quarta-feira, junho 23, 2010

PARA QUE SERVE O POVO BRASILEIRO?

Carlos Mello

Andei vendo alguns jogos da Copa, somente para constatar o já sabido: nossa seleção é uma coleção de vaidosos e enfatuados, que considera um enorme sacrifício chutar a Jabulani. A torcida continua submissa, agitando bandeiras, sujando as ruas com decorações patrioteiras. De quatro em quatro anos a gente se lembra que é brasileiro e estufa o peito com o nome da pátria. Depois tudo volta à canalhice geral dos políticos e à pasmaceira da sociedade. E ainda registro essa coisa curiosa, mais uma prova de nossa curvatura vertebral congênita: os locutores que transmitem os jogos – seja o bobalhão do Luciano do Valle, seja o chato do Galvão Bueno, ou qualquer outro – não escondem a simpatia pelos times do primeiro mundo. Vibram quando o ataque é do Japão, ou dos Estados Unidos, ou de uma seleção europeia. E ficam nervosos se o ataque parte de um time sul-americano ou africano. Puxa-sacos!

Agora, volto aos meus dois ou três leitores com a pergunta chinfrim que está no título. Deveria perguntar antes se o povo brasileiro existe mesmo. Porque para a nossa “elite”, ele não passa de uma ficção, e uma ficção incômoda, suja e pedincheira. Quando morava no Rio, o cronista social do JB era o Zózimo, homem de confiança e porta-voz dessa tal elite. Sua coluna trazia sempre reclamações das feiras-livres – que atravancam as ruas e impedem os carros da burguesia de circular livremente – dos garotos que vendem balas, biscoitos e água-mineral nos sinais luminosos – um feio espetáculo para os olhos delicados dos donos da cidade – e dos flanelinhas – que pedem dinheiro para “tomar conta” dos carros, enquanto os bacanas vão ao teatro e às casas de show.

Mas a verdade é que esse povão, assim banguelo, faminto e malvestido existe. E não só existe, como tem várias utilidades. Vejamos algumas: 1) figurar como massa de manobra em passeatas e shows evangélicos, realizados de preferência próximo às eleições, como demonstração de força de certas denominações – que valorizam assim seu apoio político; 2) participar de programas de auditório, como o do Ratinho, em que pessoas humildes, algumas com visíveis problemas mentais, têm seu problemas pessoais expostos ao público e ao ridículo 3) engrossar os desfiles das escolas de samba, tendo, é claro, pago antes pelas “fantasias”; 4) encher os estádios, comprando com sacrifício o ingresso para torcer por seu time, e valorizar a equipe, para que depois os cartolas possam negociar os jogadores a preços milionários.

Felizmente não temos guerras. Porque se tivéssemos, seria esse mesmo povão que iria servir de “carne de canhão” – como aconteceu há não muito tempo com os pobres da Argentina na Guerra das Malvinas. As poucas fotos do “exército brasileiro” na guerra do Paraguai – ou seja, das linhas de frente, dos soldados que iam para matar ou morrer – mostram isso, gente pobre, negros em sua maioria, mal alimentados e mal armados. Mas mesmo nesses tempos de paz aparente, o que vemos nessa guerra civil não declarada, é isso mesmo: os pobres escolhem um dos lados, a polícia ou a bandidagem. E morrem às centenas, de um e de outro lado, enquanto a alta burguesia se diverte ou ressona. A conta disso tudo, como sempre acaba sendo paga por essa espécie em extinção – a classe média (ou “mérdia”?), que fica de salaminho, nesse violento sanduíche. Tinha razão o velho Gondin da Fonseca, quando afirmava:

“Só a miséria é nossa!

2 comentários:

VIRGOLINO disse...

Carlos Mello exibe nesse excelente artigo e com fina maestria a trágica realidade brasileira.

A elite banqueteia-se, a volumosa massa pobre fica de longe esperando os restos de comida, enquanto a classe média, se estreitando e se espremendo, é quem paga a conta.

Copa do Mundo e Eleições juntas servem muito bem para as elites colocarem uma lente nos olhos do povo, fazendo-os ver um cenário colorido e esquecer o quadro dolorido que sofre, ainda mais anestesiado com o marketing lulorido, com muito alarido e nada de resultados proveitosos.

Victor Cavagnari Filho disse...

Caríssimo amigo. Seu artigo é de extrema lucidez, de um entendimento abrangente do pobre povo brasileiro. Nada de impiedoso ou injusto, mas na clara medida do que deve ser sempre denunciado. O pior é que o país não tem jeito mesmo. Os chutadores de bola são chamados de heróis, o Zózimo, impertérrito adversário dos vendedores de pamonha tem hoje estátua no Leblon, enquanto o velho Gondim da Fonseca, que despertou o interesse de toda uma geração para a causa do petróleo, está hoje esquecido. Abrs.Victor Cavagnari Filho.