segunda-feira, maio 26, 2008

OS GRILOS DO VIZINHO


Germano Romero

O quintal do vizinho estava no maior escuro... Vi-o da janela. A brisa que vinha de muito longe passava por lá e trazia o cheiro e os mistérios daquela noite. O quintal é grande, a casa bem recuada e quase nunca tem gente. Parece que eles não são daqui, viajam muito.

Mas o quintal é bonito, apesar de rústico, meio abandonado. Vários coqueiros, mangueiras e mato nativo. Um paraíso para lagartixas, minhocas, pássaros e grilos. Os grilos sempre me chamaram mais atenção. Fico pensando o que eles fazem durante o dia... Ninguém os ouve, nem vê. Só desencantam, aliás, só cantam à noite.

Todo filme de terror tem um fundo musical de grilos. Nada simboliza mais a noite do que eles.

Continuei na janela espiando a festa noturna do quintal do vizinho. A lua fuçava o ambiente, com suas réstias, por entre as palhas de coqueiro. E graças à sua luz eu podia ver a silhueta do que havia no quintal. Um silêncio gostoso, introspectivo, que só os grilos não respeitavam. Era uma alegria danada. Que é que eles tanto conversavam? A impressão é de que havia outros personagens transitando na noite. Certamente passeavam as lagartixas, formigas, besouros, corujas... Corujas? Acho que não, elas não vivem em beira de praia.

Pensei em camundongos. Bem possível que eles estivessem por lá, assim como alguns sapos comendo muriçocas. Acho que minha simpatia pelos sapos vai além da admiração por sua calma, sua maneira tranqüila de ser. Gosto deles porque comem mosquitos e muriçocas. Perdoem-me os ecologistas, mas não consigo gostar deles... Sei que é um defeito meu, pois que para a compreensão humana evoluída não há nada inaceitável na Natureza, que é um ecossistema perfeito em que tudo tem uma função. Mas, a função das muriçocas devia se limitar a servir de alimento aos sapos, e não ficar nos rondando atrás de nos picar.

Voltando aos grilos, estes sim, são encantadores. E cantadores, claro. E tem gente que é tão estressada que se ficar ouvindo o canto de um grilo não consegue dormir... Capaz até de sair com um sapato na mão para esmagá-lo com seu estresse. O estresse é fogo, atormenta e desfigura as pessoas.

De repente eles começaram a cantar com mais volume. Seria algum amigo que chegou para a noite? Que estariam conversando? Aliás, será que nesses sibilos há algum meio de comunicação? Bem possível. Continuei na janela encantada. Mas que quintal bonito... até meio selvagem. Os poucos tratos que seus donos lhe dispensam até que lhe favorecem o aspecto silvestre. Lá em cima muitas estrelas miúdas, cujo brilho parecia também cantar como os grilos. Um canto de luz lá em cima e o dos grilos cá embaixo. Certamente esses grilos dialogavam sobre as novidades da noite, uma sapa que passava toda serelepe, ou uma esperança que lhes causava inveja com sua roupa toda verde... Os passarinhos dormiam nos coqueiros...

A lua já se afastava, o vento começou a soprar mais forte, e alguém me chamou lá dentro.

Adeus, grilos falantes! Continuem felizes. Aproveitem a vida!

2 comentários:

Anônimo disse...

Que crônica gostosa. Tem movimento, tem luz, tem perfume. Senti inveja dessa noitada de encantos e poéticas observações. Parabéns, que venham outras. Djanira Silva

ecologiaemfoco disse...

Germano Romero:
Como ecólogo e NÃO ecologista,que é o adepto do "écologisme" (movimento criado na França por Dominique Simonnet,em 1979, em defesa do equilíbrio natural) ainda tenho esperança de que você, que aceita os grilos, bem "personalizados" no seu ensaio, um dia consiga compreender e admirar os sapos. Estes, juntamente com vários répteis e muitas aves, são eficientes combatentes dos mosquitos (incluindo o Aedes aegyti).
Lembro aqui o milenar Confucio: "Fale-me de alguma coisa e não me lembrarei; mostre-me alguma coisa e me lembrarei vagamente; envolva-me em alguma coisa e compreenderei".
Quando tiver um tempinho, leia o "Efeito Borboleta", que divulguei no www.ecologiaemfoco.blogspot.com
Saudaçoes cri-cri (que no linguajar ecológico é apenas repetição e não chatice!),
Breno.