sábado, janeiro 17, 2009

AS MINISSÉRIES?


Hugo Caldas

Não vi e não gostei. Pelo menos não acompanhei. Posso até dizer que detestei. É que sou um conservador incurável. Faço questão de bradar aos céus e aos sete mares. À vista de tanta besteirada assolando esse desditoso país, então nem pensar em ser "de vanguarda". Tarrenego! Fasta pra lá, pé-de-peia!

Porém garanto que tentei, forcei mesmo a barra para ver...Vi alguma coisa de vez em quando, ao passar pela sala em busca de um copo d'água, a fim de aplacar o calor sufocante das noites do Recife. Eu que pensava ser o único desvairado a não gostar nem um pouco de "A Pedra do Reino," "Capitu" e "Hoje é Dia de Maria", leio no site "Eltheatro" do amigo Elpídio Navarro...

"...Após dois desastres, "A Pedra do Reino" e "Capitu", que quando exibidos poucos conseguiram não cochilar, não só pelo horário, mas, principalmente, pelo formato imposto pelo diretor Luiz Fernando Carvalho, nada assimilado pelo grande público, surge "Maysa", com uma concepção realística, sem salamaleques, sem efeitos especiais exagerados, sem frescuras."

Essa observação de Elpídio para mim diz tudo.

Dito "formato imposto" deveria ter-se esgotado em "A Pedra do Reino," ainda mais angustiante, pois agravada pelo péssimo som. Já não havia bastado o "Hoje é Dia de Maria?” Depressa, por favor, escondam na gaveta mais profunda, sob sete chaves, as nossas relíquias, as nossas peças de teatro mais caras, a nossa cultura. Já pensaram o que esse indigitado faria, por exemplo, com a rara beleza naturalista de "Um Sábado em Trinta", do meu saudoso amigo Luiz Marinho? O que diria, Dona Diná de Oliveira, (outra saudade) maravilhosa, ao perguntar a pretendente ao emprego de copeira se ela ainda era moça? Qual seria a trilha sonora? Algum Rap? Faça-nos um favor senhor diretor, esqueça o Nordeste e as nossas raízes. Se o professor Ariano Suassuna deu o seu (dele) aval e achou maravilhosa a (sua) versão das (nossas) coisas nordestinas, isso é problema lá do grande mestre.

E à propósito...

Desculpem, mas não captei a mensagem. A minha pobre mente embotada não consegue até agora determinar porque cargas d'água, na trilha sonora de "Capitu," ouvem-se os acordes do "Repórter Esso, a Testemunha Ocular da História". Deve ter ficado a maior incógnita na cabeça de muita gente. É bem possível que até mesmo na brilhante mente (taí, gostei) do diretor. Quem conheceu, quem hoje sabe da importância do Repórter Esso? Cenas atuais do subúrbio do Rio de Janeiro também apareciam, com o metrô funcionando e ao fundo Fred Astaire cantava "Heaven, I'm in Heaven, and my heart beats so that I can hardly speak...." Francamente, o que o novel diretor tem contra Machado de Assis?

Em verdade vos digo caríssimos, não apenas Capitu, personagem criada há mais de um século por Machado de Assis em "Dom Casmurro," mas muito principalmente a história é talvez, a mais fascinante, a mais enigmática e misteriosa de toda a literatura brasileira para um diretor qualquer se dar ao luxo de tentar exterminá-la.

Sobre "Maysa," tenho visto algumas cenas e mais uma vez concordo com Elpídio, quando ele diz que a minissérie tem "uma concepção realística, sem salamaleques, sem efeitos especiais exagerados, sem frescuras." É exatamente isso! Maysa a pessoa, a cantora, foi tudo aquilo e muito mais. Receio porém, que não vá gostar muito do final, quando não for mostrado um episódio real acontecido com o pessoal do TEP (Teatro de Estudantes da Paraíba) incluindo muito especialmente este pobre escrevinhador troca-letras. Eu conto:

Em 1958, se não me falha a memória, estávamos a ensaiar o "Auto de João da Cruz" de Ariano, para participação no Festival Nordestino de Teatro Amador em Recife. Peça pesadíssima, belíssima para a leitura. Colocar tudo aquilo no palco seria, como terminou sendo, uma aventura... Ariano, vindo na esteira da consagração de "O Auto da Compadecida" estava animadíssimo. Pois muito bem, Maysa veio a João Pessoa para um espetáculo (ninguém falava em Show, naquela época) no Santa Roza e tinha seu ensaio com passagem de som, luz etc, à tarde no palco principal. Fomos despachados para ensaiar no porão. A direção era de Clênio Wanderley, diretor magrelo que gostava de dar uns histéricos quando nós, pobres atores, não correspondíamos às suas expectativas. Era grito em todo mundo e naquele momento específico eu era o alvo da ira incontida de Clênio, que adorava "se mostrar" quando alguém nos visitava. Inesperadamente, não mais que de repente, como no poema eterno, nos aparece descendo a escadinha de madeira, uma deusa meio cambaleante, garrafa de uísque na mão, cigarro no canto da boca que apiedando-se de mim diz para o histérico diretor:

”Não faz assim com o garoto...”

Eu nem era tão garoto assim. Apenas um ano mais moço do que ela. Claro que o ensaio terminou por ali. Ficamos todos sentados ao seu redor enquanto ela bebia alguns tragos e cantarolava "Meu Mundo Caiu", "Ouça” e vários outros sucessos. Ao sair, virou-se e novamente ao pé da escada nos olhou (ah, os olhos de Maysa) demoradamente como numa bela marcação de teatro. Antes que ela subisse eu dei de garra de uma incipiente caneta esferográfica Compactor e pedi-lhe um autógrafo. Por conta da emoção não encontrei um mísero pedaço de papel. Ela então escreveu no meu antebraço esquerdo:

"Um Beijo, Maysa." Passei uma semana sem lavar o braço.

hucaldas@gmail.com
newbulletinboard.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Hugão, maravilha seu artigo, com a comovente passagem sobre Maysa, a minha, a sua, a nossa deusa.

Parece que v. não entendeu como se desenrola o processo criativo nas adaptações feitas pela Globo.
Primeiro, escolhem uma equipe que odeia literatura e nada lê além de Paulo Coelho. A segunda condição, é que tenham um QI de cotonete (eles sempre reúnem quatro ou cinco quando querem entender alguma anedota do papagaio). Depois todo mundo entra numa cheiração aloprada. E aí produzem essas coisas surreais, Capitu tatuada, metrô carioca no século XIX, por aí. Como tenho o estômago sensível, raramente ligo a televisão, e nunca na Globo. Vocês não acham que já temos merda demais nesse país? Carlos Mello

Anônimo disse...

Hugão, acompanhei a minissérie "Maysa" e gostei de tudo a começar pela semelhança da atriz que incorporou a cantora nos mínimos detalhes. O seu jeito livre de ser, o mesmo olhar de gata, a família Matarazzo, o figurino, as turnês... É notável a preocupação da direção em ser fiel a inesquecível Maysa nos mínimos detalhes como a voz original das canções na dublagem bem encenada.
Parabéns a Jayme Monjardim pela homenagem à sua mãe e a todos os envolvidos nesta produção perfeita.

Quanto as outras minisséries não tiveram o mesmo êxito, ao contrário, verdadeiras pérolas da literatura brasileira jogadas aos porcos.
Um beijo, Mary