Raul Córdula
No início da década de 60, quando a Geração 59 se impunha como a vanguarda estética da Paraíba, o suplemento literário do jornal A União, desde os anos 40 intitulado “Correio das Artes” foi chamado de “A União nas Letras e nas Artes”, sob a orientação do poeta-mor Vanildo de Brito. Era a arena das batalhas modernas, o lugar onde sonhávamos com a arte como ela é hoje, o forum de nossas angústias, e também de nossas vitórias. Na Praça João Pessoa, onde hoje está a Assembléia Legislativa, era o edifício d'A UNIÃO, eclético, belo e imponente. Não possuía mais sua cúpula e, diziam, sua águia de ferro adornava uma casa paraibana no Rio de Janeiro. Escadas helicoidais de madeira e ferro, soalhos de duas cores, janelas indiscretas olhando a praça, o retrato de José Américo em tamanho natural na parede pintada a óleo. Otacílio Queiroz, Adalberto Barreto, Gonzaga Rodrigues, Severino Ramos, Dogival Terceiro Neto, e Linduarte Noronha vibravam cada vez que a seleção dente-de-leite do suplemento literário chegava com suas novidades, seus poemas recentes, seus desenhos esquisitos, suas teorias futuristas. Archidy Picado dava muito trabalho a Coló e Tiné, os mestres da clicheria, com seus desenhos complicados para o olhar tão simples daqueles angélicos operários, precursores dos fotolitistas e dos editores eletrônicos de agora. Vanildo Brito e Jomar Souto incomodava os linotipistas e os chapistas no afã de conseguir uma revisão perfeita, uma página bela, uma idéia clara. Fazer o suplemento era uma aventura apaixonada, uma arenga constante de Jurandy Moura com Clemente Rosas e José Bezerra Cavalcanti em busca de um poema inédito, um esforço de Linduarte Noronha, Wladimir Carvalho e João Ramiro Melo para tornar pública a idéia do cinema como arte. Era, sobretudo, o empenho heróico de pessoas hoje quase esquecidas, como Geraldo de Carvalho, Wilton Veloso, Ítalo Dália, Rino Visani, Marcos Aprígio de Sá, Carlos Moura, Petrônio Castro Pinto, e tantos outros que a memória não guardou, contribuindo com trabalho intelectual da melhor qualidade para o conhecimento e o deleite da cidade. Fazer suplemento literário não é fazer jornalismo profissional, é fazer jornalismo vocacional, passional, amador, pictural, emblemático, messiânico. É fazer anti-jornalismo, não-jornalismo, para-jornalismo. Mas o suplemento é como o sal da salada diária, o açúcar do café vespertino, a pimenta no peixe desses mares. Sem o suplemento o jornal é chato, pardo, sem brilho. Faz um ano, em São Paulo, fui ver meu amigo Neumanne Pinto no Estadão. Na mega redação do jornal eu pensava naqueles tempos de chumbo e calor das oficinas de A UNIÃO e me espantava, como sempre acontece, com o tempo. Todo aparato tecnológico de última geração, que me encanta como pode me encantar o espírito humano, nada significava diante da lembrança daquelas máquinas ao rés do chão, untadas de graxa e pesadas como tratores, onde um dia deixei cair um cachimbo e vi-o ser triturado pelos dentes da catraca que parecia rir para mim com sua boca ávida de manchetes, notícias, sueltos, poemas, editoriais, fotos e ilustrações.
Recebi por e-mail o texto acima com a seguinte anotação.
"Caros Párias, encontrei este texto que escrevi, não sei por que cargas d'água, há uns dez anos. Abraço do Raul." Trata-se de outra bela garimpagem. H.C.
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