segunda-feira, fevereiro 23, 2009

O Urso de Minha Infância

Anco Márcio de Miranda Tavares

O urso pé de lã, enrolado em estopa, com uma máscara que lembrava tudo, menos um focinho de urso, vinha dançando pelas calçadas de Ingá do Bacamarte, e cantando "Me dê dinheiro que eu sou o urso..." e mais coisas que minha mente sessentona se recusa a lembrar. Meu pai sempre tirava do bolso uma moeda e colocava, respeitosamente quase, na bacia que o urso estendia.

Mais tarde, passava um papangu, que por ser um menino conhecido, não falava a fim de que a voz não o denunciasse. De repente, passava uma troça, com rapazes e homens casados, todos à pé, parando todas as vezes que passavam, nas casas dos conhecidos, onde eram recebidos com bebidas e tiragosto.

Meu pai entrava cedo "no ar" e fica mais alegre do que já era, tomando aqui e ali uma caninha ou uma cerveja Teuthonia, gelada no pé do pote. Ele era um folião nato, segundo contava Dinda minha avó e mãe dele, que morava com a gente. Ela sempre dizia que em També, terra onde fôra criado, ele bebia e dançava os três dias.

Minha mãe comprava um tecido estampado, e escolhia nas velhas revistas de moda de Dona Maria Pinto, uma fantasia para brincar as três noites no Ingaense Atlético Clube, onde iria à noite com meu pai, dançar carnaval, ao som da Orquestra regida (pasmem!!) por Severino Araújo, à esse tempo Mestre de Música em Ingá...

Eu ia também pras matinês do Clube e me lembro que teve um ano, em que me fantasiaram com uma roupa de listras, que eu pensei ser um pijama, mas depois vim a saber que se tratava de roupa de presidiário. Eu não estava de todo errado, pois, passado o Carnaval, essa roupa ficou servindo para eu dormir...

Por essa época, eu com sete ou oito anos, já tinha minhas paixões e era louco de amores por uma menina chamada Bernadete, filha de um amigo de papai. Quando cresci e a conheci, notei a razão pela qual eu uso óculos desde os dezessete anos. A menina parecia um sapo, e eu devia ser míope quando menino.

O Carnaval era dentro da época, durava apenas três dias e na quarta feira todo mundo ia pra Igreja, receber uma cruz de cinzas na testa, cinza esta, segundo diziam, resultante das fogueiras feitas em São João. Deveria ser mesmo, pois em Ingá moravam uns quatrocentos católicos e todo mundo fazia fogueira.

Era terminantemente proibido adoecer no Carnaval, pois Doutor Cabral, o único médico da cidade, ficava bêbado no sábado e somente ia recuperar a sobriedade, no outro sábado, pois ele ficava doente depois do porre, e não tinha capacidade nem conhecimentos pra curar a si próprio.

No Carnaval de Ingá não havia saldo de mortos, pois todos estavam muito ocupados em se divertir e ninguém tinha tempo para matar ninguém. Lá, só se agredia e matava gente, nas feiras de sábado, quando então, agressor e agredido eram levados para a cadeia, único lugar público aberto...

Olha o urso, segura o urso, que ele quer fugir da minha memória, indo para outras paragens. Olha o papangu, corre com medo do papangu, que é um bicho perigoso.Corre menino, pra tomar banho e vestir a fantasia que está na hora de ir ao clube...Corre menino, que está na hora de voltar à infância, pois a velhice chegou...

www.ancomarcio.com

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