segunda-feira, setembro 21, 2009

E Pereira se retirou de cena...

Anco Márcio de Miranda Tavares

Se ele dissesse que era ator de teatro e cinema a um desconhecido, certamente que seria chamado de mentiroso. Pereira Nascimento era uma figura meio desengonçada, meio tosca, com seu jeitão de matuto e sua fala meio engrolada. Estava mais assim para soldado de polícia, no aspecto.

Pereira nunca perdeu aquele jeitão de matuto de Pirpirituba, cidade onde nasceu. Viveu setenta e cinco anos e dedicou parte deles ao teatro. Com uma peculiaridade: não memorizava as falas o que dava a nós que contracenávamos com ele uma dificuldade enorme de acompanhar os "cacos" que botava. Pra ele tava tudo bem, mas pra quem sabia do texto, pensaria tratar-se de outra peça.

Era um obstinado. Depois dos cinqüenta resolveu fazer um curso superior e escolheu o de Comunicação Social. Formou-se, terminou o curso, o que quer dizer que era jornalista. E ainda andou escrevendo crônicas e artigos na Imprensa local, chegando a publicar um livro sobre o radio paraibano, ele que teve uma breve incursão nele como rádio-ator.

Revi meu velho amigo há uns oito anos. Ele me reconheceu, mas pra não perder a característica, esqueceu meu nome. Ao ser lembrado recordou as "passagens" de nossa vida de teatro, que tinha como ponto de referência o Bar Pedro Américo, bem pertinho do Santa Roza onde matávamos o tédio com cerveja.

Certa vez viajei ao Rio com uma peça de Altimar, daquelas que parecem sempre ter o mesmo enredo, contar a mesma coisa. Pereira foi o primeiro a chegar para o embarque com uma mala enorme, como se fosse morar no Rio. Na mala, tinha desde lâminas de barbear, passando por um baralho, até toda sua coleção de camisas a calças e...adivinhem...dois ternos de tropical completos e umas cinco gravatas... Pereira era um homem prevenido. Depois da peça, no Teatro de Comédia, a gente saia pelos bares de Copacabana e lá se ia Pereirão, com seus chaveiros de corrente, seus anéis e uns óculos rayban, provavelmente legítimos. Ele gostava de vestir bem, de usar coisas boas. E seu emprego permitia isso...

Agora, discretamente numa madrugada de sábado que a gente costumava passar no Pedro Américo, Pereira se retira discretamente de cena e morre. E eu que pensava que com seus esquecimentos talvez esquecesse até de morrer. Se ele esqueceu, a morte não, e levou Pereira. Foi um homem bom e isso basta. Apaguem os refletores, fechem o pano, que Pereira se foi para não mais voltar...

Um comentário:

Jorge Zaupa disse...

Anco
Parabéns pelo texto. Hoje não se vê, não se lê mais coisas do genêro. Abraço