sábado, janeiro 23, 2010

Recuerdo 37 - O Maestro Joaquim Pereira

Hugo Caldas

Desejo iniciar o novo ano de 2010 com o pé direito. O Pedro Marinho, vizinho quase parede-meia no "Romance da Cidade", prestigiado Site do também prestigiado amigo Anco Márcio, teve a gentileza de me presentear com o CD "Joaquim Pereira - Dobrados e Valsas," e eu prometi em troca, escrever algo sobre o disco. Quero deixar bem claro que não me atreverei a produzir mais uma resenha sobre a obra do Maestro. Isso muita gente boa já o fez. Ou fará. Eu é que tentarei colocar com as melhores cores e até onde a minha memória o permitir, evocar a relação efêmera entre um professor de música e seu aluno, um garoto nascendo para o mundo.

Há muito ouvia falar no CD e há muito me interessava em adquiri-lo. A razão?

Quando completei sete anos de idade a minha avó decidiu que eu deveria estudar piano. Em casa havia um desses instrumentos e ninguém tocava, além dela e da minha Tia Aurinha. Então ela acertou com o professor Joaquim Pereira para me dar as primeiras aulas, os rudimentos, leitura e solfejos. À minha Tia Aurinha aulas de reforço mais adiantadas. Morávamos na Rua Capitão José Pessoa, e íamos a pé para a casa do Maestro que ficava mais ou menos em frente ao cinema Jaguaribe.

Íamos eu e a minha Tia, na parte da tarde. Lembro da casa simples, porém tudo no lugar certo. Um piano vertical imperava num canto da sala. Era nele que o maestro nos repassava todo o seu virtuosismo. Via de regra, antes da aula ele, uma simpatia em pessoa, tocava por uns instantes, eu ficava embevecido ao ouvir a sua música. Ele tocava e escrevia em uma pauta, a lápis com uma borracha na ponta. Esta cena ficou gravada na minha retina e se repetiria ao longo dos anos. Conheço uma foto de Heitor Villa Lobos no mesmo gesto. Testemunhei o nascimento de muita coisa. Ele sonhava uma Sinfonia. Dentre todas, uma música em especial ficou impregnada na minha memória. Tive que ouvir ansioso todos os dois cd's para encontrar na última faixa do segundo volume. Lá estava ela. A música que vivia a passear a minha mente. "Prece Sonora". Uma belíssima melodia. Parei de escrever por diversas vezes. A emoção foi mais forte. Toda hora batia um branco constrangedor.

Sempre uso nas minhas aulas, uma cena específica de um filme qualquer em inglês, sem legendas, para trabalho com os meus alunos. O meu favorito é "Mr. Holland's Opus" que tem o título de "Adorável Professor" em português. É um drama biográfico e conta a história de um professor de música adorado pelos seus alunos que também sonhava uma sinfonia. Até agora nunca havia me dado conta da coincidência das duas histórias, dos dois professores. Falando em filmes... certa noite assisti no Cine Jaguaribe "À Noite Sonhamos"... história romanceada da vida e obra de Frederic Chopin. Dia seguinte antes da aula eu contei o filme todinho ao maestro que escutou com a maior atenção e paciência. No meu arroubo infantil não me contive e terminei por repetir um comentário da minha avó.

- "Chopin foi um artista virtuoso". Ao que o Maestro retrucou:

- Para ser um pianista virtuoso há que se estudar muito, meu rapaz. Para tornar-se um pianista virtuoso tem que estudar com perseverança "O Pianista Virtuoso". Com o singelo trocadilho, referia-se o Maestro Joaquim Pereira ao livro de exercícios de Hanon e Henry Lemoine que foi meu companheiro inseparável durante um certo tempo.

Os anos se passaram.

Certa vez o Teatro Santa Roza achou de patrocinar um Festival de Bossa Nova. Eu já morava em Recife, estava na cidade revendo amigos quando, suprema irresponsabilidade, encrenquei com um pandeiro. Onde já se viu? Para mim, Bossa Nova era um banquinho e um violão. Uma das filhas do Maestro cantava no indigitado festival. Eu havia tomado umas tantas caebas e por conta disso achei de invadir o palco me apossando do microfone e ensaiando um discurso de protesto. A direção do teatro mandou tirar-me do palco e após negociações resolvi descer e fui até o jardim curtir um pouco o pileque e a palhaçada que havia cometido. Nesse exato momento o maestro vinha se encaminhando para mim calmo, mas visivelmente contrariado.

- "Hugo, a minha filha está cantando no festival, como é que você me faz uma dessas?" Respondi de bate-pronto:

- A culpa é sua, maestro. Quem mandou me ensinar as sete notas?

Até hoje me arrependo. Sei que o magoei. Tem nada não, maestro, quando eu chegar lá em cima nós vamos nos encontrar e então acertaremos essas contas. E vamos rir muito. Evidentemente nos intervalos dos ensaios do Coro das Onze Mil Virgens.

Não lembro a razão de ter parado com as aulas. Talvez porque o maestro fora transferido. Com o passar dos anos ficou evidente que eu não me tornei um grande pianista. Muito menos um pianista. Virtuoso ou não. Mas tudo o que o maestro Joaquim Pereira me ensinou está muito bem guardado dentro de mim.

Eu ainda toco os exercícios do "Pianista Virtuoso."

4 comentários:

Adna Mercia disse...

Achei belo o seu texto sobre o maestro Joaquim Pereira.
Abraços

Girley Brazileiro disse...

Puxa Hugo!
Essas suas reminicencias são encantadoras. A intervenção no palco do Santa Isabel inclusive!
É bom ter o que contar! Doidices sobretudo. Eu as tenho muito poucas. Uma pena! Quem sabe ainda faça alguma, digna de uma blogada.
Parabéns pelo texto.
Girley Brazileiro

Hugão disse...

Obrigado pelas lantejoulas, meu caro Girley.
Pequeno reparo. O Teatro foi o Santa Roza (com z, mesmo) de João Pessoa.
Abraço. Hugo.

Girley disse...

Desculpe, eu quis dizer Sta. Izabel, com Z mesmo, também.