sexta-feira, setembro 18, 2009

Tentando Voltar

Hugo Caldas

A última vez que a indesejada das gentes me visitou foi em 1975, portanto há exatos 34 anos e levou o meu pai. De lá para cá, com ela convivi numa espécie de trégua mais ou menos interrompida, sem maiores danos, até o dia, cerca de um mês atrás, quando a minha mãe obedecendo aos desígnios dos homens lá de cima, também se foi. O desfecho era já sabido e esperado. O sentimento, devastador. É como sentir-se em meio a um vácuo. Devido ao vazio assentado, não consegui estabelecer sequer uma convivência dita civilizada com a folha de papel ou a tela do monitor, a mente absolutamente embotada, embrutecida, por mais que tenha tentado, não consegui. Terminei por desistir. Resolvi então deixar a poeira abaixar, e hesitante e dolorido ameaço voltar ao mundo.

Face à esbórnia reinante neste país tropical, decidi deixar de lado as esquisitices presidenciais, com a extravagância dos jatos franceses, submarinos atômicos, helicópteros e outros brinquedinhos bélicos para fazer a guerra contra sabe-se lá quem, optei por falar de efemérides, amenidades, assuntos mais condizentes a um circunspecto e dolorido senhor de idade como o locutor que vos fala.

Semana passada, o amigo Marcus Aranha, médico e jornalista, paraibano dos bons, andou tecendo loas à Judite, sua quinta netinha, recém chegada. Daqui envio os meus votos de boas vindas à futura guerreira. Também quero falar sobre os meus netos, minha descendência, os meu filhos com açucar!

Corta para...Adoção!

Há algum tempo atrás a minha amiga e musa deste Blog, Aline Alexandrino, conhecida na roda da malandragem como "Nêgaline," postou aqui um texto que muito me tocou pela delicadeza e sensibilidade do acontecido. Falava ela do seu desespero quando descobriu aos 5 anos de idade que era filha adotiva. Eis em suas próprias palavras o que ela ouviu de sua mãe:

"Eu sou mais sua mãe do que se você tivesse saído de minha barriga, porque eu escolhi você e as mães de barriga não escolhem os filhos." Fiquei achando aquilo o máximo ter sido "escolhida".

É aqui que entra a minha observação sobre netos: Imaginem vocês o que aconteceu com este velho professor. Fui adotado. É isso mesmo. Dois alunos me adotaram, como avô. Pode? Claro que pode e aconteceu. Eu conto:

Naturalmente vocês devem estar pensando que a relação professor/aluno é algo natural e se estabelece às vezes desde a mais tenra idade. Ledo engano. Eu que já fui por diversas vezes padrinho de casamento de muita gente, e até andei corrigindo o discurso que um dos meus melhores alunos iria pronunciar na sede da ONU, fiquei meio abobado, quando esse casalzinho de irmãos - ambos terminando a faculdade - assim, sem mais nem porque, os dois me perguntam se eu consentiria em que eles me adotassem como avô. O coração bateu descompassado, e num misto de alegria e prazer assenti à honrosa escolha. Pude realmente imaginar o sentimento da Aline ao ser "escolhida" por sua mãe adotiva.

No momento eles suspenderam as aulas a fim de dedicar todo tempo útil à pós-graduação. Em um dos últimos trabalhos de inglês, falando sobre o fim de semana, ela termina a redação com a seguinte frase:

"Ao meio dia fomos almoçar em um restaurante chinês próximo à casa de Vovô." Não é fantástico?

Tenho agora seis netos. Tres moram na França e existe um oceano entre nós. Um retirante paulista que por aqui chegou aos dois anos de idade. Hoje está com 17, é o meu primogênito. E os dois que me adotaram. O velho coração ainda bate forte e o amor é o mesmo. Assim como o fato de que como qualquer neto que se preza, todos "esquecem" de fazer uma visitinha ao velhote aqui.

"Vô, estou indo lhe ver este fim de semana, sem falta".

Vocês vieram? Nem eles. Fica um sentimento de angústia. Bem que eu estava sossegadinho dando as minhas aulinhas, curtindo a minha vida como todo vovô bem comportado. Quem mandou assoprar a brasa?

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

3 comentários:

Lise Cavalcanti disse...

Hugo
Parabéns pelo seu texto excelente!

Um “vovô inspirado” assim que nem você, dá o maior gosto de ter como primo.

Beijos Mil (Mary incluída) Lise

Unknown disse...

Estou com ciúmes!!!! :D Hum!

Aline disse...

MININO, fiquei com inveja, daquela das boas, cevada à alegria. Ser avô assim é demais!!!
Parabens pela adoção.
Aline