terça-feira, novembro 03, 2009

Cartas da Alemanha

Floresta Negra, 1 de novembro de 2009

Fábia de Carvalho

Oi Hugo, Olá caro leitor:

Hoje a "Carta da Alemanha" é uma carta para celebrar a vida e é direcionada também à meus amigos, primos, primas, familiares, pessoas de quem eu sinto saudades.

Saudades, coisa da gente que morto não sente. Não que eu o saiba. E se tenho alguma dúvida é porque minha mãe me dizia: também depois de morrer, vou sentir tanta saudade de ti! E como é que eu posso discutir?

É uma carta em memória à pessoas queridas, amigos, parentes que já partiram, simplesmente gente de quem jamais vamos esquecer e não somente no dia de Finados ou de todos os Santos.

E a propósito, católicos ou não, quem gostaria de me explicar: dia de finados é a mesma coisa que dia de todos os santos? Se Santo é Santo porque já morreu, então se trata do mesmo. Finados ou “Alle Heiligen“ (em alemão quer dizer “de todos os Santos“), foi dia dos lembrados e dos esquecidos no tempo e eu resolvi fazer a minha oração. Uma oração ào meu modo e em celebração à VIDA: à minha, à nossa e à vida dos que se foram. Sem a tradicional visita na igreja, cemitério e velas. Fiz um passeio pelos bosques, contemplando a vida na Floresta Negra e lembrando das pessoas, sentindo a saudade sem mais sentir doer. Compartilhar com vocês aquilo que pude compartilhar com eles (em meu pensamento) é também a finalidade desta carta. Portanto aqui vai a minha trajetória desse dia de domingo, dia lindo, cheio de luz. Um presente dos céus.

Ao acordar percebi: as folhinhas amarelas junto da janela brilhavam com o sol. Resolvi tomar logo o meu café da manhã e sair com a bicicleta, apreciar o que talvez tenha sido o último e mais belo dia de sol deste ano aqui nessa Região.

Senti uma saudade e vontade de compartilhar desse dia com gente querida: alguns que se foram e outros que vivem distantes e um amigo aqui presente. E de certa forma penso que em todos os casos se trata de ausentes sempre presentes em minha vida.

A lembrança de certo modo nos traz a presença de quem se encontra distante. E também pode nos reaproximar de um tempo passado de nossas vidas. Como exemplo tenho essa paisagem que faz parte do meu dia à dia:

Estes são os vizinhos que eu aprecio enquanto sentada de fronte ao computador, ao lado da janela. Eles me recordam de um brinquedo que eu tinha quando criança: era um cavalinho (poney) amarelinho e de plástico duro, usado como molde para desenhar sobre papel. Uma lembrança que parecia perdida no tempo e surgiu tão viva de modo que está presente agora, aqui comigo.

Outro exemplo parecido ocorre com o ato de fotografar, coisa que também faço quase todos os dias.

Meu irmão mais velho, com toda certeza, teria gostado de ter fotografado este passeio comigo. Cada coisa bonita que eu olhava me fazia pensar na presença dele ali, fotografando comigo. E foram tantos os motivos!

Lembrei-me dos tempos em que trabalhei por lá (1995, Wallis, Suíça), convidada a criar obras sobre o tema Alpes, em ocasião ao ano comemorativo dessa paisagem.

Na maioria das vezes o céu aqui está coberto e as montanhas não aparecem assim. Hoje os seus picos salpicados de neve até “brilharam“ no horizonte amplo e magnífico!

Agora no final de outono as colinas ainda se encontram cobertas com o verde bem vivo da vegetação rasteira e o colorido variado e vibrante das árvores entre os pinheiros que se mostram verde escuro o ano inteiro.

Vermelhos, Laranjas, Amarelos, Verdes, Marrons.

Todos vibrantes como celebrando a vida antes do final do ciclo quando desapareceram.

Fecha-se um ciclo que parece ser o fim. Mas eu me pergunto: não é o fim o início de algo novo?

Não será o Outono um belo exemplo de início de renovação de vida?

Entre as árvores: a impressão de ser tão pequenina sem me sentir diminuída. Basta parar para perceber as folhinhas douradas que se desprendem em movimentos graciosos que, na minha imaginação, sugerem uma música como recepção ao visitante. E desse modo se sentir agraciada. Elas se desprendem do esplendor de suas cores e parece até mesmo que morreram.

Vem o inverno e a gente pensa que tudo acabou.

Então é o tempo que nos diz paciência! O inverno é introspecção, reflexão.

A primavera chega para quem espera. E com ela novas flores e esperança.

Não à toa que Beethoven também caminhava nos bosques de Viena e admirava as árvores!

O caminho pedregoso e as subidas são às vezes bem inclinadas. Mas aqui e acolá havia um banquinho para uma paradinha e quietamente apreciar os sons da Floresta e ler algumas explicações sobre a fauna e flora existente.

O outono é a estação dos cogumelos e este ano já comi alguns colhidos por mim mesma, mas com orientação do colega que os conhece e os transformam em um jantar delicioso!

Ainda tinha chão pela frente até retornar à casa por dentro da floresta. A minha bicicleta estava com a lâmpada quebrada e deste modo eu não podia ir pela estrada. Seria perigoso.

Nesta época do ano os dias estão bem mais curtos. Rapidamente tudo foi escurecendo.

Aqui o sol já estava se pondo e a silhueta das montanhas estava ainda nítida.

Finalmente surgiram as luzes ao longe, entre as árvores:

A lua clareava o meu caminho por entre as árvores. Mas a floresta é bem densa, portanto é chamada de Negra. Mas eu me vali da companhia de Lucas, cavaleiro da Floresta Negra (como eu o chamo) que conhece estes lugares como a palma da própria mão e consegue andar nela de bicicleta ou de monociclo mesmo no escuro.

Com sede, com fome e bem suada, voltei para casa me lembrando de certa vez, quando fui convidada para o enterro de um pintor colega, um velhinho italiano muito simpático que de vez em quando me visitava em meu trabalho. Preocupada em atendê-lo eu oferecia biscoitos e café e o perguntava se meu chefe estava demorando muito em aparecer. Ele sorria e dizia: deixa ele vir quando quiser, eu não tenho pressa. Nem pressa de partir. Conversava, sorria e fumava tranqüilamente o seu charuto e me agradava com sua presença interessante.

Quando ele faleceu eu fui convidada para o seu funeral. Fui informada de que ele havia colocado o meu nome em sua lista de convidados. Bem, atendi ao convite. Foi no ano de 1992 em Basel. Pela primeira vez eu vi um funeral na Suíça e admito: fiquei chocada! Depois da reza na capela e do enterro, todos foram convidados para festejar num dos restaurantes mais elegantes da cidade. Todos bebiam, comiam e sorriam e eu perguntei à viúva tão bonita, muito elegante e sem lágrimas: Por quê esta comemoração?

Ela me disse: Porque a vida continua e deve ser celebrada também em memória aos que se foram. Porque esse foi o pedido dele que convidou à todos vocês para se reunirem, comerem e beberem em memória.

Hoje ele foi mais uma das pessoas inesquecíveis de quem eu senti saudades sem doer.

Em quase meio século de vida eu tive a sorte de ter tido gente ào meu redor que hoje eu posso dizer: me fazem falta, sinto saudades. Mas fizeram parte de uma “estação“ (ou de várias) em minha vida e somente podemos ressuscitá-las assim: com a lembrança.

Para aqueles que gostam de celebrar a vida, que gostam de viajar e de se aventurar na Floresta Negra, aqui vai um site sobre um lugar muito aconchegante pra se hospedar e pra se comer bem: www.gasthof-hotel-hirschen.de

Não esperem ser convidados por um amigo morto. Se puder, viaje! Pelo menos no site e na imaginação!

O site é em alemão, mas se quiserem mais informações escrevam a respeito no comentário do Blog e eu responderei.

Na próxima edição do blog do Hugão vai uma receita culinária típica da Região e outras coisas mais. Aguardem.

Boa semana, beijos e abraços a todos.


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