
Década de cinqüenta. Tempos amenos, sem a violência reinante dos dias de hoje. Nós éramos felizes e sabíamos. Ginásio Solon de Lucena do Professor Otacilio, alí nas Trincheiras, perto da casa de Elpídio Navarro. Lá estudavam comigo, Walter Lins, da Radio Tabajara, Ivo Bechara, Marcos Meireles, uma lourona - sempre elas - chamada Iris e mais uma porção de gente boa. Onde estarão hoje, Ivo Bechara, Marcos Meireles, Íris e todos os outros? Tempos do canto orfeônico, matéria obrigatória, invenção de Villa Lobos onde cantávamos e por força teríamos que estudar teoria musical e viver às voltas com um fatídico ditado, "tá-aaa-tá-ti-tá-tá."
Tempos dos circos, Garcia e Nerino que erguiam as suas lonas na Lagoa. Contava meu pai que certa noite em espetáculo concorrido no Circo Garcia, um tal Sargento Nunes herói da Revolução de 1930, por conta de uma aposta, quase matou um urso durante a função. O Sargento Nunes era meio avantajado no físico. Anos mais tarde, meio ressabiado, tive um namorico com uma de suas filhas.
Tempos da PRI-4, Radio Tabajara da Paraíba.
Tempos do "Trio Jaçanã," Walter Lins, Zé Pequeno e Marlene Freire. Cantavam e ainda cantam que é uma harmonia só. De deixar sabiá complexado. Jamais encontrei vocalização mais perfeita. A Marlene foi uma garota prodígio. Certa vez, já famosa, de volta de uma viagem, em aniversário na casa de umas tias, lá na Rua 4 de Novembro, tanto pediram que ela constrangida se dispôs a cantar, a capela, olhando pros lados visivelmente incomodada pelo fato de não haver uma orquestra a acompanhá-la.
A PRI-4 foi fundada em janeiro de 1937 e tinha uma programação de primeira linha. Várias atrações nacionais e internacionais aconteciam no seu auditório. Era a glória. Convivi bastante com a atmosfera sadia da Radio porque uma das minhas tias trabalhava na secretaria durante o dia e às vezes dava recital de piano em programa tarde da noite. O primeiro transmissor da emissora, com a potência de 5.000 watts foi montado na Mata do Buraquinho, enquanto seus estúdios funcionavam em um prédio "Art Nouveau" em esquina da Rua da Palmeira por trás do Palácio da Justiça. Lá, cheguei a assistir: Xavier Cugat, Ruy Rey, Agustín Lara, (autor de "Maria Bonita - sucesso mundial) Orquestra Cassino de Sevilha, João Dias, clone perfeito do Francisco Alves, e infindáveis atrações.
Com o passar do tempo e já no governo de Zé Américo, Antonio Lucena na direção da rádio, querendo marcar a sua administração, trouxe a João Pessoa a famosa orquestra de Tommy Dorsey. Dá para acreditar? Eu, quase menino lembro que assisti à performance sentado no chão do palco bem ao lado do pianista. Hoje, fico relembrando meio que duvidando se tudo aquilo aconteceu mesmo. A imagem é bastante forte. Como são fortes as imagens dos locutores Gilberto Patricio, Jaci Cavalcanti, e de dentro do "aquário" a figura simpática de Linduarte Noronha ainda sem os louros da fama, fones nos ouvidos, mero locutor de estúdio. Anos mais tarde, Paulo Pontes, nosso maior dramaturgo, também fez part do "Cast" de locutores da Tabajara. O maestro Nôzinho, de curta passagem. Severino Araujo e sua Orquestra Tabajara há muito haviam se mudado para o Rio de Janeiro. O cantor Ruy de Assis, sucesso até hoje, mais tarde meu Diretor Regional, quando da minha passagem traumática por uma Franquia dos Correios. A cantora Meves Gama, Eclipse, cantor de bela voz. Esse pessoal faz muita falta ao cenário pobre e ridículo da música brasileira de hoje. Dizem, aliás, que a MPB morreu. Eu acho que morreu, sim. Quem de vocês se lembra de alguma música realmente bonita destes últimos anos?
A presença da Tabajara era tal que à época o Mago Gilvan, (por onde anda?) sobrinho do "Seu" Lemos do Plaza, sabia de cor e repetia a toda hora o texto do encerramento da programação da PRI-4 que era mais ou menos assim: "24 horas. Últimos instantes de um dia. A noite moribunda apressa-se para ceder lugar à madrugada... A seqüência dos fatos cronológicos..."
Pasmem, mas assisti na PRI-4 uma das primeiras performances de José Vasconcelos - "Eu Sou O Espetáculo" - o pai de todos esses "show-men" que temos hoje, à partir do mestre Chico Anysio. Como era prazeroso ver e ouvir um grupo formado por dois irmãos e duas irmãs que cantavam afinadíssimos, os "Tabajaras do Ritmo." A imagem do Sargento da polícia, Dedé, saxofonista dos bons e que andava de motocicleta. Aliás, os músicos eram um caso a parte, todos excelentes. Canhoto começou tocando no Regional da Rádio. Vieram para João Pessoa conjuntos vocais, como Los Panchos, Los Palomitos, Quinteto Los Pioneros, as Irmãs Parisi e cantores como Josefine Baker, Ninon Sevilla, Ester de Abreu, Gregório Barrios, Ernesto Bonino e o famoso "Bigode Cantante", Bienvenido Granda. Chico Alves veio inaugurar a emissora em 1937. Era muito prestígio. Mas, o bom mesmo para mim, era o Trio Jaçanã. Pascoal Carrilho anunciava... "E com vocês... O Trio Jaçanã...”
O Trio atacava com o seu conhecido prefixo:
“E eu te encontrei tão sozinha na tua estrada”.
Te dei minha mão mesmo em troca de nada
Para amenizar teu desgosto
Com todo o prazer te ajudei
Carreguei tua cruz
Dei-te apoio moral
Transformei tua vida
Numa alvorada de luz.”
Da convivência no Solon de Lucena nasceu um "clone" do Jaçanã - Valter Lins, Marcos Meireles e o-locutor-que-vos-fala. Chamava-se "Trio Coqueiro Seco" e o nosso carro chefe era nada mais nada menos do que "Prece ao Vento" (vento que embalança as paia do coqueiro), de Gilvan Chaves. Mais tarde, já de volta ao Colégio Marista surgiu uma outra formação do Coqueiro Seco. Desta vez com Aldemir Sorrentino e Marcos (Quinho) Aguiar,"O Homem da Estrela de Ouro," por onde andam o meu amigo e seus irmãos José e Hugo?
P.S. Soube que o atual prefeito tem projetos para fazer voltar o Ponto de Cem Réis à sua antiga feição. Parabéns. É preciso tirar mesmo essa aberração do centro da minha cidade. Por que ele não aproveita e reconstrói o prédio da PRI-4 criminosamente derrubado?
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