terça-feira, junho 15, 2010

Nos Tempos da Panair

Hugo Caldas





A primeira Coca-cola foi
Me lembro bem agora,
nas asas da Panair

"Por mais de 30 anos a Panair do Brasil dominou o setor da aviação comercial no Brasil e encerrou as suas atividades abruptamente em 1965, por determinação do governo autoritário, devido à sua "permanente falta de condições operacionais".

No início da tarde do dia 10 de Fevereiro de 1965, um misterioso telegrama do Ministério da Aeronáutica aterrissou nos escritórios da Panair do Brasil no Rio de Janeiro. Mensagem direta curta e grossa, prenúncio sombrio dos ventos que iriam soprar daquele dia em diante. O certificado de operação da Panair havia sido cassado pelo então Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, naturalmente com a chancela do Marechal Humberto Castelo Branco, primeiro dos generais-presidentes do golpe de 1964. Rubem Berta, o presidente da Varig, de olho nas rotas da Panair na Europa, agia sub-repticiamente nos bastidores. Em outras palavras, esses três, por motivos até hoje não explicados, assassinaram a Panair do Brasil.

Hoje, 45 anos após o fatídico incidente ainda sinto saudades dos Tempos da Panair.

Trabalhar na Panair foi para mim, o entusiasmo do primeiro emprego... o ingresso em uma grande empresa... e acima de tudo a formação de um joven caráter. Trabalhar no aeroporto da Panair então, era uma aventura. Coisas aconteciam à nossa vista, umas boas outras não tão boas e mais outras que você absolutamente gostaria de esquecer. Descarrego dois fatos bem característicos, exemplares.

O Calhorda

O personagem principal desta história, era à época, um moleque fedendo a cueiro. Mal educado filhinho de papai, irresponsável e no momento dos acontecidos, completamente embriagado. Portava uma arma de fogo e a exibia com a maior sem-cerimônia. Melhor será, daqui por diante, tratar o calhorda com o benefício do anonimato em razão das tortuosas voltas que o mundo dá. A nefanda e reles figura, hoje respeitável senador, faz parte do mais alto escalão da república, circula serelepe entre os que gravitam no entorno do "noço guia" ("é assim" com o homem) nos salões da corte em Brasília. Como sei que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.... e eu não sou bobo nem nada...

Os tempos eram outros, não existia a revista obrigatória de passageiros na hora do embarque. O Manual da Companhia, entretanto, determinava claramente que "pessoas embriagadas não seriam admitidas à bordo das aeronaves." Ainda mais com o agravante da arma exibida a todo instante como um ornamento.

- A que horas sai essa merda de avião?

Não respondi e o chamei à um canto mais discreto, longe dos olhos dos outros passageiros que já se mostravam apreensivos diante daquele sujeito potencialmente perigoso. Disse-lhe com a maior paciência deste mundo:

- "O senhor, por favor, controle-se. É absolutamente proibido a qualquer pessoa, em qualquer circunstância, o embarque em nossas aeronaves portando arma de fogo, aliás a única pessoa facultada a viajar armada em uma aeronave civil é o Ministro da Guerra, (hoje Ministro do Exército) ainda mais, sinto que o senhor se excedeu na bebida e se encontra em estado pouco sóbrio"...

- Sabe com quem está falando? Exijo embarcar nessa porcaria de avião agora mesmo, rosnou.

Para encurtar a história, o Vôo 256 já chegou atrasado e por conta de um principio de tumulto dos passageiros e tripulantes, atrasou mais ainda até o momento em que o recalcitrante personagem entregou a bendita arma ao comissário chefe que seguiu os ditames do Manual da Companhia. O Comandante da aeronave ao relatar o atraso em Recife reportou "motivos técnicos", eu pelo meu lado reportei toda a verdade. No confronto entre os dois relatos, condenaram o comandante a uma suspensão por seis meses. O meu contrato de trabalho não foi renovado. Cheguei à conclusão tempos depois, que havia nos firmamentos do episódio algo mais do que simplesmente os aviões de carreira. Notadamente os da Panair do Brasil.

O Cirurgião Plástico

Nos idos de 1959/60 vivia o Recife a efervescência de um congresso ou seminário médico, não lembro mais, o qual tinha entre seus palestrantes a figura impoluta de Ivo Pitanguy. Até aí, tudo bem. Ocorre que quando da sua (dele) volta ao Sul Maravilha, eu estava de serviço no despacho de passageiros.

Ele (Pitanguy) me chega com um amontoado de malas cheias de livros, excedendo em muito a franquia de 20 kg. Cuidei de confabular com o ilustre esculápio para que pagasse o excesso que em última análise seria pago por mim. Em meio à negociação entra de gaiato um repórter do Jornal do Commercio querendo uma entrevista. Esta foi a resposta de Pitanguy ao repórter:

- Espera aí que estou falando com este palhaço aqui!

- Palhaço é você!

- Eu sou Ivo Pitanguy!

- Eu sou Hugo Caldas!

A palhaçada terminou por aí, tendo o indigitado (acho que era pobre à época) tirado todos os livros das malas e distribuído pelos companheiros de vôo. As maletas ficaram no chão do box e tempos depois foram doadas ao Duda, meu pesador de bagagens, que deve ter feito muito bom uso delas.

Um comentário:

ecologiaemfoco disse...

Casos relacionados ao relato sobre a Panair:
1. Foi nas "asas da Panair" que fui para a Bahia, estudar Biologia (naquele tempo História Natural, em julho/1964) graças a uma bolsa da Sudene (projeto do seu superintendente Celso Furtado). Sou portanto, um fruto (ainda) vivo da iniciativa desse economista de visão objetiva.
2. Eu e mais 2 colegas de viagem à Bahia conseguimos usar nossas passagens de volta em julho/1965 (já vencidas)para gozarmos nossas férias (após 1 ano fora de casa)por cortesia do gerente da Panair em Salvador, que disse nos premiar por estarmos cursando Universidade.
3. Agora Ivo Pitanguy: eu fazia parte do Conselho Universitário na UFPB, na década de 1980, quando fui contra a indicação dele para Professor Honoris Causa. Motivo principal alegado para tal indicação: participação ativa dele no salvamento das vítimas do incêndio de um circo no Rio de Janeiro. Com todo o respeito por essa ação do quase-honorificado, nada existia de relevante quanto a sua atuação na UFPB.
As manobras políticas brasileiras para "levantar os amigos pisando nos seus adversários" são práticas antigas e duradouras.
BG