que então julgava afronta. Doutra vez, em conversa com o então presidente do Sindicato dos Jornalistas, contou-me ele que durante um congresso da categoria em Cuba, haviam sobrevoado a ilha. Seu colega cubano comentara então: “este é o nosso país. Uma pequena ilha, com poucos recursos naturais. Não é como o Brasil, um quase continente, com todos os recursos imagináveis. Por que diabos vocês não fazem um país ali?”

É duro chegar à idade provecta em que me encontro, com tais lembranças. Mais duro ainda é observar o cenário atual da política brasileira e ver o que está diante de nossos olhos. Mudaram os políticos, mas continua alegremente o saque à pátria indefesa. Certo, temos petróleo, temos imensas safras de soja e milho, temos aço, temos alumínio, uma indústria poderosa em certos setores e nem sei que mais. Mas por que não temos um país? Por que continuamos sendo apenas um butim para os salteadores internacionais? Por que continuamos servindo de escárnio, com nosso Presidente falando platitudes, confundindo a geografia e agredindo a gramática? Por que nunca mais, desde Getúlio e JK, tivemos alguém a quem pudéssemos chamar de “nosso presidente”? Claro, os que estão gostosamente encarapitados no poder, os que receberam “indenizações” e “aposentadorias” milionárias, não suportam ouvir essas ponderações. É claro. Como é bem claro que para eles está tudo bem. Lula é o cara, Dilma é a cara. A cara desse pobre país, em que uma minoria de privilegiados sobrevoa diariamente os barracos e choupanas de milhões de seus compatriotas, a quem atiram esmolas surripiadas do magro bolso da classe média.

4 comentários:

Marco Seixas disse...

Li este artigo e o assino em baixo! Vivemos num país com as maiores riquezas naturais, contudo convivemos com a podridâo dos políticos. Somos e seremos ainda por muitos anos chamados de país de tupiniquins! Pois, não se enganem de acharem que na Europa, USA, Japão e outros o Brasil tem algum valor. Morei 3 anos fora e neste tempo, por várias vezes, tive vergonha de ser brasileiro! Isto se deu porque foi noticiado nos principais meios de comunicação que "hoje Hoje foi dia de grande comemoração no congresso nacional brasileiro porque todos os parlamentares estavam presentes à assembléia!" ou como esplicar que os trabalhadores recem 13 salários mais um terço, trabalham apenas 11 meses. Sem contar os que recebem 14, 15 e 16 salários, como alguns dos funcionários públicos! O pior ainda, como justificar que os parlamentares recebem uma gratificação por participarem do plenário (JETON), também conhecido como "ROUBATOM". Estes também são os únicos que tiram um mês de férias a cada semestre! Enfim, tantos absurdos e é claro que a MEDIA internacional não perdoa e faz chacota com a Pátria que no pariu!

Marco Seixas disse...

No tocante à saúde e educação, só por DEUS é que um pobre não morre e consegue ter educação! Um país que deseja ser grande é preciso que antes de tudo, seja um país que promova a educação e a saúde. Não precisamos de universidades públicas (cabides de emprego para cabos eleitoráis), precisamos profissionalizar a população tecnicamente, ou seja, uma empresa de construção civíl, por exemplo, precisa de dois ou tres engenheiros, mas de centenas de pedreiros, ladrilheiros, encanadores e etc. Outro exemplo, uma fábrica de celulares tem 10 engenheiros e 3000 operaderes de produção! Ainda sobre educação dois fatos me revoltam. Quem estuda na universidade federal? Façam uma pesquisa de quantos carros acima de R$60.000,00 estão estacionados dentro destas universidades! Somente a classe burgueza, rica e egoísta é que estuda sem pagar nada, na maoria das vezes, estes ainda sonegam impostos e nós, pobres trabalhadores classe média(se é que ainda podemos ser chamados assim!), somos escravisados, literalmente porque nos é roubado 5 meses de salário e para mim isto é escravidão já que trabalhamos sem receber salário! A outra situação revoltante é que o povo brasileiro não faz questão de ser educado, em especial os cariocas da zona sul. Estive em Ipanema, e a sujeira, imundice, desrespeito tais como pessoas urinando nas ruas, fezes de cachorros, centenas de pessoas sentadas em mesas no meio da calçada, falatório, musica e etc. Todas estas coisas não são feitas por favelados e sim pelos hipócritas burgueses!

Marco Seixas disse...

Finalmente, o que fazem os sindicatos de classe? Lutam pelos direitos do trabalhador, porém esquecem de lutar pelo principal direito que é o emprego! A CLT, institucionalizada por um grande, talvez o melhor, governante do Brasil (Getúlio) na década de 30 e que certamente fez-se necessário à epoca, hoje é a principal causa de desemprego, pois os tais direitos tornam o brasileiro uma mão de obra cara, com uma carga tributária absurda e totalmente retrógada, fazendo com que o empregador deixe de empregar mais trabalhadores. Apenas como exemplo, para cada R$100,00 pago ao funcionário, o empregador paga R$110,00 de encargos! Se não tivessem estes encargos? poderiamos duplicar o número de trabalhadores? Pensem, em sua casa mesmo, se você não tivesse que pagar os encargos para uma doméstica, você provavelmente teria duas ou tres, uma para cada função, certo? Imaginem uma montadoa de automóveis! Outrossim, eu preferia ganhar um pouco mais todos os meses do que recebr o 13º salário em dezembro, pois assim seria feliz todos os meses e não apenas em dezembro! Cabe também a pergunta: O que o empregador ou o governo tem a ver com o filho que vocÊ deseja ter? O filho é seu e portanto, quer ter filho, programe-se e não fique 6 meses de licença! Quem paga por este filho? Nós que pagamos imposto! Vejam quantos meses a mulher norte-americana fica de licença!
Portanto minha gente, o Brasil precisa crescer e deixar de ser tupiniquim!!!

Marco Seixas!

Virgílio Cordeiro disse...

Lucido e antigo os seus comentários.. Vindo da àrea da saúde,
onde trabalhei 38 anos basicamente com a clientela SUS, vejo que as
politicas de saúde com atendimentos classificados de alta, média e
pequena complexibilidade, se transformam sempre em alta
complexibilidade. Sabe por quê? O SUS paga mais e as Instituiçoes dão um
atendimento muito aquém do que os pacientes (alcunha muito bem dada)
necessitam, pois o tempo urge e um tratamento honesto sairia muito
caro. Se formos para a area da educação, onde atuo até hoje, é de
chorar de desespero. Então te pergunto: como pode um Pais se
transformar em Naçao sem respeitar o básico para a grande maioria? Não
há interesse nisso e nós, meros espectadores, na idade crítica em que
nos encontramos, constatamos o óbvio e me pergunto: Por que nossa
geração fez tão pouco? Será que estivemos sempre embriagados pelo pó
de pirlimpimpim que nos davam os politicos? Ou foi uma mera acomodação,
típica de jovens da extinta classe media? Virgílio Cordeiro