José Virgolino de Alencar
A expressão "Bode Expiatório", popularizada para designar pessoa entregue ao sacrifício para arcar sozinha com os erros, salvando a pele de outras pessoas igualmente erradas, vem de um estranho ritual bíblico cuja prática assombra até quem acredita nos fundamentos que sustentam a fé cristã/católica.
Está lá em Levítico, 16, 1-34, a descrição do Dia do Grande Perdão ou Dia da Expiação ou ainda do Holocausto, onde Javé manda Moisés dizer a Aarão como ele deve entrar no santuário e o que ele deve fazer.
Aarão deve receber dos filhos de Israel dois bodes. Mediante sorteio, um será entregue a Javé e outro a Azazel(Satanás, Belzebu, Capeta). O bode de Javé será sacrificado, retalhado e o sangue jogado sobre os fiéis presentes à cerimônia para expiação dos pecados.
O bode de Azazel terá jogado sobre ele os pecados dos fiéis e será enviado, vivo, para o deserto e lá abandonado.
O interessante nisso é que o "Bode Expiatório" não é o sacrificado, morto e retalhado, mas o vivo, jogado no deserto com os pecados de todo mundo nas suas costas.
Sinceramente e sem heresia, o ritual, se verdadeiro na forma descrita, parece mais coisa de seitas, beirando para o satanismo, do que celebração cristã, onde se defende a vida acima de tudo.
O ritual, com um certo cunho de magarefice, sacrificando o bode, chega a ser cruel e nada cristão. Enquanto isso, o bode vivo, mesmo com os pretensos pecados da humanidade nas costas, se, por acaso, tiver sido encontrado, no deserto, por um ser humano que o possa ter alimentado e criado, morrendo de morte natural, termina por não ser o expiado ou por ser expiação meramente aceita no campo da crença, não na realidade. A hipótese não pode ser descartada.
Não quero reinventar a roda, reescrever a Bíblia, nem mexer com a fé, mas vejam a lógica: o verdadeiro "Bode Expiatório", que pagou realmente o pato, foi o sacrificado, morto prematuramente, para ter seu sangue derramado sobre os fiéis para limpar seus pecados.
Como esses fiéis eram e são feitos dessa carne humana fraca e pecadora por natureza, é muito difícil que tenham tido os pecados efetivamente reparados e o bode perdeu a vida em vão.
No fundo da história, nem Javé e nem Azazel receberam os seus bodes, nem os pecados foram banidos. Virou história para "bode dormir", com perdão da irreverência.
É por isso que Vicente Mateus, folclórico ex-presidente do Corinthians Paulista, chamava o jogador, escolhido para ser responsabilizado pela derrota do clube, de "Bode Respiratório". O bode que sobreviveu foi um verdadeiro "Bode Respiratório", continuou respirando e vivendo.
Dessa história saiu, também, segundo Millôr Fernandes, o "Bode Exultório". Mas é assunto para outro herético comentário.
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