Carta do Filho

Hugo Caldas

Esta semana estava a procurar algo no meu baú de recordações quando encontro, por acaso, uma carta. Não uma carta qualquer. Mas uma carta escrita por um garoto nos seus treze para quatorze anos. Meu filho Trajano.

Me encontrava no Rio de Janeiro em pleno curso na Fundação Centro de Comércio Exterior a me preparar para mais uma vez participar da Brazil-Export, importante Feira Internacional. A carta me levou por uma viagem no tempo e foi muito prazerosa. Não sou saudosista. Mas como disse um amigo, dias atrás: "Não sinto propriamente saudades, mas uma sensação de perda, do que poderia ter sido e que não foi”. A carta, é a que se segue.

Olinda, 18-02-82

Oi Painho!

Tudo bem? Aqui está tudo ótimo, já tenho uma semana de aula e estou me dando bem com os novos amigos e professores. Ontem, aqui choveu muito e o colégio largou todos às 4 horas, para mim que tinha seis aulas, e ia ficar até 6:15 no colégio foi jóia.

Painho, se tu encontrar algum jogador do Flamengo, tira uma foto, tá?

Sim, estou precisando de cola e dope, porque acabou. Nesse minuto porei a carta no correio. Telefonei para me despedir de novo de Mary e dos meninos, mas eu acordei tarde e perdi a hora de telefonar, quando telefonei ela já tinha saído.

Que bom! Vovó agora vai conhecer Éden, aliás Vovó e Guilherme. Como vai Vovó? Tudo bem com ela? Diga-lhe que estou enviando uma cartinha, tá? E Guilherme como vai, diga-lhes que estou com saudades.

O carnaval aqui já começou adiantado, sim, pois sábado e domingo teve corso, desfile de virgens de Olinda e bailes, prévias etc. Está uma animação. Precisa ver a decoração de Olinda para o carnaval, está linda.

Puxa, Painho, eu falei, falei, falei e não perguntei nada sobre você. Como vai, tá frio ou calor? Mas que curso demorado, "o senhor" você deve ficar cansado, não? Ainda não chegou carta de Nenena mas de Tia Léo e de tio Daniel já chegaram.

Pai, tú viu o negócio do avião que foi perseguido por um tipo de luz que acham que era um disco? Puxa, eu queria estar no avião!

Painho vou terminando essa cartinha com esperança que chegue aí; lembrando que estou precisando de cola e dope e se tu encontrar algum jogador do Flamengo tu tira uma foto tá certo?

Se o seu vôo para Recife for de noite não se esqueça da câmera, para o caso de aparecer um disco voador ou um foco de luz que muda de cor, tá? Senta na janela para ficar melhor. Um beijão.

Mino

Ninguém mais escreve cartas. Uma especial como essa. Usam-se agora modernosos meios eletrônicos. O contato com o papel que foi manuseado pelo remetente não mais existe. Os Correios vão terminar se convertendo numa gigantesca empresa de entrega de encomendas.

Foi-se o tempo em que dele eu recebia pelo menos um cartão postal das diversas partes do mundo por onde ele passava a trabalho: Pequim, México, Israel, Moçambique, Chicago... É, talvez sejam outras as suas prioridades agora...

Vejam na foto ele, com o seu filhinho, meu lindo netinho Gabriel. Será que ele porventura, já recebeu ou receberá uma cartinha como a que eu recebi há tanto tempo e que ainda me emociona agora? Espero que sim, um bilhete, pelo menos.

Mas tudo isso é, para de uma certa forma, reclamar que a nossa última comunicação foi em dezembro passado.

E esse Oceano Atlântico posto entre nós!

hucaldas@gmail.com
hugocaldas.blogspot.com
newbulletinboard.blogspot.com