quinta-feira, outubro 29, 2009

Afinal, pra que normas?

Carlos Mello

Hugão, sei bem as agruras por que passou nosso confrade. Durante alguns anos lecionei uma disciplina destinada a orientar os alunos sobre as monografias de final de curso. Adquiri o tal "manual" de normas técnicas para citações bibliográficas e fiquei confuso e horrorizado, tanto com a redação (no mais puro neandertalês) quanto com a confusão das ditas normas, contraditórias e incompletas.

Anotei algumas e liguei para a sede da ABNT no Rio, onde me informaram que eu deveria ligar para a ag^encia de São Paulo, pois foi de lá que os luminares receberam a revelação. Bem, eles não tinham o telefone da agência paulista, mas isso era mole: bastava que eu ligasse para "informações" da telefônica. Assim procedi, e a moça que me atendeu começou por não entender o que eu queria.

- Esclarecimentos? Mas de que, senhor? Dúvidas? Que dúvidas? Normas técnicas? Quais? Bem, não era com ela. Passou a um outro departamento, onde um sujeito engraçado disse que ele não tinha idéia dessas normas.

- Mas não foram feitas aí?
- Aqui?!
- Sim, aí não é a ABNT?
- É, as normas foram feitas aqui.
- É o que eu dizia.
- Sim, e daí?
- Daí que estou com algumas dúvidas. Sou professor e tenho de explicar essas normas para os alunos.
- Quais são as dúvidas?
- Bem, a primeira é a que diz que o grifo é obrigatório quando...
- Grifo?!
- É, o itálico...
- É dúvida sobre alguma norma técnica? Qual?
- Uma delas é a que eu estava começando a explicar...
- Bem, meu senhor, isso não é aqui.
- Mas onde é então? Na ABNT do Rio me disseram que era.
- Vou lhe dar o telefone, o Senhor fala com a Professora fulana. 99...
- Mas esse número é de celular...
- E' isso mesmo. A Professora é muito ocupada, tem de ligar para onde ela estiver no momento.

Agradeci, desliguei e fiz o que ele mandou. A Professora estava naquele momento tentando dirigir seu carro no caos paulistano. Disse-me que ela também tinha alguns questionamentos, mas estava sem chance de esclarecer essas coisas enquanto dirigia. Agradeci e desliguei. Na sala de aula, contei o caso aos alunos, que riram satisfeitos com meu problema. Afinal, perguntavam-se, pra que normas? Ninguém observa essas coisas. E eis a pergunta que serve de resposta. Pra que? Num país em que as regras jurídicas e as normas éticas provocam, quando muito, um sorriso irônico, falar de normas técnicas em redação de monografias soa como uma caturrice de professor velho. Afinal, os pigmeus vivem há séculos sem nenhuma norma técnica, e continuam alegremente a comer seus ratões do banhado e suas cobras.

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